LEI ALDO REBELO
Ernani Porto
Tenho visto grande gritaria da imprensa contra a Lei Aldo Rebelo. Não causa surpresa, visto que justamente ela massacra todo dia a língua portuguesa, seja pela confusão paternalista entre "texto simples" e texto mal escrito. Também é pródiga na importação ou transformação de palavras: adolescente por "teen", investimento por "invest". A Folha já transformou singelas araras em imponentes "macaws". Só que a discussão, como sempre, foge para o pitoresco e o jocoso, mas não aborda a essência da questão.
Claro que por trás disto há certas coisas. No fundo, "teen" não é qualquer adolescente. Fica compreendido mais ou menos que ele é o adolescente que freqüenta shoppings, só estuda e não necessita trabalhar e, talvez, até compreenda inglês. Adolescentes, em português, seriam os pobres. Então, por trás da importação de palavras, há também um mecanismo de exclusão social, o analfabeto em inglês. Que, aliás, é a grande maioria dos brasileiros. Este não sabe o que é "delivery", "home bank", "net bank", "smoked ham", "marrowbone", "sauce garlic", "parmesan cheese", "blue cheese", "active strips", "milk bar" etc.
Voltei agora do supermercado. Gostaria de saber quantos consumidores compraram ração canina com "marrowbone" conscientes de que estão dando tutano ao seu cão; que o molho "garlic" é de alho, o de "parmesan cheese" é queijo parmesão, e que o de "blue cheese" é queijo gorgonzola; que o curativo com "active strips" contém faixas com medicamento (faixas ativas), que o doce "milk bar" é uma barra de leite. Doce ignorância!
Parece também grande ignorância dos fabricantes ocultarem justamente o diferencial do seu produto em inglês. Rótulos que em vez de serem informativos viram decorativos. Palavras vazias, mas coloridas, que escondem o mérito do produto, pois o curativo em questão é melhor por causa das "actives strips".
Contudo, toda informação que o consumidor entende é o preço mais alto das "strips". Mas o diferencial, neste caso, é estar escrito em inglês, e só por isso melhor do que em português. Ainda que estivesse escrito biscoitos "poisonous" em grandes letras vermelhas, muitas pessoas comeriam o conteúdo felizes e confiantes.
Os pais dos "teens" em sua maioria também não entendem estas palavras. Mas é mais chique desta forma, pois não querem ser pais de adolescentes, mas de "teens". Assim, em sua maioria, fingem compreensão. Alguns, inclusive, se associam ao plano de saúde "Blue Life". Que em inglês significaria algo como vida sofrida, e não, como quer dar a entender, "tudo azul". Isto é antigo entre nós, como na história do "Homem que falava javanês".
Incorporação forçada
Então, grande parte da chiadeira contra a lei vem daí. Quebra o monopólio do saber, pois o idioma português nos iguala. Certamente se "hardware" virasse equipamento e "software" programa, a informática perderia grande parte do seu mistério, e não pertenceria mais aos iniciados, mas ao povo comum. Pergunto por que um pobre estudante é obrigado a relacionar a sigla inglesa DNA com Ácido DesoxirriboNucleico, em vez de ADN. São dois trabalhos de memorização. As siglas, em lugar de facilitar, dificultam. Como Aids e não Sida: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.
No final da Idade Média a tradução da Bíblia do latim para os idiomas nacionais foi uma democratização do saber religioso que solapou a autoridade da Igreja. Aqui, o caminho é inverso. Querem traduzir a Bíblia para o inglês.
Quanto à lei "pegar ou não pegar", eu diria que pega sim, pelo menos em alimentos. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor já exige que os rótulos contenham todas as informações. Por que não em português? Afinal, sabor não é marca. Se conseguiram obrigar a indústria a informar os aditivos adicionados, como ácido benzóico, por extenso, em vez do código P-V, como era, muito mais fácil é escrever "alho", que todos entendem, em lugar de "garlic".
A questão não é exatamente de incorporar ou não palavras inglesas ao vocabulário, o que é normal em línguas vivas. Mas sim que esta incorporação é em grande parte desnecessária, forçada, e na verdade impossibilita a compreensão. E assim a língua deixa de cumprir sua função. Este é o caso do "poisonous" não-traduzido lá em cima, que significa venenoso.
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