Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Experiência de salto alto

IMPRENSA FEMININA

Daniel Liidtke (*)

Passos. O caminho da imprensa está repleto de passos. Pegadas que contam trajetória de inovação e desenvolvimento. Contudo, diante de tamanha evolução só uma coisa permaneceu na idade da pedra, inamovível e sem marcas durante séculos e séculos: a mulher. Observe.

Gutenberg. Homem. Inventou a tipografia. Daniel Sedltchansky. Homem. Editor do primeiro jornal mensário. Abraão Verhoeven e Johann Carolus. Homens. Disputa pela primazia do jornal semanário. Hipólito da Costa. Homem. Criador do primeiro jornal brasileiro. Por aí vai.

A história da imprensa, em todos as suas encruzilhadas, possui algo em comum: Homens. Eles são os inventores, mentores, perpetuadores ? e outros “ores”. A mulher, por sua vez, envolvida no véu do preconceito, limitou-se unicamente a escrever receitas e similares.

É inconcebível crer, entretanto, que a mulher não possua capacidade para lidar com jornalismo sério. Por que então só o homem? Talvez por que Adão deu o primeiro grito da história, tornando assim o sexo masculino dono da comunicação mundial? Ridículo.

Por séculos e séculos, a imprensa teve bigodes, chapéu, cheiro de cigarro e sapatos pretos. Onde estaria o outro modelo da espécie humana?

Basicamente, os primeiros registros que se têm da participação feminina na imprensa se dão a partir do século 19. Provavelmente muitas pegadas desafiadoras tenham sido apagadas da história, uma vez que a mulher não representava valor tão alto que não se pudesse comprar. Do mesmo modo como os nomes das mulheres foram excluídos nos registros da Revolução Francesa, no jornalismo encontramos apenas alguns poucos nomes com dados trocados e informações insipientes.

De acordo com o livro Mulher de Papel, de Dulcília Buitoni, foi o Espelho Diamantino, lançado em 1827, o primeiro periódico feminino. Era dedicado às senhoras, entretanto, feito por homens. Em Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro surgiram vários destes periódicos, principalmente nestes dois primeiros Estados ? a criação de faculdades de Direito nestes lugares promovia intensa atividade intelectual.

Em 1852, foi fundado o Jornal das Senhoras, segundo muitos, o primeiro periódico feminino brasileiro; feito para mulheres, por mulheres. Se foi no Rio ou na Bahia, por Violante Bivar ou pela argentina Joana Paula Manso de Noronha, não se sabe ao certo; os dados são confusos. Mas é fato que estas duas foram pioneiras em nosso País.

Seguindo o Jornal das Senhoras, seguiu-se uma enxurrada de outros modelos: Belo Sexo, O Sexo Feminino, A Família, A Mensageira, Anima Vita, Brasil Mulher, Nós Mulheres, Mulherio, entre outras.

Talvez seja devido a algumas más impressões das revistas femininas modernas ? sem contar com o machismo ? que as jornalistas de respeito encontram dificuldades e preconceito para exercerem a profissão. É uma batalha gradativa.

Estrada da imprensa

Desde 1969, com a regulamentação da profissão de jornalista e a conseqüente obrigatoriedade do diploma, as mulheres têm visto boas oportunidades nesta área. Também o maior acesso das mulheres à faculdades ? em Jornalismo elas predominam ? enxertaram o mercado de trabalho. Nas redações, as mulheres já são mais de 50%.

O caminho da imprensa agora também é trilhado por saltos altos. Na TV, destacam-se Ana Paula Padrão, Fátima Bernardes, Márcia Peltier, Marília Gabriela e Sandra Annenberg. Muitas delas quebraram paradigmas, como Fátima Bernardes, que fez a cobertura da Copa de 94 nos Estados Unidos e a de 2002, na Coréia do Sul e Japão, e Ana Paula Padrão, que foi correspondente de guerra do Afeganistão. Futebol? Guerra? Mulheres? Mulheres!

No jornalismo online, área escolhida por muitas, encontra-se Ana Lúcia Busch, diretora executiva da Folha Online, e Lílian Witte Fibe, com o extinto Jornal da Lílian. Este ainda é um campo em experimentação, mas que denota grandes possibilidades na inclusão de mulheres, inclusive em cargos de chefia.

Na imprensa escrita, salvo exceções, as jornalistas ocupam cargos inferiores aos homens. Contudo, ocupam espaços jamais imaginados como colunas de esporte, economia, política e investigação.

Em 1968, O Estado de S.Paulo, por exemplo, não aceitava mulheres em editorias como política e economia. Dê uma olhada no jornal de hoje e confira a mudança. Desde Márcia Guerreiro, primeira editorialista do Estadão, até Dora Kramer, atual colunista política, percebem-se os grandes passos da mulher. Sônia Francine, colunista esportiva da Folha de S.Paulo e Rosane de Oliveira, editora política da Zero Hora, também são exemplos.

Em cargos de chefia elas também vêm aparecendo. São poucas ? cerca de 16% ? mas mostram sua força. Ruth de Aquino foi durante anos diretora de redação de O Dia, Eliane Cantanhêde, diretora da sucursal da Folha em Brasília e Thais Oyama, editora de Veja são algumas.

Com certeza muitos nomes de mulheres importantes não foram citados. Realmente são muitas. Entretanto, o que se pretende enfatizar não são nomes isolados, mas a força conjunta de mulheres que transformam o jornalismo do Brasil. Para pior? Muitos acham.

Dizem aqueles que jamais puderam refletir na inovação e desenvolvimento do jornalismo. Que passaram por alto num artigo sobre economia por que trazia o nome de uma mulher. Que riram sarcasticamente do descontrole de uma âncora de telejornal ante uma noticia engraçada, julgando-a inapta para o oficio. Acontece que jornalismo é envolvimento. Isso as mulheres têm de sobra.

Em um país redigido por homens, as mulheres são notícia. Fazem notícia. Hoje representam grande passo na estrada da imprensa. Um grande salto. Um salto alto.

(*) Aluno do 2.? ano de Jornalismo do Centro Universitário Adventista (Unasp) e chefe de reportagem da revista Canal da Imprensa <www.canaldaimprensa.com.br>