Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eugênio Bucci

CARNAVAL

"Um pesadelo de Carnaval", copyright Folha de S. Paulo, 10/02/02

"Políticos e celebridades disputam seus lugares nos camarotes de luxo. Tudo outra vez como das outras vezes. Vestirão camisetas estampadas com logotipos de cerveja e beberão cerveja com modelos-manequins que não usam nada por baixo da camiseta. Atores da Globo, diplomatas, bicheiros, autoridades, garçons, guitarristas, estelionatários, cantoras vindas diretamente da Europa, traficantes, parlamentares, banqueiros, duplas sertanejas e escroques internacionais vão beber, beber até cair. É a confraternização -palavra que foi inventada para ser pronunciada pela voz empapada dos demagogos grogues-, é a ?gonvradernizazão?, como eles dizem, do ?bovo braslero?. Nos camarotes se festeja a promiscuidade pátria, pois os camarotes são o prolongamento da Casa Grande.

A avenida é o terreiro, o caminho que vai da senzala à mesma senzala, a terra batida que os escravos palmilham com gratidão, o caminho que lhes foi concedido pelo sinhô em servidão de passagem. Esse rito encenado anualmente em tantas cidades e exibido com tamanho gáudio pelas redes de televisão é apenas mais uma das muitas faces da opressão em negativo. Ali não se mostra o talento do povo, mas a submissão dos que foram condenados a andar nos trilhos. O gelo seco, as lantejoulas de um verde amazônico, a passista de sandália dourada, o carnavalesco espalhafatoso dizendo frases que ele mesmo não entende, a indústria do turismo e suas montanhas de dinheiro que vão para o camarote do sinhô, e que de lá não saem, as dezenas de milhares de figurantes que atuam sem ganhar um prato de comida, os integrantes da bateria que deixam os dedos em carne viva em troca do aplauso das madames, em troca de um close na televisão: o Carnaval assim é a continuação do trabalho escravo.

Eu vejo os desfiles na televisão e tenho vontade de chorar.

Eu olho a TV e enxergo os cenários. Sambódromos. São Paulo, que era o túmulo do samba até ser superado nessa condição pelas betoneiras desse gênero sintético dos ?sambas-enredo?, estes sim, a urna mortuária do gingado, e o Rio de Janeiro, que viu a cultura popular do Carnaval ser degradada em indústria cultural escravocrata, as duas metrópoles têm seus sambódromos. São monumentos ao cinismo. Sambódromos são avenidas falsas, palcos de um faz-de-conta. Um Carnaval de rua no sambódromo é algo tão sem sentido quanto uma passeata num ?passeatódromo? ou uma greve no feriado. Os sambódromos são a materialização do vazio social reservado a esse tipo de festa encenada: eles são o lugar concreto, físico, que abriga aquilo que não pode mais ter lugar na cidade. Os sambódromos existem para que a ?cultura popular? (expressão já sem cabimento), agora industrializada, não atrapalhe o tráfego. Sambódromos são cidades cenográficas, só existem para passar na televisão. Ao fundo, o símbolo do Mc Donald?s involuntariamente recriado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

Eu olho os corpos das pessoas. Os corpos são corpos mas não são pessoas. Os corpos são lugares para a falsificação da alegria. São ?alegriódromos?. Os corpos só tremulam quando ungidos pelos holofotes, o sopro que lhes dá vida. O mestre-sala rodopia sorridente para saudar o prefeito. Os corpos ligam e desligam. Resta aos tamborins o domínio da cena. Os tamborins não são mais objetos inanimados. Parecem mover-se por iniciativa própria, como num desenho de Disney; sobrepujam com sua alma metálica os humanos inexpressivos ou, mais exatamente, os ?alegriódromos? ambulantes. E eternos. Os ?alegriódromos? não envelhecem, artificiais que são. A mulata globeleza, de curvas cibernéticas fosforescentes, sorri desde sempre feito um holograma frígido e luzidio, uma boneca intangível, precursora das heroínas de videogame. Ela quer beijar-me para me transformar num chip. Se é que já não sou um chip."

 

"Globo ameaça vetar desfile da Mocidade", copyright Folha de S. Paulo, 8/02/02

"A TV Globo não irá transmitir a apresentação da Mocidade Alegre caso a escola de samba paulistana coloque na avenida, na madrugada de hoje para amanhã, carros alegóricos e fantasias com merchandising da Nestlé.

A Nestlé diz que investiu R$ 500 mil em patrocínio à escola, cujo enredo será ?Do Néctar dos Deuses ao Alimento dos Homens e Feras: Deleite-se ao Sabor do Leite?. Terá, em troca, duas alas e dois carros alegóricos alusivos a seus produtos, principalmente as marcas Leite Ninho e Leite Moça, nas quais prometem desfilar os atores Luciano Szafir e Nívea Stelmann, da novela ?O Clone?.

A ameaça inédita da Globo tem por base um contrato assinado com a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, válido até 2014, que proíbe a exibição de propaganda dentro dos desfiles. A TV paga mais de R$ 1 milhão por ano à entidade em troca da transmissão integral do Carnaval paulistano.

O ex-presidente da Liga Sidnei Carrioulo, da escola Águia de Ouro, contou que, até 2001, a Globo ?tolerava? as propagandas na apresentação das escolas. ?Só não podia ser muito descarado, mas, uma coisinha aqui, outra ali, todo mundo fazia?, afirmou.

Segundo ele, a Globo procurou a Liga no mês passado para endurecer as regras contra merchandising. Ela ameaçava romper os contratos de transmissão se não houvesse mudanças.

A avaliação da rede era que algumas empresas deixavam de anunciar na TV para fazer merchandising. Dessa forma, tinham uma exposição maior ao público e gastavam menos.

O artigo 41 do regulamento do Carnaval foi alterado por causa dessas pressões, incluindo a perda de três pontos para a escola que fizer propaganda nas fantasias, adereços e carros alegóricos. ?Ficou definido que seria tolerância zero. Nem mesmo camisetas dos empurradores dos carros e instrumentos das baterias poderão expor a marca?, disse Carrioulo.

Na época, a Globo e a Liga acertaram que só seria tolerado merchandising se envolvesse algum patrocinador oficial do Carnaval de São Paulo. Por exemplo, a Kaiser. A multa prevista em caso de descumprimento do acordo, segundo Carrioulo, ultrapassa a casa dos R$ 20 milhões.

Em comunicado oficial, a assessoria de imprensa da Nestlé afirmou ontem que a ?ação de patrocínio, desde seu início, não previa a exibição de logomarcas da empresa ou de qualquer um de seus produtos na avenida?.

Uma das alas apresentada nos ensaios dos barracões, porém, exibia fantasias com reprodução das latas de Leite Ninho. Desde anteontem, funcionários da escola de samba correm para substituir ?Leite Ninho? por ?Leite em Pó?. As fantasias/embalagens, no entanto, terão as mesmas cores e características do produto da Nestlé, permitindo a identificação da marca pelo público.

A Globo deverá manter o veto à transmissão do desfile da Mocidade Alegre mesmo com as mudanças nas fantasias e carros alegóricos. A Nestlé é um dos maiores anunciantes da emissora, mas, no final do ano passado, associou suas marcas ao apresentador Gugu Liberato, do SBT.

Horário

Segundo a assessoria de imprensa da Globo, a emissora recebeu um comunicado do presidente da Liga, Robson de Oliveira, recomendando a não-transmissão do desfile da Mocidade Alegre devido ao patrocínio da Nestlé.

Ainda de acordo com a Globo, a Liga pode mudar o horário do desfile da escola, que seria às 4h20, para as 5h30. Com a mudança, a Mocidade pode ser a última agremiação a entrar no Sambódromo, permitindo à Globo interromper a transmissão do Carnaval sem abrir um ?buraco? em sua grade de programação.

A assessoria de imprensa da Liga informou ontem que a mudança na ordem dos desfiles ainda não havia sido definida. A entidade tenta fazer um acordo porque as novas regras só foram definidas com a Globo em janeiro, às vésperas do Carnaval.

A presidente da Mocidade, Elaine Cristina Bichara, informou que não se pronunciaria sobre o tema."

 

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"Conar suspende comercial da Telemar que criticava celular", copyright O Estado de S. Paulo, 10/02/02

"O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) decidiu suspender um comercial da Telemar, em que a atriz Dercy Gonçalves lista as vantagens da telefonia fixa e critica o serviço de telefonia móvel, chegando a jogar um celular no lixo. ?O Conar cumpriu o papel dele de forma extremamente ágil?, diz Augusto Carvalho, vice-presidente da Salles, agência de propaganda da ATL, que entrou com o recurso no Conar.

O presidente da ATL, operadora de telefonia celular da banda B nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, Carlos Henrique Moreira se queixou que a campanha publicitária da Telemar, criada pela Propeg, comparava ?uma passagem de avião com a de ônibus? ao criticar as tarifas. ?Um telefone celular oferece mobilidade, pode ser usado em qualquer lugar, inclusive dentro do Metrô do Rio, ao contrário da telefonia fixa?. Com a campanha, a Telemar quis também difundir o uso de orelhões, instalados na sua área de concessão.

A Associação Nacional dos Prestadores do Serviço Móvel Celular (Acel) entrou na briga e resolveu acompanhar a ATL entrando com o mesmo pedido de suspensão da propaganda pelo Conar na sexta-feira. Na quarta-feira, porém, tanto a ATL como a Acel, procuradas pelo Estado, não quiseram se manifestar sobre a bem-humorada e agressiva campanha da Telemar.

A Telemar, por sua vez, nega que o comercial tenha sido suspenso pela decisão do Conar. Segundo sua assessoria, o cronograma da Propeg, agência responsável pela campanha, já previa que a propaganda sairia do ar antes do carnaval. Essa não é a visão da Acel. ?É muito pouco usual que um comercial caro deixe de ser veiculado em tão pouco tempo?, diz Arnaldo Tibyriçá, diretor da Acel.

No comercial suspenso, Dercy afirmava que ligar de telefone fixo é sempre melhor e mais barato do que de telefones móveis. Em seus pedidos de suspensão, a Acel e a ATL argumentaram que o filme era ofensivo e a comparação indevida.

Segundo Tibyriçá, o comercial foi recebido pelas operadoras móveis com ?total perplexidade?. A Telemar planeja iniciar sua operação de telefonia celular em abril, com a Oi. ?Ainda que a operadora queira entrar com preços diferenciados, não há como a telefonia móvel ser menos onerosa que a fixa?, diz.

Aos 94 anos, a eterna vedete e atriz Dercy Gonçalves comprovou mais uma vez que polêmica é com ela. A mulher que já foi enredo de escola de samba, da carioca Viradouro, brinca, com freqüência, que veio ao mundo para causar confusão. Conseguiu."