Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fernando Lauterjung


‘Em meio a uma crise financeira e administrativa que derrubou seu volume de produção, a TV Cultura trocou de direção em junho de 2004. A nova direção da mantenedora da emissora educativa, a Fundação Padre Anchieta, prometeu no momento da posse equacionar a crise, voltar a produzir e apresentar uma nova grade até março de 2005, quando foram de fato apresentados programas musicais e um novo de debates, apresentado por Silvia Poppovic.


O presidente da Fundação Padre Anchieta, Marcos Mendonça, conta como pretende retomar a produção na TV Cultura, promete abrir espaço para a produção independente e privilegiar programas infantis e telefilmes. Além disso, anuncia investimentos na digitalização do seu acervo e para reverter o sucateamento do parque técnico da emissora. Conta também como pretende conseguir verbas para sustentar as mudanças na emissora educativa de São Paulo.


Tela Viva – Como está a previsão de recursos para a TV Cultura para os próximos anos através de publicidade e de investimentos do Governo do Estado de São Paulo?


Marcos Mendonça – Hoje os recursos provenientes de serviços e de publicidade totalizam quase 50% do valor que o Estado nos dá, que é em torno de R$ 80 milhões. A nossa meta é que, em um prazo de aproximadamente quatro anos, a TV Cultura tenha a parcela de recursos de serviços e de anúncios equivalente à parcela que ela recebe do poder público. Nós negociamos com o Governo do Estado para que esse valor seja mantido. Se puder ser aumentado, melhor ainda.


Esse valor vai ser cumprido em 2005, já foi aprovado o orçamento. Nosso objetivo é manter essa participação do Estado, mas também perseguir os recursos privados, que nos favoreçam, nos possibilite aumentar nossa produção.


A entrada da TV Cultura na TV por assinatura, através da TV Rá Tim Bum, deve representar uma receita importante?


Pode significar uma receita importante. Mas essa receita tem uma destinação específica. Os custos da TV Rá Tim Bum são bancados pela TV Cultura, mas as receitas são destinadas, única e exclusivamente, para a produção de programas infantis. Então, tudo o que for originado da receita da TV Rá Tim Bum será aplicado em programação. E é claro que a TV Cultura será beneficiada por isso, porque esses programas também serão exibidos nela.


Então podemos esperar programação inédita?


Hoje não tem nenhum programa infantil sendo produzido no Brasil, o único é o ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’. Já estamos produzindo 52 capítulos do ‘Cocoricó’ e em breve a gente estará com outras produções infantis.


Existem planos de expansão da TV Rá Tim Bum?


No mercado interno queremos expandir a TV Rá Tim Bum, na busca de novos operadores de cabo. Hoje nós temos um acordo com a Neo TV e estamos negociando com a Net. Nós temos 580 mil assinantes e queremos expandir isso para os 3,5 milhões.


Em relação ao mercado internacional, são caminhos que não são fáceis de trilhar, mas vamos buscar alternativas.


Através da venda do canal ou da programação?


Através de programas isolados.


Está previsto investimento em novos canais de TV por assinatura, baseados no acervo da TV Cultura?


Nós estamos investindo para recuperar, digitalizar esse acervo, sob pena de perda desse material. Nós temos fitas de 30 anos de idade e que muitas vezes não foram conservadas em locais adequados.


Hoje nosso maior investimento é em relação à digitalização desse acervo. Na medida em que tenhamos condições, nós podemos pensar em outros projetos de TV por assinatura. Mas nesse instante nosso objetivo fundamental é trabalhar a TV Rá Tim Bum e digitalizar o acervo.


A TV Cultura pretende trabalhar com a produção independente?


Nosso objetivo é esse. A TV Cultura vai perseguir algumas linhas novas. Por exemplo, a questão do desenho animado, que é um produto do qual o Brasil tem uma produção muito pequena, variável e sem escala. Mas nós entendemos que temos talentos, temos capacidade de produzir numa escala boa, de maneira a abastecer o mercado interno e externo. Hoje, tanto na televisão aberta como na fechada do País, 95% ou mais da produção de desenhos é feita no exterior. O Brasil gasta muito dinheiro com recursos para pagar essas importações, por um lado. Por outro lado, o Brasil não tem nenhuma receita nessa área, não exporta nenhum produto porque não tem produção em escala. Portanto, em animação, queremos trabalhar com produtores independentes. Não é a TV Cultura que produzirá isso. O papel que a TV Cultura vai exercer é o de articulador desse mercado, fazer com que ele tenha pontes de contato e possa desenvolver uma ação.


Em relação à nossa programação normal, nós também queremos trabalhar com produtores independentes. Nosso objetivo é que a TV Cultura produza em uma escala grande, mas que a produção que ela exibe possa vir de produtores independentes. Evidentemente que nós vamos impor um padrão de qualidade, encomendar produtos especificando a forma que queremos. Vamos deixar nossa produção interna mais voltada para programas da linha editorial.


E nós queremos co-produzir telefilmes, sendo que alavancaríamos recursos e equipamentos, de tal maneira que possamos estimular o mercado a trabalhar nessa direção. Já tivemos uma parceria no passado muito bem-sucedida, quando eu era secretário de Cultura e fiz uma parceria com a TV Cultura para desenvolver o’Pic TV’. Foram feitos aqui cerca de 50 filmes em que a TV Cultura tinha esse papel de co-produtor. Ela entrava com alguns recursos, com estrutura e com a mídia no lançamento. O resultado foi extremamente proveitoso.


Deve surgir uma ‘TV Cultura Filmes’, nos moldes do que vem sendo feito nas TVs comerciais?


Na realidade o modelo que a Globo usou (na Globo Filmes) nada mais foi que cópia do que havíamos feito aqui na TV Cultura, de 1996 até o ano 2000, com mais de 50 filmes. Eu fico até muito feliz porque serviu como parâmetro para estimular a produção de filmes brasileiros. Infelizmente a Cultura não desenvolveu mais esse projeto, mas agora queremos retomar, mas não em longas-metragens para cinema. Até poderemos, mas estamos buscando os telefilmes.


Existe uma maneira de a TV Cultura alavancar ou fortalecer a produção independente no mercado internacional?


Sem dúvidas. A TV Cultura tem uma marca, é uma TV premiada e reconhecida no mundo pelo seu padrão de qualidade, especialmente no que tange à programação infantil. O ‘Castelo Rá Tim Bum’, por exemplo, foi premiadíssimo no mundo todo.


Queremos abrir espaço para co-produções internacionais. Estaremos presentes nos eventos internacionais com a marca da TV Cultura e apoiados em vários produtores independentes que vão estar associados a nós.


A TV Cultura já anunciou um investimento em equipamentos. Em que situação se encontra o parque técnico da emissora e quanto deve ser investido em equipamentos e voltados a quais áreas?


Nós estamos com equipamentos absolutamente defasados. Temos equipamentos de 30 anos, obsoletos. Vamos ter que dar um salto tecnológico. Num primeiro momento nós estamos comprando equipamentos de digitalização, câmeras digitais, uma unidade móvel digital e todo o suporte tecnológico para produzir digitalmente. Todo esse equipamento exige um investimento grande, de aproximadamente US$ 5 milhões.


Além disso, tem os equipamentos para a digitalização do nosso acervo. Esses equipamentos já foram comprados e tomaram um investimento de cerca de R$ 4 milhões. Também tem a modernização dos equipamentos de transmissão das rádios, de maneira que permita que ela tenha um alcance maior, especialmente na rádio AM, mas na FM também.


O investimento na digitalização do acervo pode trazer um retorno, com o lançamento de novos produtos ou serviços baseados nesse conteúdo?


Nós lançamos uma unidade chamada Cultura Marcas, que trabalhou primeiramente na regularização de todos os direitos.


Já foi tudo regularizado e hoje começamos a lançar produtos baseados em nosso acervo. Temos acordo com duas gravadoras, a Trama e a Atração, que estão trabalhando com produtos nossos e vão se incumbir da distribuição, numa parceria com a TV Cultura. Lançamos no ano passado o melhor DVD do ano (na área musical), que foi o da Elis Regina (baseado no programa ‘Acervo’). Esse ano nós já lançamos um CD em comemoração aos 25 anos (do programa) da Inezita Barroso.


Temos ainda uma série de produtos vinculados aos programas da TV Cultura, ‘Cocoricó’, por exemplo, tem uma linha de produtos licenciados. Os outros programas infantis que lançaremos também vão estar vinculados a produtos licenciados.


Também há uma série de programas que têm uma procura enorme, como o ‘Universidade da Madrugada’. Esse material está sendo editado, prensado e será colocado em circulação. Teremos mais de 200 títulos à disposição do mercado, com um lançamento muito em breve.


Outra linha que teremos é na Internet. Abriremos um portal na Internet. Para isso estamos equipando a estrutura da televisão, ainda negociando com fornecedores a compra de armazenadores de dados. Mas muito em breve teremos um portal na Internet.


Esse portal será para trazer a interatividade à programação ou para disponibilizar o acervo?


Para mostrar o acervo e uma série de programas que têm conteúdo único e de altíssima qualidade. São programas que, muitas vezes, vão ao ar de madrugada, mas algumas pessoas preferem ver esses programas num horário mais adequado. A idéia é que isso esteja disponibilizado na Internet em qualquer horário, assim as pessoas terão a chance de fazer um streaming pela Internet de palestras e debates.


Há muito tempo que se debate a TV digital, mas mantendo-se na área tecnológica, deixando o modelo de negócios de lado. O senhor acredita que a TV educativa deveria ser umaárea de testes para um novo modelo e novos aplicativos?


Nós já nos oferecemos para ser a emissora de testes. O Ministério das Comunicações até agora não deu resposta sobre isso. Como somos (a TV Cultura) uma emissora sem fins lucrativos, aberta e em São Paulo, seria o lugar ideal para o governo poder testar os vários modelos.


E os investimentos em tecnologia já levam em consideração a migração para a TV digital no futuro?


Como ainda não sabemos qual é o padrão a ser implantado, a transmissão é ainda uma grande incógnita, um dos grandes problemas das redes de televisão. Mas os equipamentos que estamos comprando, qualquer que seja a tecnologia de transmissão, são adequados.


Há uma maneira de fortalecer a TV pública através de um modelo regulatório específico?


Eu vejo a TV pública como uma alternativa que o governo tem para oferecer acesso a produtos de qualidade de graça para a população, já que a rede pública existe no País todo e tem alcance como o de uma rede comercial. Quando vemos que uma criança fica quase cinco horas em frente à televisão, vemos que a TV pode ser um grande instrumento de ajuda na formação, de apoio à área educacional, na colocação de valores positivos.


Eu levei ao governo federal uma proposta para que nos ajudasse a financiar a produção da TV Rá Tim Bum, que seria levada ao ar também na TV aberta, com a proposta de que eu emitiria esses sinais absolutamente de graça para o Brasil inteiro. Os sinais seriam fornecidos para qualquer emissora que o governo federal elencasse, para que elas transmitissem isso para o Brasil todo. Essa proposta já está há algum tempo no governo federal, mas não recebi nenhum sinal deles. Eu vejo como um caminho positivo o governo federal abraçar essa tese.


Por outro lado, nós estamos fazendo junto ao Ministério da Cultura um serviço de divulgação e revelação de novos talentos através do Doc TV. Somos os operadores desse processo para o Ministério da Cultura. Fazemos oficinas no Brasil inteiro para elevar a qualidade das produções regionais. Acredito que, com isso, nós estamos propiciando o fortalecimento da produção regional no País, o surgimento de novos talentos e a possibilidade de dar uma programação de um bom nível para todo o Brasil.


Como concorrer pela audiência?


Eu vejo que hoje precisamos apoiar a produção de bons programas. A TV educativa luta com algumas dificuldades. Ela não apela ao sensacionalismo, à violência, à sensualidade. Ela trabalha com valores que dificultam chamar a atenção. Para que esses produtos chamem a atenção, eles precisam ser revestidos de uma altíssima qualidade. O que nós temos que tentar atingir? Qualidade para o público exigente de hoje, que tem padrão de qualidade e de referência nas emissoras comerciais. Elas podem apresentar programas de baixo nível, mas também de alto nível.


Hipoteticamente, se formos fazer um desenho animado, precisamos fazer um desenho que possa competir com os que são feitos lá fora, porque, senão, não teremos audiência. E aí você embute nesse projeto valores positivos, de cidadania, da brasilidade, trilha sonora brasileira, ensinamentos positivos. Através do entretenimento e da diversão, você vai educando os jovens.


O que vejo é que o governo federal deveria investir recursos nessa direção. É aí que eu sinto falta de uma política clara do governo federal.


Até este momento não tivemos nenhum apoio em relação a isso (financiamento da produção).


O Decreto 5.396, de 21 de março de 2005, autoriza as emissoras educativas, constituídas como organizações sociais, a receber recursos e veicular publicidade. É legal a comercialização de cotas de patrocínio que vem sendo realizada há anos pelas TVs educativas?


Existe uma grande confusão na questão da legislação, porque há um emaranhado jurídico. Se, de um lado, há muitos anos atrás existia uma lei que vedava a possibilidade das emissoras educativas buscarem recursos na iniciativa privada, por outro lado, a própria Lei Rouanet, ao estabelecer a possibilidade de buscar recursos através de mecanismos de incentivo, abre a possibilidade de ingresso de recursos de anunciantes. Há uma grande discussão sobre essa questão, já que uma lei revoga a outra. Então a TV Cultura, desde 1990, passou a veicular anúncios e patrocínios. Hoje a orientação jurídica que a TV Cultura vem adotando é a de que ela tem a possibilidade de captar recursos da iniciativa privada, desde 1994.


A Fundação Padre Anchieta deve se tornar uma organização social?


Não.


Como o mercado reagiu às mudanças na programação da TV Cultura?


Nós temos uma receptividade extremamente positiva. Quando nós assumimos, a televisão (TV Cultura) vivia uma crise muito grande, com uma situação financeira e administrativa muito delicada. Nós conseguimos colocar a casa em ordem. Hoje a TV Cultura não tem dívidas, ela está numa situação financeira equilibrada e tem um plano de investimentos. Enfim, hoje essa situação está equacionada. A partir daí, começamos a buscar caminhos para produzir. Voltamos a produzir em algumas áreas, com perspectivas de ter vários programas no ar em breve. Teremos nos próximos dias o programa ‘Silvia Poppovic’ (que estreou no dia 31 de março), vamos ter uma linha de concertos de música erudita, uma linha de teledramaturgia, uma linha de esportes, de música popular, com um festival de música popular brasileira. Enfim, a TV Cultura se abre para uma programação das mais variadas. Ela vai buscar a produção de desenhos animados e telefilmes. Ela está se colocando no mercado com uma programação absolutamente variada, do mais alto nível e da melhor qualidade. Eu acredito que vamos ter o retorno da audiência.


Um passo gigantesco foi dado recentemente. Foi um esforço que desenvolvemos, que foi fazer a TV Cultura voltar às antenas parabólicas.


Segundo alguns especialistas, nós temos 17 milhões de antenas parabólicas espalhadas pelo Brasil, e a TV Cultura estava fora desses pontos. Desde o dia 14 de março entramos nas antenas parabólicas.


Acredito que teremos uma receptividade muito boa em função da nova programação que vai estar no ar.’



Keila Jimenez


‘Emissora analisa atrações e luta para manter telespectador por mais tempo ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 28/04/05


‘Pesquisas, pesquisas e mais pesquisas. É assim que a TV Cultura pretende guiar boa parte dos novos passos na sua programação a partir deste ano. A rede pública acaba de criar um departamento de pesquisas que vai analisar as principais atrações da casa e os lançamentos.


‘Nossa idéia é acompanhar regularmente programas-chave do canal, como nossos noticiários, o Metrópolis e os teleteatros que vamos lançar’, fala a diretora desse novo departamento, Fátima Jordão, especialista no assunto. ‘Testaremos também a possibilidade de novos programas, como estamos testando agora modelos de atrações futuras para o público jovem. Fizemos isso na criação do programa de Silvia Poppovic.’


Foi justamente esse estudo, realizado em dezembro, uma das primeiras missões do Departamento de Pesquisa da Cultura. O resultado, que foi decisivo na contratação de Poppovic pela emissora, mostrou dados curiosos que estão ajudando a Cultura a nortear suas decisões. A emissora realizou quatro grupos de discussões que debateram sobre a programação do canal: duas equipes de mulheres e duas de homens, com idades entre 35 e 45 anos. O resultado desses debates mostra que, apesar de considerarem a Cultura uma emissora ética, confiável e inteligente, o público permanece pouco tempo preso à sua programação, seus programas não são vistos em família e, na opinião dos entrevistados, a grade do canal é muito segmentada, não tem continuidade.


O ritmo lento das atrações e o fato de os apresentadores serem desconhecidos do grande público também foram apontados como fatores fragilizadores do canal. Resumindo: a emissora é bem conceituada, mas essa admiração não se traduz em audiência.


‘É claro que não vamos deixar nossos princípios éticos e de qualidade por causa das pesquisas, mas elas ajudarão nossas equipes de marketing e da programação a encontrar o melhor caminho’, explica Fátima. ‘O importante é olhar para os dados é ver que, no fim de um dia, 32% dos domicílios com TV em São Paulo passaram pelo Cultura; no de um mês, esse número pula para 72% das casas. É um dado importante e é nele que temos de nos concentrar.’’