JORNAL DE NOTÍCIAS
“Sem hábitos de leitura nem jornais escapam ao mau Português”, copyright Jornal de Notícias, 2/2/03
“Professor de Português, Henrique Dias Gracindo, de Lisboa, faz, na carta que endereça ao Provedor, uma profunda reflexão sobre a forma como a língua de tantos milhões, um pouco por todo o Mundo, é hoje aviltada mais na sua pátria, Portugal, do que propriamente nas comunidades que a tomaram por sua.
Reconhecendo a inevitabilidade das mutações linguísticas, algumas delas enriquecedoras (?agradeçamos e enlevemo-nos com a doçura e a mais valia dos falares brasileiros, carioca ou baiano?), não tolera a adulteração ?acelerada pelas tecnologias e sem a correcção que só a leitura poderia promover? — situação que considera de tal forma epidémica que, em sua opinião, ?já afectou os meios de comunicação: começou pela televisão e agora está nos jornais, onde é muito mais perniciosa porque fica registada e prolonga os seus efeitos?.
Diz o leitor de Lisboa que começou a ler o JN quando ele passou a mostrar-se em terras do sul. Mas a esperança dos primeiros meses, de estar perante uma publicação diferente desvaneceu-se com ?a falta de cuidado que acaba por fazer do jornal uma péssima cartilha ortográfica e sintáctica?. Segundo Dias Gracindo, tornar-se leitor (?não diário mas muito frequente?) coincidiu com o dia em que o Provedor, numa das suas colunas, abordou o tema da qualidade da escrita, lembrando o tempo em que muita gente aprendia a ler nas páginas do jornal. Ora isso constituiu, em sua opinião, mais uma parcela de esperança que, infelizmente, se esfumou com o tempo.
Não entende Dias Gracindo como é possível que jornalistas ?com a acrescida responsabilidade de uma profissão credibilizada, tida como culta, produz sistematicamente erros que só a desprestigiam?. E o leitor termina o seu desabafo com uma considerável dose de pessimismo:
?É um caminho sem retorno e sem esperança. A quem podemos nós recorrer a pedir um alerta nacional para a agonia da Língua Portuguesa, se são os ?media? os primeiros a dar erros de palmatória e a instilar, nos portugueses, a ideia de que, desde que faça algum sentido, uma frase pode escrever-se de qualquer maneira??
Não deixa de ser perturbador que parta de um professor de Português esta verdadeira manifestação de desespero perante a situação que a Língua Portuguesa enfrenta. Porque, de facto, bem mais grave do que o erro é a sua consciente despenalização por quem utiliza, na comunicação, qualquer que ela seja, um código sem preocupações de rigor ou estéticas. É a prevalência do conteúdo sobre a forma, na premência de transmitir informação e conhecimentos com uma economia de meios que abrange mesmo a preocupação e o esforço de uma oralidade ou de uma escrita correctas.
A verdade é que, nas outras nações em que houve também uma enorme adesão dos jovens às novas tecnologias, não se sente um alarmismo sobre os atropelos às línguas-pátrias como aquele que começa a viver-se em Portugal. E também por lá se abrevia e se mutila quando se utilizam ?chats? e ?msn?. O que aqui se adivinha como código de substituição, além fronteiras é, tão-somente, um código paralelo.
A explicação não me parece difícil: basta fazer uma viagem nos metropolitanos de Londres, de Paris ou de Amsterdão para vermos sentados nos bancos ou sobre bagagens, e mesmo de pé, no instável equilíbrio da alta velocidade, rapazes e raparigas que não despegam os olhos dos livros mais diversos, que vão da ficção ao ensaio ou à poesia.
Em Portugal, há duas gerações que se vêm perdendo o gosto e os hábitos de leitura!
Por culpa dos jornalistas?
Não me parece, de facto, que os jornalistas sejam os mais responsáveis, se é que pode atribuir-se-lhes alguma responsabilidades. Os jornalistas são, também alguns deles, vítimas de um ensino que tarda em encontrar um rumo e que, entretanto, continua a forjar gerações que não lêem, e que encolhem os ombros quando se lhes apontam erros de uma sintaxe caprichosamente ignorada ou de uma ortografia barbaramente atraiçoada.
Os jornalistas (talvez melhor dizendo o jornalismo português), sentiram ainda os reflexos da História, que os levou a preterir a qualidade da escrita em favor da verdade durante meio século aprisionada nos diques da ditadura. Foi preciso dizer muito, o mais possível e, na necessidade de encontrar quem desvendasse os caminhos do futuro mais do que quem procurasse no passado as razões para o atraso e para o isolamento de uma nação, não se cuidou do estilo…
Não se acautelou a forma em Abril, depois, talvez se tenha pensado que já não era prioritário…
Entenda-se que nos tempos da Censura, quando as notícias, de tão filtradas, se tornavam escassas e desinteressantes, muitos jornais valiam, de facto, pela qualidade da sua escrita.
Primeiro nos EUA e depois em quase todo o mundo ocidental, estudavam-se, ainda na primeira metade do século XX, as novas formas do estilo jornalístico ( o ?lead?, a pirâmide invertida, etc). Era a necessidade de responder a um jornalismo factual, numa altura em que as tecnologias das comunicações davam passos importantes (o telégrafo, o telefone, o telex multiplicavam para volumes nunca sonhados os caudais das notícias).
Em Portugal, nessa mesma altura, usava-se ainda, para as notícias, o ?nariz de cera? (entrada rebuscada, preambular, preparatória, algumas vezes moralona). E quando com os cravos explodiu a liberdade, o estilo ?pára-choques? não comportava, não acompanhava, era uma aberração perante todas as verdades que era preciso gritar aos quatro ventos.
Os quase 30 anos que desde então passaram têm sido de um longo aprendizado. Talvez demasiado longo, inseguro, mal cuidado. Mas também hoje, sr. professor de Português, não há já crianças que aprendam a ler nos jornais (felizmente!). E não queiramos transferir para os ?media? as responsabilidades da escola.
Chamar a atenção para o ?estado da Nação?? Claro que sim, essa é uma obrigação dos jornalistas. E não perde eficácia com alguns vícios de forma.
Nuturalmente que os erros são lamentáveis. Os jornais não souberam, ainda, recompor-se da falta dessa importante classe dos revisores, imolados à competição e à urgência do fecho das edições.
Ainda hoje essa pressa ?justifica? alguns erros injustificáveis.
Mas também é verdade que rever um texto exige qualidades específicas que nem todos possuem. Tenho conhecido, ao longa da vida, punhados de bons jornalistas e de excelentes escritores com uma incapacidade enorme de reler um escrito seu, conseguindo detectar erros e gralhas.
Admitamos, porém, que alguns erros (demasiados) que enfrentamos diariamente nos jornais estão longe de ter por causa o engano fortuito, o pouco cuidado ou as reduzidas capacidades de revisão.”