BBC SOB TIROTEIO
A elite executiva da BBC parecia isolada de suas próprias equipes quando indiretamente acusou o cientista inglês David Kelly, que trabalhava para o centro de biodefesa da Grã-Bretanha e se suicidou na semana retrasada, de não conseguir ser completamente sincero frente ao Parlamento.
Andrew Gilligan, o jornalista no olho do furacão, afirmou ter sido fiel na reprodução do que Kelly lhe disse. Os executivos acreditam, particularmente, que o cientista segurou informações sobre o envolvimento da Downing Street no dossiê sobre armas de destruição em massa no Iraque, supostamente adulterado por agentes da inteligência britânica.
No entanto, jornalistas e editores contatados por Matt Wells [The Guardian, 21/7/03], questionaram a credibilidade desta postura. Expressaram desconfiança sobre a posição de Gilligan e Richard Sambrook, diretor de jornalismo, que deu apoio total ao repórter desde que soube que Kelly era sua fonte. Alguns ainda falaram em revolta. O apoio a Gilligan parece estar definhando.
A BBC tinha apoio da mídia em geral ao manter o anonimato de sua fonte. Mas quando a emissora admitiu que seu informante era Kelly, o quadro se reverteu. Um jornalista da BBC disse que o anúncio da fonte "foi uma bomba". "Como muitos aqui, tinha a impressão de que a fonte não era Kelly. Minha preocupação é que possamos tê-lo descrito erroneamente desde o início, quando o rotulamos de uma fonte da inteligência veterana e confiável. É isso mesmo que David Kelly era? Espero que Andrew Gilligan tenha uma ótima estenografia."
Ao longo das últimas semanas, o que mais tem surpreendido os jornalistas da BBC é o apoio incondicional do diretor-geral Greg Dyke e de Sambrook. Muitos torciam para que a polêmica fonte de Gilligan fosse outra que não Kelly. "Queríamos todos apoiá-lo, mas estávamos muito preocupados com a possibilidade de Kelly ter sido ? e de fato foi ? a fonte crucial que acusa a Downing Street de ?exagerar? no dossiê."
A confirmação da BBC fez com que muitos dentro da corporação mudassem de postura. "Agora que Kelly foi revelado como fonte principal, achamos que Gilligan deveria pedir demissão, e Sambrook ? relutantemente ? também", disse um jornalista da emissora. Outro disse que "a declaração da BBC é um desastre". "Foi Gilligan quem adulterou sua própria reportagem. A única outra explicação possível seria de que David Kelly não estava sendo honesto com o comitê, mas acho agora que Gilligan fez exatamente o que acusa [o diretor de comunicação de Tony Blair, Alastair] Campbell de ter feito. E nosso chefe o apoiou. Se isso for verdade, eles se queimaram com cada um de nós. Até provarem o contrário, eles perderam minha confiança. Deveriam ir embora."
Os executivos da BBC acoplaram suas reputações à de Gilligan. Se Gilligan, cair, todos podem cair também. Sambrook, como já foi dito, é porta-voz público em defesa da BBC e de seu repórter. Seu vice, Mark Damazer, tem envolvimento intrínseco da construção da defesa da BBC. Kevin Marsh, respeitado e experiente editor do programa Today ? ao qual Gilligan trabalha ?, foi respons&aaaacute;vel por levar ao ar a história. De sua parte, Gilligan está conturbado e consciente de que o vento não está mais soprando a seu favor.
O parlamentar Gerald Kaufman (trabalhista), em artigo de opinião ao Wall Street Journal [24/7], afirmou que, das muitas baixas da guerra no Iraque, uma das mais sérias e significativas pode vir a ser a BBC. Para Kaufman, o quadro é irônico, já que as causas dos ferimentos ? talvez fatais ? da emissora pública poderiam ser exatamente a postura antiguerra que assumiu.
O grande erro de Gilligan, para o parlamentar, foi ter insistido que sua fonte era importante figura do serviço de inteligência. "Kelly, qualquer que seja sua qualificação, não é e nunca fez parte dos serviços de segurança", disse Kaufman.
A predominância da audiência da BBC vem encolhendo nos últimos anos. "Está chegando a hora em que a BBC, que atrai pouco mais de um terço dos telespectadores, se tornará apenas uma minoria entre tantas outras. Pessoas que pagam por sua TV, seja comprando produtos em anúncios da TV aberta, seja ao assinar uma TV a cabo ou via satélite, começam a se questionar por que têm de pagar uma taxa anual mesmo se não escolherem assistir à BBC."
Até pouco tempo atrás, a BBC tinha na manga o argumento de que merecia tratamento especial devido a sua cobertura não-comercial, independente e objetiva. "Hoje", diz Kaufman, "há acusações de diferentes setores políticos de que a BBC organiza sua grade de programações sobre diferentes assuntos e costura suas apresentações para caber nessa grade."
Em tom profético, Kaufman termina o artigo dizendo que "divulgar a reportagem sobre a deturpação do dossiê pode vir a ser a besteira mais cara que os chefes da corporação já fizeram."