UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA
Victor Gentilli
A Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia vai chegando ao seu novo formato. Entre as alternativas, um curso de dois anos, com apenas três meses de disciplinas práticas. Em lugar algum, qualquer linha ou palavra sobre comunicação. Jornalista é o tradutor do presente. Cabe a ele entender o mundo e explicar aos seus leitores. Para isso, apropria-se de todo o conhecimento humano que facilite essa atividade. Apreender e explicar, contextualizar, eis o objetivo que o novo diretor da escola se propõe a oferecer aos seus alunos.
Na mosca. A maior dificuldade de qualquer cidadão, de qualquer lugar do mundo, é situar-se nele e compreendê-lo. É necessário, é preciso, é urgente um profissional habilitado a apresentar e contextualizar o mundo a seus cidadãos.
Claro, o fenômeno jornalístico precisa ser compreendido. Mas esta não é a tarefa fundamental do jornalista; pode ser a tarefa fundamental do estudioso do jornalismo ou dos fenômenos da comunicação. Claro, é preciso dominar as técnicas da prática jornalística. Para os alunos de Colúmbia, três meses são suficientes.
O novo diretor Nicholas Lemann fala em estatística, Platão e Maquiavel. Mais do que campos de saber e nomes em si, importa entender que o diretor considera que o jornalista deve dominar importâncias, valores e suas relações, filosofia e artes, as malícias da política. Estatística, Platão e Maquiavel foram os autores que fizeram falta a Lemann em seus 31 anos de vida profissional. Ele entende tais conhecimentos necessários posto que úteis, ferramentas cujo domínio o profissional da informação pública não pode deixar de dominar.
Não se trata de pragmatismo, como entendemos por aqui. Mas, possivelmente a matriz utilitarista anglo-saxônica (de Bentham e Mill) influenciaram suas escolhas. Lemann cita também Madison, mas é inegável que os outros nomes citados informam uma cultura greco-latina. Baseada em Nova York, Colúmbia propõe-se a capacitar os tradutores do mundo onde quer que estejam, sejam quais forem suas origens, culturas e valores.
Claro que este modelo não é nem elitista (como ele mesmo nega, enfaticamente), tampouco único. É o modelo proposto para o curso de Colúmbia. E pronto.
Nicholas Lemann, novo reitor da Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia, nunca chegou a freqüentar um curso da área. Para comandar as mudanças no currículo da faculdade, no entanto, o correspondente da New Yorker espera guiar-se pelo que queria ter aprendido.
Para Karen Arenson [The New York Times, 14/5/03], Lemann contou ter sentido falta, nesses 31 anos de profissão, de noções de estatística e de aulas sobre as obras de Platão e Maquiavel, por exemplo [veja abaixo a íntegra da matéria]. Tais desejos moldaram sua visão do que deve ser um curso de Jornalismo. "É um grande desafio, uma experiência. Não deixaria meu trabalho na New Yorker se não estivesse sendo apoiado dessa forma por Lee Bollinger". Bollinger, diretor da Universidade de Colúmbia, provocou polêmica ao suspender a nomeação do reitor no ano passado e convocar uma força-tarefa para repensar o currículo da escola. Declarou ele que o modelo atual enfatiza demais o aspecto prático da profissão (reportagem e escrita) e transmite pouco conhecimento acadêmico, com o que Lemann concorda.
Algumas propostas do novo reitor são a criação de um curso de apresentação das diferentes maneiras de "buscar a verdade" ? que estude as evidências exigidas no campo do direito, da psicologia, da filosofia etc. ?, aulas de literatura e uma especialização no segundo ano em ciência, economia ou religião, por exemplo. As disciplinas mais práticas ? que hoje formam o núcleo do curso de Colúmbia ? estariam concentradas num programa de três meses, a ser dado antes do começo do ano escolar. Lemann, que assume em setembro, assegurou que não vai implementar nenhuma mudança sem ampla consulta prévia.
Quanto aos críticos ? como o colunista do Washington Post Robert Samuelson ?, que acusam a escola de formar jornalistas voltados para a elite, Lemann responde que a escola de Colúmbia não treina profissionais medianos, e que a preparação acadêmica proposta é útil para as situações do dia-a-dia. "O primeiro estágio do jornalismo é aprender como fazer, ver a vida em termos de eventos. Mas um formando de Colúmbia deve atingir um ponto na carreira em que pode ir além. Deve explicar, contextualizar, analisar ? fazer mais do que apenas dizer que isto aconteceu ontem."
ASPAS
"Colúmbia aposta em formação intelectual sólida para jornalistas", copyright The New York Times / O Estado de S.Paulo, 18/5/03
"Ele nunca freqüentou uma escola de jornalismo e ministrou apenas um curso na área. Mas Nicholas Lemann, correspondente da New Yorker, que recentemente aceitou o cargo de pró-reitor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Colúmbia, disse que, em seus 31 anos como redator e editor, muitas vezes pensou em coisas que desejaria de ter aprendido na escola.
Coisas como estatística e as idéias de Platão, Maquiavel e Madison ou ainda se, em alguma ocasião, a guerra teve justificativa. Esses anseios influenciaram sua visão do que deveria ser uma escola de jornalismo e sua decisão de assumir o encargo de reformulá-la.
?A motivação primordial foram meus tropeços pela vida como jornalista e a manutenção de um cômputo interno das coisas que gostaria de ter sabido?, disse Lemann. Ele está assumindo o cargo de pró-reitor num momento caótico.
O reitor da Colúmbia, Lee C. Bollinger, desencadeou uma tempestade no ano passado ao sugerir que a escola enfatiza demais as técnicas do ofício ? reportagem e redação ? e não investe o suficiente na educação dos aspirantes a jornalistas em questões como teorias política e econômica. Esse debate dividiu o corpo docente.
Desafio ? Lemann, de 48 anos, um homem afável com paciência e autoconfiança abundantes, não parece preocupado em ter de enfrentar turbulências. Ele tem uma idéia clara de como acha que a escola deveria ser e está disposto a tentar colocá-la em prática. ?Esse é um grande desafio, uma grande experiência?, disse. ?Eu não estaria deixando meu emprego na New Yorker se não tivesse sido convencido a fazer isso por Bollinger. Nem toda experiência funciona. Mas alguma coisa acontecerá.?
O ponto de partida, espera Lemann, será a proposta que apresentou a uma força-tarefa sobre o futuro da escola de jornalismo. A proposta traça as linhas gerais de um programa de dois anos fortemente enraizado na aprendizagem acadêmica, aproximando-se muito do pensamento do próprio Bollinger.
Uma das propostas específicas de Lemann é um curso que examine as diferentes maneiras de ?busca da verdade?, que estude os tipos de indícios exigidos em áreas como direito, economia, psicologia, estatística e filosofia. Ele também sugeriu que os alunos do primeiro ano façam cursos sobre literatura clássica e grandes pensadores. No segundo ano, os alunos se especializariam em uma disciplina concreta como ciência, religião ou economia e produziriam uma publicação semelhante às feitas por alunos de faculdades de direito americanas.
Lemann não abandonaria totalmente as técnicas do ofício. Mas propõe que o ensino intensivo de reportagem básica e habilidades redacionais, que constituem o cerne do programa de dez meses da Colúmbia, sejam concentrados em um programa de verão de três meses, antes do início do ano escolar regular.
Lemann disse não esperar que a escola de jornalismo adote seu plano por atacado ? nem mesmo que qualquer parte seja adotada logo ? e disse, também, que planeja fazer consultas amplas antes de promover qualquer mudança.
Ainda assim, espera que a escola possa conduzir um pequeno experimento, oferecendo a possibilidade de cursar um segundo ano a um grupo de talvez 20 ou 25 alunos, pagando seus estudos como um incentivo, embora acredite que levará tempo para levantar dinheiro e criar o currículo. ?A mudança do currículo é evolucionária?, disse ele. ?Não haverá um momento quando tudo será alterado da noite para o dia.?
Intelectualização ? Alguns críticos, como o colunista do Washington Post Robert J. Samuelson, insinuaram que tal treinamento é muito intelectualizado para um corpo de imprensa que produz mais pequenas reportagens diárias para jornais de bairro do que artigos longos em publicações como The New Yorker ou The Washington Monthly.
Para essa opinião, Lemann tem duas respostas. A primeira é que escolas de pós-graduação de uma universidade da Ivy League (associação de oito universidades e faculdades de boa reputação do nordeste dos EUA, entre elas Colúmbia, Brown, Harvard, Princeton e Yale) não prepararam o jornalista médio.
?A maioria das escolas de jornalismo têm programas básicos?, afirmou.
?Portanto, um programa de pós-graduação independente numa universidade pertencente à Ivy League é uma coisa diferente.?
?Você vai tentar identificar pessoas que possam ser líderes na profissão?, acrescentou. ?Além de ensiná-las a escrever reportagens, você as instruirá em modos de análise que sejam úteis no decorrer da carreira.?
Sua segunda resposta é que, embora a instrução acadêmica proposta por ele pareça intelectualizada, deve ser especialmente útil no jornalismo diário.
Contexto ? ?Quando surge algo complexo, você gostaria de saber quais as bases teóricas da questão?, afirmou. ?O primeiro nível do jornalismo é apenas saber como fazê-lo, ver a vida em termos de eventos?, continuou. ?Mas, se você for um pós-graduado da Escola de Jornalismo de Colúmbia, deve chegar a um ponto na sua carreira em que poderá fazer mais do que apenas isto. Você deverá estar explicando, contextualizando, analisando, fazendo mais do que dizer ‘tal coisa aconteceu ontem’.?
Ele também não está apreensivo com os argumentos de que os jornalistas não podem se dar ao luxo de estudar dois anos. Dois anos, disse ele, é o tempo mínimo para os alunos absorverem o ethos de uma universidade e sua forma de pensar. Além disso, os alunos de outras faculdades profissionais, incluindo teologia, assistência social, belas-artes e educação, normalmente passam dois anos ou mais na pós-graduação e muitas vezes ganham menos que os jornalistas.
Lemman só assumirá o cargo de pró-reitor em setembro. Ele reservou algumas semanas para concluir um artigo para a New Yorker e o verão para terminar um livro sobre a reconstrução pós-Guerra Civil. Mas, após concluir o artigo, logo se viu absorvido pela Colúmbia. Todos os dias conversa por telefone ou troca e-mails com Alan Brinkley, o futuro superintendente da universidade.
?Este é o terceiro dia do meu período pós-New Yorker?, disse, na quarta-feira. ?E até agora tenho passado o tempo todo envolvido com a Colúmbia. Ainda não encontrei um ponto de equilíbrio.?"
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