Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Antes de serem História ?verdades? serão notícias", copyright Jornal de Notícias, 13/4/03

"Devem os jornalistas preocupar-se mais em adivinhar intenções ocultas do que com factos?

Sempre que um tema concentra (em destaque, em espaço e no tempo durante o qual é noticiado) o interesse dos ?media?, surgem as inevitáveis vozes que falam de excessos… em detrimento do esquecimento a que acabam por ser votados assuntos que, na opinião de quem reclama, têm até maior importância social e política.

Acontece assim com acontecimentos desportivos (o futebol, a Volta a Portugal e, ciclicamente, até o ténis, são frequentemente acusados de retirar o lugar devido às modalidades amadoras). Repetem-se as reacções aquando de grandes manifestações religiosas, como uma visita papal ou o ?13 de Maio? em Fátima .

E nem a política escapa aos protestos dos que, nos períodos que precedem as eleições, falam de saturação e dos poucos méritos dos políticos que não justificam tão grande alarido informativo.

Durante muitos anos apontou-se o dedo, acusatoriamente, ao Futebol, a Fátima e ao Fado. Diziam-nos os anestésicos de um povo que, saciado com os ?três éfes?, já não se preocupava em lutar pela Democracia.

Hoje, quase três décadas depois de restauradas as liberdades, bem aceites são os espectáculos públicos da vida privada e a publicitação de outras tantas preocupantes fórmulas de sucesso fácil. Mais, muito mais do que o noticiário de uma guerra que, para além das suas atrocidades, levanta questões fundamentais para o amanhã do mundo inteiro ? da credibilidade das instituições internacionais à auto-imposição dos EUA como potência hegemónica e legitimadora de realidades com perigos incomensuráveis como são as guerras preventivas.

As expressões de saturação dos leitores começaram a chegar ao Provedor sensivelmente aos 15 dias de invasão do Iraque, e foram trazidas a esta página na última semana. Agora, ocupada que foi Bagdad pelas forças da coligação , elas cresceram de volume e de tom.

É como se o público quisesse abandonar um filme medíocre cujo desfecho já não traz surpresas, ou sair do estádio para não ver a sua equipa sofrer mais um golo.

Paulo Reiga Alves, de Lisboa, considera a invasão do berço da nossa civilização como ?uma torpe iniquidade que não merece o relevo que está a dar-lhe toda a comunicação social?. Para o leitor, esta guerra ?injusta e desigual? não passa de ?uma cortina de fumo para desviar as atenções para as negociatas da família Bush e ainda as dos seus mais próximos colaboradores: as que têm feito, ilegalmente, nos próprios EUA, e as que se preparam para fazer no Iraque.?

José Vicente Silva, do Barreiro, partilha posição idêntica, e pergunta: ?Se os ‘media’ não estivessem todos muito ocupados com o Iraque, acha que Fidel Castro se atrevia a fazer esta investida de repressão contra os que se atreveram a sonhar com uma Cuba a caminho da democracia??

José Silva, para exemplificar até que ponto o JN se deixou ?entusiasmar em excesso? com a guerra, evoca a edição da passada quinta-feira em que a página ?Mundo? continha, apenas, três notícias. E pergunta: ?Será que, em todo o mundo, não havia mais notícias relevantes??

Não diz o leitor que uma dessas notícias incidia, justamente, sobre a repressão em Cuba ? a que o JN vem dando destaque.

Há, claramente, duas questões em jogo: uma delas a da selecção da avalancha de notícias que, diariamente, chegam a uma redacção. Ela é feita por critérios jornalísticos que têm a ver, exclusivamente, com o interesse público. E a verdade é que a consulta dos diversos ?media? não mostra, em Portugal, uma grande divergência de critérios.

A outra questão tem a ver com os verdadeiros objectivos da guerra e com o seu aproveitamento por terceiros.

Os jornalistas trabalham com factos e deixam a análise e as conjecturas aos especialistas e aos leitores. Porque a verdade será dada pelas verdades da História, que hoje se escreve mais célere.

Antes que sejam História, porém, todas essas ?verdades? serão notícias!

Carlos Aires, do Porto, lamenta a constante utilização no JN do brasileirismo ?estória? ou ?estórias? (vide ediçãode quinta-feira, notícia da edição do livro que comemora 85 anos do OUP.

Tem razão o leitor. De facto, os brasileiros utilizam ?estória? com o significado de narrativa, conto. Para distinguir de História, como quem separa os factos da ficção. Aliás como faz o Inglês com ?story? e ?History?. Em boa verdade, a palavra não existe em Português (não consta do Dicionãrio da Academia das Ciências, publicado pela Verbo em 2001).

Na primeira semana de Março, diversos leitores escreveram ao Provedor tomando posição sobre a notícia publicada a 2 desse mês, que ocupava toda uma página com a informação de que a PJ investigava suspeitas de corrupção na Câmara de Gaia. Outros estranhavam que o JN não tivesse reagido à resposta que Luís Filipe Meneses fez publicar, em que afirmava, claramente, que o JN mentira.

(Recorde-se que, entretanto, o JN publicou notícia de que a Procuradoria Geral da República desmentia a existência de qualquer investigação na Câmara em causa.)

A maior parte das posições referidas eram, claramente, fruto de paixões partidárias. Porém, Aníbal Fonte, de Viana do Castelo; Graça Cunha, do Porto; e F. Alberto Martins, de S. João da Madeira, citaram, com alguma razão, o adágio que diz que ?Quem cala consente? a propósito do silêncio do jornal.

O pedido expresso de desculpas apresentado pela Direcção na edição de ontem responde, decerto, aos leitores. Claramente.

O Provedor trará, eventualmente, a esta página a versão da jornalista autora da notícia ? solicitada por escrito a 11 de Março e ainda não recebida, decorrido um mês."