FOTO DA CAPA
Victor Gentilli
O fenômeno da notícia-espetáculo é velho conhecido de todos, embora certamente contribua para a desinformação da sociedade. Já rendeu livros, estudos, pesquisas e artigos neste Observatório.
O que sucedeu na edição de sexta-feira (15/8) de O Estado de S. Paulo poderia claramente enquadrar-se como mais uma manifestação do fenômeno. Um grupelho de supostos servidores públicos queima uma foto de Lula diante da lente de repórteres-fotográficos no Paraná. No mesmo dia, o presidente da República estivera em Curitiba. A única coisa que ligava o episódio da queima da foto e a presença do presidente, pelo que se apura da própria leitura de jornais, é a cidade de Curitiba.
A edição do Estado oferece tal magnitude ao insignificante episódio do grupelho que o factóide ganha dimensões inimagináveis. Os leitores do bravo matutino ganharam uma enorme foto na primeira página do rosto do nosso presidente ardendo no fogo. Enquanto a Europa ardia de fato no seu mais terrível verão dos últimos anos, com incêndios imensos, era a foto-factóide de Lula ardendo que se escancarava no Estadão. Aliás, os incêndios europeus estavam também na primeira página, abaixo do Lula de plástico.
Cláudio Abramo, em A regra do jogo, conta o quanto foi difícil convencer a família Mesquita a noticiar fatos brasileiros na primeira página do jornal. Os Mesquita achavam que o Brasil não tinha importância. O mesmo jornal, quarenta anos depois, agora que a família se afasta do comando direto da redação, coloca na primeira página, em cores, até os não-fatos.
Na página interna vê-se a insignificância da manifestação que o Estado magnificou na capa. Primeiras páginas são referências decisivas que os jornais oferecem sobre o dia anterior. Selecionam e hierarquizam aquilo de mais relevante que o jornal apresenta. Claro, o Estado desejou atingir o presidente. Conseguiu, agredindo a inteligência de seus leitores.
A primeira página pode ser vista em http://www.estado.estadao.com.br/editorias/03/08/15/cap_jpg.html
E a página interna em http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/08/15/pol021.html