Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eugênio Bucci

NOITE AFORA

"O lelê", copyright Folha de S. Paulo, 21/04/02

"?Noite Afora? é um programa que avança madrugada adentro. Entra no ar por volta da meia-noite, ou da uma, às vezes só lá pelas duas da manhã, como aconteceu na segunda-feira passada. Encenado sobre uma cama vasta e cor-de-rosa, apresentado por uma Monique Evans risonha e ruidosa, o programa da Rede TV! recebe convidados que vão de escritores a inventores, de jovens atrizes a modelos antigas, invariavelmente para falar de sexo. Sexo, sexo, sexo. E invariavelmente com deboche. Monique Evans gargalha conforme as atrações quase explícitas desfilam por sua cama. Seus convidados clamam por sussurros, olhares nublados, lentos enlevos de corpo, e ela, indiferente, mostra-se imbuída de uma euforia elétrica, nada erótica. É engraçado vê-la tão ágil e saltitante ainda que sentada sobre uma cama. Há entre ela e seus convidados uma desafinação áspera. Ela tem ares de monitora de festa infantil, e eles vêm carregados daquele desejo pesado, cavernoso e bruto, nada requintado. Em ?Noite Afora? o desejo é feio e a fala é de um nervosismo mal disfarçado. Seria uma fala histérica? Talvez sim, talvez não. À frente de sua alcova superiluminada, a apresentadora diz que seu programa é bom para quem quer dar risada. Então, ?Noite Afora? é um humorístico.

Que humor estranho aquele lá. Parece indicar, mais que uma intenção jocosa, a dificuldade extrema que cerca o assunto, a saber, o sexo. O ?humor? serve então de salvo-conduto moral. Transformando o assunto numa brincadeirinha de moleques, Monique Evans obtém licença para discursar sobre as partes pudendas sem delas se ?sujar?. Como se não tivesse envolvimento algum. Como se delas não quisesse sorver o gosto. Assim, o ?humor? serve para impor uma distância: ?Eu rio disso porque não desejo isso?. Nesse seu distanciamento estranho, Monique lembra as apresentadoras dos programas ditos femininos que, todas as tardes, falam de culinária sem jamais lambuzar as mãos naqueles temperos todos. Está na cara que essas apresentadoras, ou quase todas elas, detestam a convivência com o fogão e com a pia, assim como abominam picar cebola, manusear a carne crua, acender um forno. Elas falam dessas coisas por demagogia, por acreditar que, assim, cativam a audiência, falam sem comprometimento, como Monique Evans fala de sexo. Monique, porém, não fala de sexo por demagogia: diz ela que fala para dar risada.

Esse ?humor? que não é humor, pois o humor quer ferir e desmascarar (a comédia humana) enquanto esse ?humor? quer esconder e proteger (a apresentadora), tem a característica de infantilizar o sexo, neutralizando-o. Incrível como se pode infantilizar tudo, até mesmo a pornografia. A pornografia contemporânea gira em torno do falo, é falocêntrica, tem o falo como um totem, uma divindade inabalável, onipotente, plenipotenciária, matadora. Nos vídeos pornográficos, as atrizes giram em torno do falo como as mariposas giram em volta da ?lâmpida? no samba de Adoniran Barbosa. A pornografia contemporânea é rude, por certo, mas é ainda pornografia. Pois em ?Noite Afora?, Monique Evans emascula a pornografia. Ela lobotomiza o falo, chamando-o de nomes limítrofes como, entre outros, ?lelê?. Essa é boa. ?Lelê?, no dicionário, quer dizer confusão. Em ?Noite Afora?, o ?lelê? é a confusão imaginária entre o bonde do desejo que se veste de trenzinho fantasma e os trilhos da repressão que se vestem de criança.

Não por acaso, Monique Evans, com seu riso bonito de criança, exerce uma autoridade castradora. Como tantos outros entrevistadores da TV, aqueles que, além de perguntar, também se ocupam em responder as próprias perguntas, ela discursa como quem conhece tudo e não deseja nada. Ela e sua alegria enérgica não desejam nada, nada. Noite adentro, o telespectador é só abandono."

 

FIM DE SEMANA NA TV

"TV cobre mal o jornalismo no fim de semana", copyright Jornal da Tarde, 16/04/02

"A crise da Venezuela foi mal-coberta pela televisão. É verdade que tudo aconteceu num fim de semana, e isso complica. Fins de semana em jornalismo de tevê são quase sempre cobertos a meia bomba. É verdade também que havia atrações maiores – o Oriente Médio e aquela coisa toda – com Powell, Arafat e Sharon sucedendo-se no palco.

Só no domingo à noite, no ?Fantástico?, o enviado Tonico Ferreira leu uma matéria razoável, com imagens compradas. Não foi capaz, no entanto, de traçar uma seqüência de acontecimentos, de explicar ao telespectador como as coisas aconteceram. Um dos motivos é que desde a última quinta-feira as emissoras venezuelanas de televisão estavam a sabor das autoridades do momento. Primeiro, foram tiradas do ar pelo presidente Chávez, que as considerava parciais; depois, estavam apoiando os golpistas; no dia seguinte, silenciavam enquanto o governo mudava novamente de mãos. Se antes a população não recebia informações isentas, a posterior falta de informações deixou-a atordoada. As tevês de outros países ficaram sem material, até que a americana CNN entrou na história.

Todos sabem que a mídia tem meios de manipular fatos para agradar a uns ou a outros. Defende posições. Mesmo jornais e emissoras independentes têm suas crenças, sua fé política e suas esperanças. Alguns órgãos tentam uma posição olímpica quase impossível e buscam a imparcialidade dando os dois lados de uma notícia. Outros a omitem totalmente, mas o público percebe. Quem viveu no Brasil o movimento pelas eleições diretas, que a Rede Globo ignorou enquanto pôde, lembra-se do refrão: ?O povo não é bobo, fora Rede Globo?. A opção da Globo por Fernando Collor no debate eleitoral de 89 também foi percebida e criticada.

Na Venezuela, as emissoras de televisão foram protagonistas dos últimos acontecimentos. Os militares que derrubaram Chávez confiaram no volume da insatisfação que era apresentado nelas. O presidente silenciou a televisão e as rádios na quinta-feira, só deixou funcionando a tevê estatal. Foi derrubado. As emissoras Venevision, Globovision e RCTV, ?libertadas? pelo golpe, voltaram ao ar dando apoio total aos militares golpistas, à indicação do empresário Carmona como presidente provisório, à intervenção na Assembléia e na Justiça.

Ontem, na Globo, o cientista político Octávio Amorim Neto respondeu com singeleza ao perplexo ?como se explica?? do apresentador, sobre a reviravolta: ?Os golpistas eram minoritários?, disse Amorim. Mas, no sábado, os opositores de Chávez eram descritos como ?esmagadora maioria?, com base no que diziam os militares e empresários na televisão venezuelana. (No mesmo telejornal da Globo, o repórter Tonico Ferreira afirmou que os saqueadores de lojas do domingo eram partidários de Chávez. Deveria dizer, mas não disse onde obteve a informação…)

Naqueles dois dias de notícias parciais ou de falta de notícias, os venezuelanos apoiaram-se no noticiário internacional, o único confiável. Jornais brasileiros de ontem reproduziram a foto de uma menininha de Caracas exibindo um cartaz que agradece a CNN pela veracidade e objetividade (é o que, no fundo, o público quer da mídia). O próprio presidente Chávez abriu seu discurso da volta agradecendo a imprensa estrangeira. É triste um povo depender da imprensa externa para saber o que de fato está acontecendo no seu país. O médico que exibiu com sua filhinha de 4 anos o cartaz agradecendo à CNN deu entrevistas à emissora e às agências de notícias. Disse ele: ?A parcialidade dos meios de comunicação foi responsável pelo que aconteceu aqui.?

Essa história, pelo que disse Chávez nas entrelinhas, não deve terminar aí.

Deu na tevê

É péssimo a Globo transmitir no domingo metade de um jogo e metade de outro. Não agrada a nenhum dos quatro torcedores. E em dois tempos o brasileiro poderia ver melhor que Romário não merece mesmo Seleção.

Todos os programas esportivos e telejornais louvaram a volta de Ronaldo, o ?Fenômeno?, que liquidou o Brescia com dois gols, mas ninguém informou o que ele fez nos 75 minutos anteriores ao primeiro gol, se atuou bem, se cansou, o que se disse dele. Jornalismo de revista de fãs.

Comer porcaria e não ganhar nada

O programa ?Hipertensão? que estreou na Globo com boa audiência é mais uma nojeira daquelas em que os pobres concorrentes têm de comer minhocas e baratas. O pior é a pessoa comer aquela porcaria e não ganhar nada. Qual é a diferença entre isso e o pior do Ratinho? R$ 50 mil."