MONITOR DA IMPRENSA
MÍDIA EM ISRAEL
Nahum Sirotsky, de Israel
Gadi Baltiansky, diplomata israelense de 40 anos, natural do Chile, foi porta-voz de Ehud Barak, chefe de governo de Israel, durante todo o período deste como primeiro-ministro. E saiu sob os maiores elogios da mídia. O mínimo que escreveram sobre ele foi que "combina profissionalismo com integridade, senso de justiça e compreensão". E foi mesmo excepcional. Não mentia nem tentava enganar. Confiável. Ele dizia que tinha dupla função e preocupação. A obrigação de ajudar o primeiro-ministro tanto quanto pudesse na divulgação e explicação de suas políticas. E via como missão contribuir para que a mídia informasse de modo a permitir que o cidadão fizesse conscientemente suas escolhas. Combinação difícil que ele cumpriu com o maior sucesso. Da parte dele. Mas, na primeira oportunidade, entrevistado em profundidade, numa conversa de 5 horas com um dos melhores repórteres do jornal Haaretz, matutino de centro, ele fez graves críticas à mídia.
Ele disse que na ânsia de venderem o máximo os jornais vão tendendo a imitar os tablóides ingleses que vendem pelas manchetes sempre escandalosas. Na experiência que teve, destacou, verificou como o jornalista nem dá oportunidade de o entrevistado falar. Ou tem pressa ou, na maioria das vezes, quer mostrar o quanto sabe. É comum já chegar com o que acha que vai ouvir. As notícias então saem desencontradas, porque se trabalha no que se imagina que vá vender e que nem sempre coincide com a verdade.
Baltiansky observa que a mídia é tão variada e numerosa que pouco fica do que diz para ser lembrado no dia seguinte. Os jornais de Israel, diz ele, não publicam correções, publicam clarificações. Logo, não erra. Ele lembra de uma certa vez na ONU, quando lá estavam Arafat, o líder palestino, Ehud Barak, o então chefe do governo de Israel, e o presidente Clinton. Durante dias as manchetes afirmavam que se encontrariam, estavam para se encontrar. Conclusão lógica, porém, sem base na verdade. Não houve encontro nem para um cafezinho.
Íntimos e agressivos
E ele lembra que na imprensa americana, por exemplo, o jornalista pode errar responsavelmente, mas jamais conscientemente. No primeiro caso se pede desculpas no espaço para isto, no segundo o profissional recebe bilhete azul. Jornal desmentido com freqüência perde a confiança do leitor. Jornal sem conceito é entretenimento, nunca informativo. A mídia israelense corre este risco, o que ameaça a democracia que vive do cidadão bem-informado, afirmou.
Israel tem numerosos diários de grande circulação. Num país de 4 milhões e meio de habitantes, dos quais nem todos conseguem ler hebraico, há diários que superam os 500 mil exemplares diários na edição de fim de semana ? geralmente com cerca de 200 páginas divididas em suplementos vários. O diário em língua russa vende uns 200 mil por dia. Há o romeno, o húngaro, dois em inglês, francês e assim por diante, além dos de língua árabe. Há revista de tudo e para tudo. Os grandes jornais chegam do exterior, vindos da Europa, no mesmo dia. No dia seguinte, no caso dos Estados Unidos. A maior cadeia de lojas de livros inclui cerca de 150 deles. Há a televisão, o rádio, a internet. Mas, claro, o público prefere os veículos locais devido, inclusive, à necessidade de compreender o mundo em conflito dentro do qual se vive aqui.
As escolas de Jornalismo, Comunicação e Relações Públicas descarregam centenas de candidatos por ano. Não há emprego, como acontece nos demais países. E os jovens são todos veteranos das Forças Armadas: depois de três anos de serviço obrigatório é que vão realizar estudos superiores. Eles são tecnicamente bem formados, mas culturalmente pobres. Eles saem com a noção da importância da carteira profissional, sem equivalência à da profissão. E se julgam com o direito de tratar com intimidade a qualquer um; e a ser extremamente agressivos no perguntar. Seria mais adequado dizer até mal-educados. Os principais colunistas e repórteres são de outra geração, e dominam pela sua qualidade superior.
Preguiça e destino
Aliás, se Israel é insuperável nas áreas científicas, sofre de educação insuficiente nas humanidades. A crise da escola é grave. A imaginação se desenvolve na cultura geral, que é precária até no ensino do Judaísmo. Inacreditável é ver os programas de entrevistas na televisão, ainda dominados pelos veteranos, com poucas exceções. O poder dos profissionais é imenso. Eles não entrevistam. Discutem com o entrevistado, seja ele o primeiro-ministro ou um médico. Dão conselhos. Sugerem diretrizes de governo. Os mais agressivos entrevistadores brasileiros aqui não se enquadrariam. E Gadi Baltiansky tem razão: o entrevistador não dá chance de o entrevistado ir até o fim de seu pensamento.
A rádio é exceção. Hora após hora há emissoras que apresentam diálogos do mais alto nível sobre os mais complexos temas. É um prazer. Não que a mídia seja de forma geral de má qualidade. Caminha para ser, como diz Gadi. Entre os veteranos se encontram alguns dos mais informados e preparados profissionais do mundo. O colunista de economia sabe mesmo. Faz universidade de Jornalismo e de sua especialidade. O analista militar é lido pelos estrategistas das Forças Armadas. Mas a garotada ? meninas de beleza oriental e jovens ? não raro dá vontade de chorar. Nem a própria história conhecem. E não parecem se ressentir de tal falta. E dela saíram gênios tecnológicos.
Talvez seja este fenômeno da época das mídias eletrônicas, nas quais cada minuto custa fortunas e tem de ser maximizado. Mas, país de mídia insatisfatória leva ao conformismo, perde o senso do desafio, confunde preguiça com destino. Perde a criatividade. Alves Pinheiro, o maior chefe de reportagem que conheci na minha vida profissional ? era do Globo ?, ensinava que jornalista só pode perguntar bem sobre o que conhece. Todos os "focas" que ele domou ? e foram muitas centenas ? nunca esqueceram o que ensinava.
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