CENAS DE UM CASAMENTO
José de Souza Martins
(*)
O pesquisador dos temas visuais |
Ricardo Stuckert / Agência Brasil |
Outro detalhe é o de que há um ostensório
sobre o altar, instrumento de exposição do Santíssimo
Sacramento nas cerimônias católicas. Neste caso, a
noiva é divorciada, mas teve educação católica.
A Igreja Católica não admite o divórcio nem
o casamento entre divorciados e tampouco admite a presença
de seus símbolos em cenas contrárias à fé
católica. O ostensório nos fala, nesse caso, de dúvida,
de incerteza; nos fala da consciência de uma cerimônia
que não pode acontecer de conformidade com as convicções
da noiva.
No conjunto, a foto constitui, também, documento de crítica
da intolerância religiosa na doutrina, mas de tolerância
no formal. Ambigüidades, que se confirmam no ostensório
vazio, sem a hóstia consagrada. A convicção
religiosa traduzida num mero fazer de conta, impedida, interditada,
mas anunciada.
Essas contradições nos falam da modernidade, da sociedade
da colagem de símbolos e mensagens, a sociedade do vazio,
da perda de substância do social, do tanto faz como tanto
fez. Os símbolos e o simbólico não se articulam
com a substância das relações, com os conteúdos.
São meramente formais, mera exibição do aparente.
Mero anúncio do que não é. Eis o avesso da
fotografia.
(*) Professor livre-docente em Sociologia da Universidade de São
Paulo, autor, entre outros, de A imigração e a
crise do Brasil agrário, 1973; Capitalismo e tradicionalismo
(estudo sobre as contradições da sociedade agrária
no Brasil), 1975; O cativeiro da terra, 1979; Expropriação
e violência (a questão política no campo),
1980; Os camponeses e a política no Brasil (as lutas sociais
no campo e seu lugar no processo político), 1981; A
militarização da questão agrária no
Brasil (terra e poder: o problema da terra na crise política),
1984; A reforma agrária e os limites da democracia na
Nova República, 1986; O massacre dos inocentes,
1991 (org.); Subúrbio (vida cotidiana e história
no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano,
do fim do império ao fim da República Velha),
1992; Henri Lefebvre e o retorno à dialética,
1996 (org.); Vergonha e decoro na vida cotidiana da metrópole,
1999 (org.)