Fernando Collor
"Política e Imprensa", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01
"Mais que simples lembranças, política e imprensa sempre foram em minha vida duas marcantes e definitivas presenças. Como criança, na convivência permanente com meu pai, jornalista, político e empresário no setor de comunicação. Na adolescência, com a iniciação profissional no JORNAL DO BRASIL, meu primeiro emprego, que mantenho vivo em minha memória, por muitas razões. Uma delas a de ter sido proporcionado pela confiança dessa correta, rica e emblemática personalidade que foi Carlos Castello Branco, jornalista exemplar. A outra, pela evocação inesquecível da amizade de Rodrigo, seu filho, meu companheiro e colega do Centro Integrado de Ensino Médio em Brasília, que nos aproximou e marcou nossos destinos. O jornalismo, para mim, não foi só opção. Ter mourejado num jornal que já era, como hoje, uma referência nacional, representou um incomparável magistério e um aprendizado ao mesmo tempo de tenacidade e humildade, qualidades essenciais dessa fascinante profissão que me têm sido úteis ao longo de toda a vida.
As reminiscências esmaecidas da infância e os anseios sonhados da geração a que se proibiu a militância política transformaram-se, por força das circunstâncias que a sina nos reserva na vida, em vocações de adulto. O aprendizado da política foi sem dúvida mais desafiador que o do jornalismo. Essa dura batalha que as práticas correntes transformaram em confronto de interesses e não mais de idéias, e menos ainda de ideais, não se torna apenas uma luta de resultados incertos e imprevisíveis. É hoje, como escreveu o polêmico filósofo Hans Magnus Enzensberger, o mais precário e arriscado de todos os ofícios.
Na política, conheci o outro lado do jornalismo. E minha experiência pessoal, num período adverso para todos os jovens, serviu para reforçar a convicção do político em que me transformei, de que pode até haver liberdade de imprensa sem que haja democracia, mas jamais existirá democracia sem que a imprensa seja livre, pluralista e contraditória. A liberdade consentida ou concedida, pela magnanimidade de César, não é nunca um direito, mas a própria contrafação da democracia. Por isso, em todo e qualquer sentido sob o qual seja encarado, o papel da imprensa tornou-se sinônimo de democracia, de liberdade e de diversidade, requisitos sem os quais o jornalismo pode até existir, mas não consegue viver.
Quando se confronta e quando se vive ao mesmo tempo as práticas da política com as da imprensa, como no meu caso, pode-se ter a exata noção de como se complementam e de como são necessárias uma à outra, condenadas a conviver até a morte, para que a democracia sobreviva. Não é sem razão que quando uma fraqueja ou transige, a outra fenece e se abate. As primeiras vítimas de todo e qualquer totalitarismo são sempre e invariavelmente, em todas as partes e em qualquer tempo, primeiro a imprensa, depois o parlamento, símbolo da política democrática. No Brasil, nunca foi nem poderia ser diferente, pois aqui também a estrada da liberdade foi pavimentada, como a nossa história, com o sangue, o sacrifício e o martírio de tantas vidas inocentes e de tantas reputações dilaceradas e quase sempre esquecidas.
Há, no entanto, um traço comum que, mais que qualquer outro, simboliza essa mútua dependência. A política e o jornalismo são atividades sujeitas às mais inusitadas influências e são capazes de sobreviver em cenários de permanente conflitividade. Porém, quanto mais conturbado o ambiente em que ambas têm que atuar para cumprir seu papel, mais indispensável e vital se torna que não percam o equilíbrio, a isenção e a serenidade. Ambas são capazes de resistir a todas as vicissitudes, como as que hoje vivemos. Só não podem ceder à tentação da irracionalidade que, via de regra, tem significado sempre, ao longo da história, a ruína de uma e a perdição da outra. E em ambos os casos os resultados são sempre fatais e funestos. (Jornalista, ex-repórter do JB em 1969 e ex-presidente da República)"
JB
ASPAS
JB 110 ANOS
"Política e Imprensa", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01
"Mais que simples lembranças, política e imprensa sempre foram em minha vida duas marcantes e definitivas presenças. Como criança, na convivência permanente com meu pai, jornalista, político e empresário no setor de comunicação. Na adolescência, com a iniciação profissional no JORNAL DO BRASIL, meu primeiro emprego, que mantenho vivo em minha memória, por muitas razões. Uma delas a de ter sido proporcionado pela confiança dessa correta, rica e emblemática personalidade que foi Carlos Castello Branco, jornalista exemplar. A outra, pela evocação inesquecível da amizade de Rodrigo, seu filho, meu companheiro e colega do Centro Integrado de Ensino Médio em Brasília, que nos aproximou e marcou nossos destinos. O jornalismo, para mim, não foi só opção. Ter mourejado num jornal que já era, como hoje, uma referência nacional, representou um incomparável magistério e um aprendizado ao mesmo tempo de tenacidade e humildade, qualidades essenciais dessa fascinante profissão que me têm sido úteis ao longo de toda a vida.
As reminiscências esmaecidas da infância e os anseios sonhados da geração a que se proibiu a militância política transformaram-se, por força das circunstâncias que a sina nos reserva na vida, em vocações de adulto. O aprendizado da política foi sem dúvida mais desafiador que o do jornalismo. Essa dura batalha que as práticas correntes transformaram em confronto de interesses e não mais de idéias, e menos ainda de ideais, não se torna apenas uma luta de resultados incertos e imprevisíveis. É hoje, como escreveu o polêmico filósofo Hans Magnus Enzensberger, o mais precário e arriscado de todos os ofícios.
Na política, conheci o outro lado do jornalismo. E minha experiência pessoal, num período adverso para todos os jovens, serviu para reforçar a convicção do político em que me transformei, de que pode até haver liberdade de imprensa sem que haja democracia, mas jamais existirá democracia sem que a imprensa seja livre, pluralista e contraditória. A liberdade consentida ou concedida, pela magnanimidade de César, não é nunca um direito, mas a própria contrafação da democracia. Por isso, em todo e qualquer sentido sob o qual seja encarado, o papel da imprensa tornou-se sinônimo de democracia, de liberdade e de diversidade, requisitos sem os quais o jornalismo pode até existir, mas não consegue viver.
Quando se confronta e quando se vive ao mesmo tempo as práticas da política com as da imprensa, como no meu caso, pode-se ter a exata noção de como se complementam e de como são necessárias uma à outra, condenadas a conviver até a morte, para que a democracia sobreviva. Não é sem razão que quando uma fraqueja ou transige, a outra fenece e se abate. As primeiras vítimas de todo e qualquer totalitarismo são sempre e invariavelmente, em todas as partes e em qualquer tempo, primeiro a imprensa, depois o parlamento, símbolo da política democrática. No Brasil, nunca foi nem poderia ser diferente, pois aqui também a estrada da liberdade foi pavimentada, como a nossa história, com o sangue, o sacrifício e o martírio de tantas vidas inocentes e de tantas reputações dilaceradas e quase sempre esquecidas.
Há, no entanto, um traço comum que, mais que qualquer outro, simboliza essa mútua dependência. A política e o jornalismo são atividades sujeitas às mais inusitadas influências e são capazes de sobreviver em cenários de permanente conflitividade. Porém, quanto mais conturbado o ambiente em que ambas têm que atuar para cumprir seu papel, mais indispensável e vital se torna que não percam o equilíbrio, a isenção e a serenidade. Ambas são capazes de resistir a todas as vicissitudes, como as que hoje vivemos. Só não podem ceder à tentação da irracionalidade que, via de regra, tem significado sempre, ao longo da história, a ruína de uma e a perdição da outra. E em ambos os casos os resultados são sempre fatais e funestos. (Jornalista, ex-repórter do JB em 1969 e ex-presidente da República)"
"Alberto Dines", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01
"Alberto Dines esteve por 12 anos à frente da Redação do JB, tendo assumido pela primeira vez o cargo de editor em janeiro de 1962. Numa época de ditadura militar e censura aos órgãos de comunicação, Dines comandava o jornal em pelo menos dois momentos históricos: em dezembro de 1968, após a decretação do AI-5, mandou para as bancas uma edição marcada por ironias e linguagens figuradas; e, em 1973, driblou os censores mais uma vez, noticiando de forma original o golpe militar no Chile.
Uma das mais importantes páginas do jornalismo nacional foi escrita em 12 de setembro de 1973, quando Alberto Dines chefiava a redação do JORNAL DO BRASIL. Na véspera, em Santiago, no Chile, eclodia o golpe contra o governo do presidente Salvador Allende, que foi achado morto num dos gabinetes do Palácio de La Moneda – e a partir daí a ditadura de Augusto Pinochet se instalaria de vez no país. Os censores brasileiros, que na época exerciam seu controle nas redações dos jornais através de bilhetinhos ou telefonemas, haviam determinado ao JB que a notícia da morte de Allende não tivesse nenhum destaque na primeira página. Nada de títulos garrafais, muito menos fotos abertas em várias colunas. Pois bem. Uma solução teria que ser encontrada, o jornal tinha que driblar de algum jeito a imposição da censura. Fez-se então uma primeira página sem manchete alguma, sem uma fotografia sequer, só com texto – as letras, de corpo 24, eram as maiores que os equipamentos da época permitiam. Ou seja: além do tradicional L de anúncios classificados, a morte do presidente chileno era o único assunto da primeira página do jornal. O impacto foi grande, muito maior do que qualquer título ou chamada teria. Uma edição que já foi descrita como uma das mais subversivas da história do jornal. Nas linhas finais do texto era descrito o trabalho do enviado especial do JB a Santiago, Humberto Vasconcelos, ?que assistiu aos últimos momentos do governo Allende e destacou que os esquerdistas foram tomados de surpresa com a ação militar, que pôs fim a 41 anos de normalidade constitucional no Chile.?"
"A Responsbilidade dos Profissionais", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01
"Augusto Nunes, diretor de redação da revista Época, vê risco de exagero nas denúncias, que encontrou estímulo no impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. ?E isso já faz 10 anos. Desde aquele momento, a imprensa se considera no dever de divulgar um escândalo por dia. E isso não é necessário?, afirmou. Segundo Augusto Nunes, o jornalista não deve se preocupar em substituir o delegado, o detetive e o promotor ao mesmo tempo. ?É a síndrome do Clark Kent, do super-herói, que por azar nosso era jornalista?, disse, referindo-se ao Super-Homem dos quadrinhos.
Mas Augusto Nunes crê num futuro menos turbulento após a experiência de várias eleições diretas. ?Passamos por um período que foi uma panela de pressão. A tampa estourou e começou a pipocar denúncia. Agora tem que se voltar à normalidade. Nas próximas eleições, temos de começar a examinar os candidatos antes. O livro do próprio Mário Sergio Conti (Notícias do Planalto) ensina a mostrar como são as pessoas antes da eleição.?
Para o jurista Ives Gandra Martins, o poder de destruir da imprensa é ilimitado. ?Nem mesmo os poderes constituídos têm a mesma força. E por ser o pulmão da sociedade e poder desvendar o que o povo não tem acesso, a imprensa deveria ter mais responsabilidade.?
Apesar dos contratempos, Ives Gandra vê pontos positivos. Para o jurista, sem a imprensa a democracia fica pela metade. ?O Collor caiu não pela vontade dos deputados, mas pelas denúncias?, afirmou Ives Gandra, recordando a época em que, segundo ele, a imprensa chegou a ser oficialista. ?Mas hoje reflete a vontade da sociedade. Alguns jornais são mais de esquerda, outros gostam mais do presidente e há os que são mais agressivos. Mas todos divulgam a notícia?, disse o jurista, que abre uma exceção à TV. ?Nela as posições são mais visíveis, pois a informação é mais curta e as preferências aparecem mais. A notícia tem pouca profundidade.?
O diretor de redação do jornal O Globo, Merval Pereira, considera o saldo positivo e a imprensa brasileira muito boa, uma das melhores do mundo. ?É criativa, aguerrida. Casos de denuncismo vazio são cada vez mais raros. Temos conseguido fazer grandes reportagens investigativas e até refazer a história recente do Brasil, dando grande contribuição ao avanço da democracia.?
Mas Merval faz uma ressalva. ?Erramos ao achar que falar de coisas boas do governo é ser governista, que para ser independente tem de ser contra. É um erro de ótica brutal, uma distorção do tempo da ditadura.?
Separar a opinião da crítica é essencial, segundo o jornalista. ?O Globo apóia o governo Fernando Henrique, mas não se furta de criticar o governo, em apontar erros. Essa é a posição madura que a imprensa deve ter?, afirmou Merval, lembrando que cada caso é um caso. ?A notícia sai normalmente, a crítica ou elogio, em editorial. Não se pode ser a favor só porque é MST, PV, uma ONG.?
Discordar das investidas do MST à fazenda de Fernando Henrique, Paulo Tarso Flecha de Lima ou aos prédios públicos, segundo Merval Pereira, não significa tratá-lo mal. ?O MST tem que arcar com as conseqüências de seus atos.?
Sandro Vaia, diretor de redação do Estado de S.Paulo, considera que cada veículo segue suas tradições. ?Se por um período é mais ou menos favorável ao governo, é por coincidência. Em geral, não muda suas posições políticas por ser simpático ou não?, afirmou Sandro, para quem o papel da imprensa sempre foi o de informar e formar a opinião pública. ?Porém, muitas vezes há um jogo de marketing, como as publicações de gravações que nada acrescentam.?
O jornalista cita a postura da imprensa após o fim da ditadura, que teria começado a usar a linguagem de forma leviana, divulgando denúncias não comprovadas. ?Quis se sentir sem as algemas, e isso não ajudou em nada a enriquecer a democracia. Vejam os exemplos da Escola-Base e do Alceni Guerra (ministro da Saúde durante o governo de Fernando Collor), cuja vida foi quase destruída?, afirmou.
Hélio Campos Mello, diretor de redação da revista Isto É, acha que a imprensa sempre deve ter o olhar crítico e equilibrado para o poder. Considera a imprensa generosa com o governo, mas que já foi mais. De uns tempos para cá, teria mudado. ?A partir da metade do segundo mandato do atual presidente, começou a olhar de forma mais crítica. Se você pegar hoje o ACM, por exemplo, diz que posa de oposição, mas mantém simpatia geral da grande imprensa.?
O cientista político Bolívar Lamounier concorda com Hélio Campos Mello. ?O desempenho da imprensa tem sido bastante equilibrado. Reconhece e dá devido crédito quando o governo realiza obras importantes, o que não a impede de fazer cobranças quando necessário.?
De acordo com a editora executiva da Folha de S.Paulo, Eleonora Lucena, essas cobranças são absolutamente necessárias. ?Denúncias têm de ser apuradas, confrontadas com os diversos interesses em questão. Se comprovadas, devem ser publicadas. A sociedade democrática amadurece com a transparência. A imprensa pode ajudar nesse processo.?
Porém, o ?criticismo exacerbado? é, segundo o professor emérito de Ciência Política da Universidade de Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis, o maior pecado da imprensa brasileira. ?Isso se dá principalmente no colunismo. Às vezes você lê determinado colunista e percebe claramente que há um engajamento contra ou a favor do governo?, disse Fábio, que no entanto avalia como positivo o papel dos meios de comunicação. ?Fazem um esforço de imparcialidade, que varia de um para a outro. Alguns mais, outros menos. Mas em termos gerais são independentes e têm um bom conteúdo de informaçã?o.?
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia, professor José Vicente Tavares dos Santos, a imprensa é submissa não apenas ao poder político, mas também ao econômico e até cultural. ?Com isso, transforma-se em correio de transmissão dos poderes.?
José Vicente lembra o crescimento das assessorias de imprensa em grandes empresas, governos e partidos políticos, e faz um alerta. ?Quem lê de quatro a cinco jornais por dia, como eu, nota que uma determinada notícia é igual em todos os periódicos. É a publicação simultânea do mesmo release com pequenas alterações. O que mostra a submissão do jornalista às assessorias e reflete falta de formação intelectual e de busca de informação diferenciada.?
A mania do novo, do extraordinário, que dá capa e manchete, também é criticada por José Vicente, diretor do Instituto de Filosofia e Ciências em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ?Com exceção do Jornal do Brasil, da Folha de S. Paulo e alguns poucos, os jornais vivem de maneira geral do extraordinário, e com isso os profissionais não se preocupam com a informação.?
O ex-presidente da Fenaj, coordenador do jornalismo na TV Bandeirantes em Minas Gerais e membro da equipe do Observatório Econômico, Luiz Carlos Bernardes, detecta grande influência do jornalismo feito pelo diário americano USA Today na imprensa brasileira. ??Os espaços de análise diminuíram e os jornais estão com matérias mais sucintas. Uma análise isenta para o leitor é muito importante. O cidadão é agora bombardeado por um volume muito grande de informação e precisa de uma interpretação que abra cenários para ele.?"
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