JORNALISMO CULTURAL
Geane Alzamora e Carlos Falci (*)
A comunicação hipermidiática e a cibercultura sugerem questões complexas para o jornalismo cultural que se processa na rede. Por exemplo, em que medida recursos de linguagem do meio, tais como interatividade, multimidialidade, hipertextualidade e capacidade semiótica do canal interferem na linguagem jornalística? Em que medida a cibercultura modela a cultura contemporânea e “pauta” o jornalismo cultural na rede? Poderíamos, nessa perspectiva, nos referirmos a um possível novo gênero, denominado webjornalismo?
Questões como essas motivaram a elaboração do projeto “Jornalismos Culturais na Rede: Site-Referência”, desenvolvido pela PUC-Minas desde abril de 2002, sob coordenação dos autores deste texto. A concepção geral do projeto privilegia a idéia de pesquisa colaborativa. Nesse sentido, forma-se continuamente uma comunidade virtual em torno do projeto, que atualmente registra 104 participantes, entre pesquisadores e jornalistas nacionais e internacionais. A meta principal, no momento, é a expansão prioritária desta comunidade virtual em países de línguas portuguesa e espanhola, tornando o projeto um espaço de integração não apenas lingüístico, mas também sócio-político-cultural.
Jornalismos Culturais na Rede compõe-se atualmente de um site-referência e uma lista de discussão [ver remissões abaixo]. Regularmente discute-se, na lista e em chats, artigos produzidos especialmente para o projeto. Pode-se visualizar a discussão sem participar da lista. As conversas em torno dos artigos são editadas hipertextualmente, em uma experiência de autoria colaborativa, e publicadas no site-referência. Dessa maneira, busca-se discutir também conceitos relacionados a novas formas de mediação que surgem com a internet.
No site-referência são organizadas, em sete categorias, informações sobre projetos editoriais e acadêmicos relativos a webjornalismo e webjornalismo cultural. As categorias são: dissertações e teses; centros de pesquisa; artigos científicos; livros publicados; webzines e blogs; publicações científicas na web; e sites jornalísticos. Em breve deve-se referenciar também projetos culturais e comunidades virtuais.
A atualização, executada pela equipe responsável pelo projeto, é realizada mediante informações fornecidas pelos participantes da lista de discussão e por parcerias interinstitucionais, estabelecidas para formalizar o processo de atualização colaborativa. O próximo passo nesse sentido é a formação de um conselho consultivo internacional, responsável pela qualidade das informações que circulam no site-referência. Para 2003, planeja-se o lançamento de uma revista eletrônica e uma edição impressa, além da realização do II Seminário Outros Jornalismos: a Cultura nos Meios Eletrônicos e Digitais, em versões presencial e virtual.
As várias faces do webjornalismo cultural
As discussões na lista jncultural e as informações sistematizadas pelo site-referência Jornalismos Culturais na Rede demonstram o quanto são diversas as propostas editoriais através das quais circulam na rede informações culturais. Processadas no mesmo ambiente, essas informações tornam híbridas os modos comunicativos singulares, o que tende a se traduzir em um possível novo paradigma de comunicação, híbrido, multifacetado, plural.
Mesmo que a maior parte das experiências observadas em sites jornalísticos não se diferencie muito dos modos comunicativos processados nos suportes que lhe são referenciais (ver, por exemplo, os sítios do Le Monde, do New York Times, do Estado de S.Paulo, da Folha de S.Paulo e O Globo). Neles, a internet permite experimentar possibilidades de interação social e de circulação de informações jornalísticas razoavelmente distintas das experiências comunicativas assentadas no paradigma massivo.
Por exemplo, é possível receber todos os dias, gratuitamente e por e-mail, The New York Times On The Web através de um serviço que rastreia se o destinatário acessa regularmente o webjornal. Já sites como o Webfind [remissão abaixo] prestam gratuitamente serviços de clipping personalizado. Nota-se ainda sites de serviços relacionados a agenda cultural, sites especializados em crítica de arte, além de algumas propostas editoriais irreverentes, como sinalizam weblogs, webzines e sites independentes de informação cultural que se apoiam em comunidades virtuais.
A profusão na rede de quantidade e qualidade de propostas editoriais redefine lugares de busca de informação cultural e, conseqüentemente, problematiza o papel dos filtros informativos, até então predominantemente sob responsabilidade de editores socialmente legitimados pelos meios de comunicação de massa.
Mediações sociais na rede
Ao permitir o surgimento de propostas editoriais distintas do modelo clássico do jornalismo cultural, a rede reflete a possibilidade de se pensar a mediação a partir de outros paradigmas. A idéia de mediação na comunicação de massa baseia-se numa rede cujo centro de produção de informações está identificado, em que os canais de distribuição de informações são fixos e na idéia de que o mediador deve buscar filtrar as informações que são de interesse comum da maioria dos receptores.
A web, cuja base conceitual é a estrutura hipertextual, propõe uma outra topologia: aberta, com hierarquias mais flexíveis, limites mais tênues e locais diversificados, porém topologicamente similares, de produção e distribuição de informações. Nesse sentido, o mediador é temporário, compartilha seus recursos de acesso à informação com a comunidade da qual participa e trabalha a partir de uma perspectiva de mediação coletiva. A autoria, conseqüentemente, também passa a ter um caráter temporário e relativo, já que se propõe a ser dividida com outros produtores e distribuidores de informação.
Idéias como essas norteiam a concepção do site-referência Jornalismos Culturais na Rede, cuja proposta central é ser desenvolvido coletivamente. Neste projeto, referenciar informações na Internet não significa construir um conjunto de links fixos, que remete a algumas páginas localizadas em servidores. Se a topologia da rede indica uma estrutura aberta e flexível, na qual a informação está em constante elaboração, referenciar na web significa, portanto, datar e indicar a fonte de pesquisa, explicar sucintamente a proposta do site referenciado e, principalmente, localizar os produtores das informações com o intuito de integra-los à comunidade virtual que fundamenta o site-referência.
Nessa perspectiva, é possível pensar o site-referência como espaço virtual que agrupa não dados fixos, mas projetos em desenvolvimento e produtores de informação, traduzindo-se em espaço simultâneo de produção, difusão e organização de informações acadêmicas e editoriais em permanente estágio de aprimoramento.
A idéia de comunidade virtual delineia o projeto “Jornalismos Culturais na Rede” e, especificamente, o site-referência, cuja estrutura suficientemente dinâmica e flexível aponta para autoria coletiva e processual. O site funciona de forma aberta, através de parcerias virtuais e presenciais que preservam a estrutura maleável e mutável da web.
A comunidade virtual ? em processo contínuo de expansão em torno do projeto “Jornalismos Culturais na Rede” ? pretende viabilizar o desenvolvimento de um paradigma colaborativo de pesquisa, no qual as referências a produções científicas e editoriais acontecem relacionadas a noções como autoria coletiva, pensamento em rede e estruturas circunstanciais de produção (os modelos editoriais na web podem ser extremamente flexíveis e até mesmo incompletos).
A proposta se sustenta a partir da idéia de que as mediações sociais na web operam trocas informativas fluidas, instáveis, temporárias. Cada vez mais agenciados em função de interesses comuns, emissores e receptores na rede cambiam freqüentemente seus papéis. Com isso, coloca-se em segundo plano a noção tradicional de autoria, privilegiando-se o desenvolvimento de mensagens coletivas, de complexa assinatura e em permanente processo de elaboração. Essas são as características predominantes no projeto “Jornalismos Culturais na Rede”.
(*) Professores da PUC-MG; e-mails <geanealzamora@uol.com.br> e <chfalci@uol.com.br>
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