JORNAL DE NOTÍCIAS
"Tantas guerras à volta da guerra…", copyright Jornal de Notícias, 2/3/03
"O debate não pode servir, apenas, àqueles que sentem que estão a ganhá-lo! Adalberto Ribeiro Gomes é o primeiro de 11 subscritores de uma carta endereçada ao Provedor, em que o JN é acusado de ?enfileirar na onda esquerdelha dos que se escondem nas manifestações a favor da paz, para dar livre curso a um anti-americanismo primário, que serve como uma luva ao terrorismo internacional e aos seus controleiros Saddam e Bin Laden?.
O grupo, de Braga, assume-se como um núcleo a quem ?a memória da História não consente a ingratidão e a injustiça com um povo que deu à Europa a democracia e a recuperação económica depois de duas guerras?. E porque pensa que a ingratidão é o menos desculpável dos defeitos do Homem, entende que os ?media?, todos os ?media?, têm como dever juntar-se à cruzada de George W. Bush contra o inimigo do Ocidente.
Os onze de Braga consideram, mesmo, que existe no Velho Continente uma conspiração pró-árabe, que há muito se manifesta nas posições públicas a favor da causa Palestiniana, e acham que as televisões e os jornais se tornaram, de meros veículos de um bem elaborado golpe internacional, em ?entusiásticos discípulos dos agitadores?.
Analisando o que se passa em Portugal, o grupo não tem dúvidas de que se assiste a ?uma verdadeira escalada demagógica?, de que são culpados ?os vários governos, sejam eles de direita ou de esquerda?. E o poder político, segundo afirmam, ?deve ser responsabilizado e penalizado? porque consentirá na persistência, ?desde os tempos da nacionalização da comunicação social?, de ?um jornalismo marxista? , de campanha.
Não cabendo, embora, ao Provedor, a análise do que se passa para além das fronteiras dos conteúdos do ?Jornal de Notícias?, não pode deixar de chamar-se a atenção para a generalizada injustiça dos subscritores de tão vibrante crítica. Tem havido, de facto, da parte dos ?media? de grande informação, uma notória e notável manifestação de equilíbrio, quer na produção de noticiário, quer na promoção de debates que, participados por personalidades que sobre o assunto defendem os mais diversos posicionamentos, têm, decerto, ajudado à formação de uma opinião pública mais responsável, porque mais informada.
O confronto de ideias vem sendo, inclusivamente, nas televisões, acompanhado por amostragens de opinião, que revelam um crescente interesse do público em geral por um tema que, mesmo que os senhores da guerra venham a perder a batalha das intenções de um ataque ao Iraque, a todos já afecta há muito, pela instabilidade económica que vem produzindo no mundo inteiro — com a sua cadeia de consequências.
No capítulo dos jornais, é clara a abertura das suas páginas a uma enorme diversidade de ideias, recolhidas em entrevistas e manifestadas nas colunas de opinião.
O JN, por exemplo, mantém nas suas páginas colaboradores dos mais diversos quadrantes ideológicos, que vêm livremente expressando a sua postura sobre o dilema que, de momento, apaixona e divide o mundo.
E as matemáticas que pretendem, tão-somente, apontar um dedo acusatório para sustentar uma teoria preconcebida são abusivas e sustentadas por uma falta de distanciamento de pessoas que, embora com boa-fé, são incapazes de uma avaliação desapaixonada, imparcial.
Os sentimentos exacerbados, qualquer que seja o seu sinal, acabam, muitas vezes por servir interesses de que os idealismos não são mais do que instrumentos.
O Provedor não dá razão aos onze leitores de Braga, não partilha da análise que sustentam numa convicção, decerto sincera, mas ferida de parcialidade.
Nos Estados Unidos da América do Norte são poucos os cidadãos que acreditam que existem, ainda, posibilidades de evitar a invasão. E o debate em volta das opções possíveis não tem, naturalmente, nem o entusiasmo nem a força que assume nos outros continentes. Exactamente como no país em que a Bíblia situa o Paraíso, tido por berço do inventor da roda e da escrita: o Iraque.
Nos americanos está ainda bem aberta a ferida do 11 de Setembro, que tudo justifica, e que suporta o adiamento da dor e da incerteza entre as famílias de centena e meia de milhar de jovens que aguarda, nas areias do Golfo, a ordem de Bush.
O ataque às torres gémeas levou ao país um sentimento novo e sempre repudiado: o da vulnerabilidade.
Os iraquianos serão, inevitavelmente, vítimas a dobrar: de um ditador desumano, e de um invasor em nome da democracia ocidental.
A nós, europeus, também embrulhados nos interesses do ouro negro e já a braços com uma crise que, dia após dia, se põe em bicos de pés, ainda sobra distância para análises e para posicionamentos que, se não vão servir para evitar o massacre de tantos inocentes, podem ajudar a moldar um mundo que, amanhã, rejeite os poderes hegemónicos e as vontades absolutas em nome de todas as liberdades.
Por isso, é importante o papel dos media, na proporção e no suporte do debate que dê ao mundo uma dimensão mais consciencializada e mais solidária.
Nos EUA, a comunicação social acabou, recentemente, por ganhar uma guerra que, ainda que não socialmente consciencializava, durava há mais de três décadas.
Com a célebre ofensiva do Tet, relatada com o realismo que, pela primeira vez, a Televisão proporcionava, a opinião pública norte-americana pressionou a Administração a uma retirada humilhante do Vietname. Os Governos americanos, a partir daí, não permitiram que equipas de reportagem acompanhassem as tropas em operações. Foi assim em Granada, no Panamá, e no Golfo, em 1991.
Logo nos dias que se sucederam ao 11 de Setembro, os ?media? de várias partes do mundo, nomeadamente os franceses, denunciaram primeira uma intrincada rede de censura montada pela Casa Branca, e depois uma central de contra-informação ligada aos serviços secretos, e destinada a fornecer a comunicação social estrangeira.
Depois, com a operação Afeganistão, os jornalistas limitaram-se a a acompanhar as forças rebeldes do Norte e a fazer reportagem nos campos de refugiados, nomeadamente no Paquistão.
Porém, a previsão primeiro e depois a certeza do ataque ao Iraque acabaria, no entanto, por promover a força reivindicativa da opinião pública e dos seus suportes, os ?media?. Exigiam poder acompanhar as forças aliadas e, em caso de guerra, mostrar o desenvolvimento de um conflito que irá, inevitavelmente, concentrar as atenções do mundo inteiro. Ainda que cumprindo as inevitáveis regras de protecção de segredos militares.
A Administração Bush acabaria por consentir no regresso dos repórteres aos campos de batalha e, em Novembro findo, jornalistas de vários países, começaram a receber treinamento junto das tropas. Muitos estão, já, no Golfo, à espera da hora H.
Cada equipa de reportagem vai, necessariamente, ter a sua visão do conflito. Mas é a possibilidade de termos acesso a relatos plurais que enriquece a nossa visão do mundo e que nos prepara para nele intervir, tornando-o melhor.
Evitando futuras guerras, já que a invasão do Iraque parece imparável, com todas as possíveis consequências na credibilidade dos estados e das instituições internacionais."