JORNAL DE NOTÍCIAS
"À falta de melhor que se respeite Direito de Resposta", copyright Jornal de Notícias, 24/11/02
"Rui Mendes e Silva deixou, há anos, o ensino universitário mas, a par de uma nova actividade profissional, mantém o interesse pela investigação na área da Comunicação Social. Por isso, frequenta seminários e congressos em que estejam em foco os ?media? e os seus problemas. ?Foram esses encontros que me deram força para consolidar a decisão de abandonar o meio académico, onde o narcisismo e a competição combatem a lucidez e o pragmatismo?, confessa Rui Mendes e Silva, que receia que a ?invasão professoral? das realizações dos jornalistas lhes roube primeiro impacto e, por fim, interesse. A Mendes e Silva interessa, particularmente, o tema da defesa dos consumidores de ?media? e, nomeadamente, o estudo dos instrumentos de protecção dos cidadãos face às agressões da comunicação social. Razão por que se tornou também leitor, pela ?net?, das colunas dos provedores ibéricos. E não só.
Ora, dos debates e da consulta desta página nasceu a necessidade de escrever ao Provedor, para dizer-lhe frontalmente: ?Bem prega frei Tomás!?. O motivo da reacção é o confronto entre afirmações publicamente reiteradas pelo Provedor sobre o instituto do ?Direito de Resposta? e a prática recente da exposição desse exercício legítimo e legitimado pela Lei de Imprensa nas páginas do JN. Precisa Rui Mendes e Silva:
?Ouvi-o pelo menos duas vezes contestar a acção da Alta Autoridade para a Comunicação Social e do antecessor Conselho de Imprensa, dada a incapacidade de ambos de fazer respeitar a letra e o espírito da lei em termos do ?Direito de Resposta?. De facto, sempre consentiram no desrespeito sistemático, continuado, nomeadamente de semanários que todos conhecem.
Também concordei quando, na sua coluna, abordou o tema, inclusivamente demonstrando (…) a ineficácia desse mesmo ?Direito de Resposta?. Só que, ao abrir o seu jornal (edição de 8 do presente mês) na página 19, fiquei siderado: o JN só não atirava a resposta para a secção das ?Cartas ao Director?, pelo menos por enquanto, mas, de resto, seguia o que de pior se faz no espezinhamento da Lei?
Mendes e Silva aludia, concretamente, a uma resposta da Associação dos Deficientes das Forças Armadas a um texto subordinado ao título ?Ex-combatentes desiludidos?, publicada em ?Sociedade?. E tem, de facto, razão quando refere o desrespeito pela Lei de Imprensa. O Provedor dirá mesmo que na transcrição das posições da Associação dos Deficientes das Forças Armadas saem feridos a letra e o espírito da lei (mais este do que aquela) e a tradição do ?Jornal de Notícias?.
Vejamos o que diz a Lei 2/99, de 13 de Janeiro, no n? 3 do seu art? 26?: ?A publicação é gratuita e feita na mesma secção, com o mesmo relevo e apresentação do escrito ou imagem que tiver provocado a resposta ou rectificação, de uma só vez, sem interpolações nem interrupções, devendo ser precedida da indicação de que se trata de direito de resposta ou rectificação?.
Num trabalho com as características do que é contestado é difícil cumprir com rigor formal o que a lei determina. Até porque se trata de um conjunto de peças jornalísticas que convergem num mesmo tema, ao longo de duas páginas contíguas, e as afirmações esclarecidas ocupam, apenas, duas dessas peças. Não será, pois, de esperar que a resposta mereça um título a 9 colunas – exactamente a dimensão do título que alberga todo o trabalho. A verdade, porém, é que se o bom senso e a proporcionalidade permitem uma redução no destaque da resposta, já não consentem na perda de dignidade e de visibilidade dessa mesma resposta.
Não diz a lei, taxativamente, que o escrito rectificativo deve ter um título, ficando-se pela imposição do antetítulo com a ?indicação de que se trata de direito de resposta ou rectificação?. Mas a verdade é que o título compõe ?o mesmo relevo e apresentação? que a legislação tipifica. E uma fotografia, também ela proporcional, acrescentaria algum rigor na observação do mesmo relevo e da mesma apresentação.
Mas não: nem título, nem foto. Nem a mesma secção. O trabalho sobre o descontentamento de ex-combatentes mereceu honras de abertura da edição, na secção ?Em foco? (2? e 3? páginas), enquanto que a resposta foi remetida para ?Sociedade? – mais de uma dúzia de páginas depois! Falou-se de que, para além de não ter sido respeitada a lei, foi violada a tradição JN. E isso corresponde, de certa maneira, à quebra de um acordo tácito entre o jornal e os seus leitores, que se habituaram, ao longo de muitos anos, a verem leal e claramente, entre comas, reproduzido na resposta o título do escrito que lhe deu origem. E se, em algumas circunstâncias, as dimensões não corresponderam, tal diferença foi conjuntural, ditada pelo escasso suporte do escrito e, assim, pelo bom senso e pelo bom gosto. Ainda em relação à resposta alvo da reclamação do leitor, merece igualmente censura o corpo da letra em que a mesma foi impressa – também ele uma violação do dever de manter o relevo e apresentação do texto original e, mais grave ainda, uma falta de respeito pelos leitores que foram incapazes de ler caracteres tão minúsculos.
Não acredita o Provedor no propósito de tornar a resposta acessível a um menor número de pessoas, mas admite que muitos o possam ter pensado!
Aliás, o ?figurino? da resposta normalmente remetida para rodapé (fundo de página), sem título e apenas com o antetítulo ?Direito de resposta? em negativo, vinha vingando há já algum tempo no jornal. Porém, a Direcção era alheia à determinação do novo modelo, como José Leite Pereira, director adjunto, informou o Provedor.
?Não só não demos instruções nesse sentido como não nos foi pedida opinião sobre a medida inovadora. Mas vamos, naturalmente, repôr a normalidade.? De facto, na edição de quarta-feira passada, dia 20, na secção de ?Grande Porto?, saía uma rectificação a uma notícia, já nos carris dos trâmites tradicionais. Faltaram as comas a indicar que se tratava de uma repetição.
Não estava lá o antetítulo a mostrar a natureza de resposta ou de rectificação. Mas a dimensão do título falava bem do profissionalismo de quem admite que o jornal possa ter errado e de quem sente que, mais do que cumprir um dever, está a prestigiar o JN.
Esse é, aliás, o cerne do problema.
É difícil ao jornalista avaliar as repercussões dos seus erros -próprios ou aqueles em que outros o induziram. Mas, em contrapartida, é-lhe fácil repor a verdade – ainda que essa possa ser a verdade de terceiros, muitas vezes impossível de comprovar. Mas, em compensação, fácil de atribuir. Quem se esforça por corrigir uma falha só se prestigia como profissional, como cidadão e como ser humano.
Só os deuses não erram – e os deuses não escrevem nos jornais. O Direito de Resposta não é, como o Provedor vem defendendo, o melhor caminho para a reparação da verdade. Porque, repito-me, é impossível garantir que o universo de quem lê a resposta e de quem leu a ofensa é o mesmo. Haverá sempre uma quantidade substancial de leitores a quem não chega a defesa do atingido, e outra, que vendo só a resposta, por ela ficou a saber da ofensa e nessa ofensa vai acreditar, por dar mais credibilidade aos jornalistas.
O mecanismo legal não é perfeito? Pois não, mas, à falta de melhor, que se cumpra o que a lei determina!"