ELEIÇÕES 2002
"Vão dar um lençol no Brasil", copyright Folha de S. Paulo, 20/01/02
"A escandalosa campanha de Roseana Sarney na novela ?O Clone? faz tremer os joelhos. Será ela o clone de Fernando Collor? O leitor se lembra bem, Collor foi eleito pela televisão, pela força de sua campanha em horário eleitoral e pelo protecionismo que a Globo lhe dedicou no noticiário. Isso já foi exaustivamente demonstrado e já não interessa (a não ser como história e como lição). Agora, Roseana põe os pés na alma da Globo e no altar do Brasil de uma vez só. Ela toma posse da novela. ?O Clone? acaba de virar uma novela político-partidária. Uma novela pefelista. É inacreditável.
Oficialmente, só o que existe ali é um reles merchandising para promover o turismo no Maranhão. Para além das oficialidades, existe muito mais. Aquilo inaugura um gênero, a novela-palanque. Os lençóis do Maranhão se convertem em panfleto, em santinho de boca-de-urna. Que cenas inebriantes. Uma criança no barco se farta de frutas frescas. Suco de bacuri. O convento, o teatro restaurado. O paraíso é lá. E quando a novela cessa, vêm os intervalos comerciais e a propaganda do PFL. Aí, é a própria, é Roseana quem me alerta: cuidado com os maus políticos ou o Brasil vai acabar como a Argentina, cuidado com o inferno. Ai, que medo. Não há como resistir. Eu quero votar na Roseana! Eu quero me perder naqueles lençóis! Quero tirar fotografia dos molequinhos frugívoros! Estou cercado, confinado, fisgado. Roseana Sarney pra lá, Roseana Sarney pra cá. Do alto dessa novela, que não é qualquer novela, mas uma audiência continental, Roseana, onipotente e provedora, dá ao telespectador de olhos crédulos e sedentos o gozo contemplativo dos lençóis. Debaixo do intervalo comercial, o seu marketing dá um lençol no país inteiro. Ela se instala no coração do Brasil, um pobre coração que pulsa no ritmo e na rima do novelão das oito.
A campanha presidencial começou de fato no campo da ficção. Começou antes que a lei a descobrisse ali, antes que as normas que regulam a propaganda política imaginassem a existência dessa nova modalidade de proselitismo partidário. É uma campanha brilhante, porque é uma campanha que não é campanha. E assusta. Pode indicar uma adesão da Globo, ainda não declarada, à causa de Roseana. Dificilmente aquilo tudo é mero acerto comercial. Aquilo tem cara de opção política. Se for, está em preparação um clone de Fernando Collor. Quem não enxergar, vai levar lençol.
Dia 2 de janeiro, na seção ?Tendências e Debates? desta Folha, um consultor do SBT, Luiz Eduardo Borgerth, procurou responder a uma crítica que eu fiz à emissora para a qual trabalha. Eu havia escrito que não estava claro, para a opinião pública, se a exibição de um programa como ?Casa dos Artistas?, claramente copiado do formato ?Big Brother? sem pagamento de direitos autorais, não caracterizou uma forma de pirataria. De modo bem-humorado, Borgerth disse que eu deveria estar cochilando ou mesmo em sono profundo e que o termo pirataria não se aplica ao episódio, uma vez que a Justiça brasileira autorizou a exibição, o que é fato. Antes de tudo, registro que recebo muito bem a resposta do SBT. É saudável, elogiável e muito raro que uma emissora aceite dialogar com a crítica. A opinião pública sai ganhando. Deixo claro, também, que jamais questionei decisões da Justiça sobre o assunto. A dúvida que eu levantei, porém, continua no ar. Borgerth não a respondeu. Se o SBT tem a serena clareza de que nenhum direito autoral seria devido, por que tentou negociar antes com a Endemol, que é dona do formato ?Big Brother?? A opção por exibir o programa, sem pagar por isso, foi uma questão de preço ou uma questão de princípios?"
"Clones", copyright Folha de S. Paulo, 19/01/02
"Muito oportuna a coluna de Fernando Canzian publicada ontem (?Os clones?, Opinião, pág. A2). Mais uma vez assistimos à todo-poderosa Globo fazer campanha para determinado candidato -no caso a governadora Roseana Sarney, que dirige o Estado mais pobre do país. Curioso é que a Globo mostra o Estado como se todos os seus habitantes fossem felizes, mascarando a realidade local -de pobreza, miséria e ignorância e onde vive uma população governada há anos pela mesma família. Triste ainda é ver atores e jornalistas da Globo agindo como garotos-propaganda da candidata. Acorda, povo brasileiro! Guilherme Egídio Cunha Costa (Uberlândia, MG)
Achei grosseiro e infeliz o ataque do jornalista Fernando Canzian à governadora Roseana Sarney e à Globo. É hipocrisia jornalística criticar publicidade de governo. Entretanto é válido questionar o seu interesse para o bem público. O artigo é, na realidade, uma indisfarçável defesa da candidatura Serra. A governadora merece aplausos por ter usado o programa de maior audiência da Globo para ?vender? o seu Estado e tentar, assim, atrair um maior número de turistas neste verão. Só porque a governadora é aspirante à Presidência da República e está bem colocada nas pesquisas deve ser proibida de promover o seu Estado?? Hélio Oliveira da Silva (São Paulo, SP)"
"Os clones", copyright Folha de S. Paulo, 18/01/02
"É uma aberração o que a TV Globo e a candidatura do PFL de Roseana Sarney levaram ao horário nobre da televisão nesta semana. Nos intervalos de ??O Clone?, entrou Roseana. E na novela, o Maranhão.
??O Clone? foi ao auge na terça passada. O personagem Léo (o ator Murilo Benício) reapareceu depois de um sumiço de anos. Resultado de uma clonagem, ressurgiu dando cambalhotas em dunas maranhenses em Lençóis. Lá, foi visto por um tal dr. Albieri (Juca de Oliveira). Autor da clonagem, Albieri curtia o Estado, elogiando as belezas da terra.
Na TV, o Maranhão é lindo: não há pobres em São Luís, lavadeiras sorriem batendo roupa na beira do rio e as crianças só brincam. Deve ser porque só metade das casas têm água encanada. E pelo fato de o Estado ser o quarto pior do país na ocupação de bancos escolares. Quanto ao sumiço dos miseráveis, mistério. O Estado segue como o mais pobre do Brasil, segundo o Censo 2000.
Roseana não tem culpa. Está no poder só há sete anos. É sua família quem manda no Estado desde 1966, quando seu pai, José, assumiu o governo e fez sucessores.
Em intervalos comerciais, Roseana já apareceu em vários canais, é verdade, mas nunca com tanto público. A audiência da novela, na expectativa da reaparição do Léo clone, bateu 50 pontos. Só em São Paulo, significam 2,2 milhões de domicílios. Escancarado o subliminar, engoliu-se, alternadamente, o Maranhão de Roseana e a Roseana do Maranhão.
A família Sarney é dona do maior grupo de comunicações do Maranhão, onde controla quatro emissoras afiliadas à TV Globo. O ex-presidente Sarney (1985-90) teve como ministro das Comunicaçccedil;ões o tempo todo o cacique-mor do PFL, o ex-senador ACM. Que, aliás, tem seu primogênito afiliado à Globo na Bahia.
No final dessa trama toda, ficamos realmente confusos: afinal, quem tem mesmo o DNA de quem?"