JORNAL DE NOTÍCIAS
"Leitores mais exigentes melhoram a informação", copyright Jornal de Notícias, 4/5/03
"No ciclo dos ?media?, qualidade aumenta na razão directa de uma crescente exigência do leitor.
A função de Provedor é um observatório privilegiado da evolução da qualidade dos consumidores de comunicação social e, por consequência, da transformação dos ?media?. Pode, mesmo, afirmar-se, por extrapolação, que a Provedoria, na comunicação social, acaba por consentir uma permanente e alargada análise – certo como é que o universo dos espectadores de televisão, dos ouvintes de telefonia e dos leitores da imprensa é inultrapassável amostra de qualquer sociedade.
É, assim, possível ao Provedor constatar um considerável aumento do grau de exigência dos leitores de jornais em geral e do JN em particular – o que consente a esperança de que, em correspondência à qualidade da procura, se verifique uma constante e assinalável melhoria dos atributos das publicações.
As reclamações que o Provedor hoje recebe não se fixam, apenas, na crítica factual, nos desvios à técnica jornalística, na falta de equidis- tância, no desrespeito pelo contraditório.
As questões éticas e deontológicas são, a cada semana, mais questionadas – algumas vezes com rigor excessivo. E não faltam, já hoje, as chamadas de atenção para a função social (pedagógica e cívica) do jornalismo.
Aconteceu na semana finda, a propósito de um artigo sobre alucinogéneos. Volta a ser tema nesta página, e tem como origem a manchete da passada segunda-feira- mais do que a própria notícia que lhe deu origem, que abriu o ?Grande Porto?.
O objectivo era informar que a burocracia (incapacidade de acesso à base de dados com os nomes dos proprietários dos veículos) estava a atrasar o processamento das multas aos infractores do limite de velocidade fixado para a Via de Cintura Interna – limite vigiado por um sofisticado e oneroso sistema de radares.
Ora, dizia-se no principal e mais forte título da Primeira Página: ?Radares da VCI ainda não multam?. Dois pós-títulos não serviam para esclarecer quem tivesse dúvidas sobre o verdadeiro sentido da manchete.
Os protestos não se fizeram esperar (Cândido Garrido e António Santos, ambos do Porto; e Maria Eugénia F. Silva, de Gaia), e, de uma maneira geral, todos apontavam o título como um implícito ?convite aos aceleras para aproveitarem, enquanto podem, e continuar a desrespeitar a lei e a provocar desastres?.
Destaque-se, todavia, a preocupação de cada um dos leitores em recordar ao ?Jornal de Notícias? a sua função social de vigilância e de educação cívica, que deverá resultar em acção pedagógica que vá muito além da informação pura, para se situar mais no domínio das consequências dessa mesma informação.
António Santos fala na ?falta de reflexão? de quem construiu o título que ?não teve a capacidade de prever que muitos, mas muitos leitores do JN, daqueles que quase só se ficam pelos títulos, veriam naquela frase um verdadeiro convite ao desrespeito pela velocidade máxima que em boa hora decidiram fixar para uma estrada onde os acidentes são uma praga diária.?.
Maria Eugénia Silva foi mais longe considerando que, ?com a força que o vosso jornal tem nesta região, o título da Primeira Página é verdadeiramente criminoso. Eu sei que quem ler a notícia que vem dentro, com cuidado, percebe que o que se passa é só que a cobrança das multas está a ser atrasada pelo Governo. Mas quantos lêem as notícias com atenção??.
Cândido Garrido não tem pejo em confessar que foi dos que leram só o título da ?Primeira? e ficou convencido que, pelo menos durante uns dias, podia andar naquela estrada sem estar preocupado com os radares. Em conversa, no escritório, é que lhe disseram que não era assim, e só então foi ler a notícia com atenção.
Têm razão os leitores com as considerações que tecem sobre a quantidade não menosprezável daqueles que, numa primeira leitura, se ficam pelos títulos e com as ideias que estes lhes incutiram – muitas vezes sem ocasião de cumprirem o propósito de ler a notícia no seu todo . Os jornalistas são conscientes dessa realidade, o que representa uma responsabilidade acrescida para quem tem a responsabilidade de construir títulos que cumpram a dupla função de serem atractivos, estimulantes da compra e da leitura do jornal, e de não atraiçoarem a realidade da notícia a que dizem respeito. O que nem sempre é conseguido…
Aliás, como refere o Conselho de Redacção:
? Não está na tradição do JN nem é da índole dos seus jornalistas estimular, ainda que por via indirecta, a violação das leis e incentivar práticas que ponham em causa a segurança colectiva, designadamente nas estradas.
? No exercício quotidiano do jornalismo, alguns títulos, entre muitos milhões já produzidos na longa vida do JN, podem não ser suficientemente bem conseguidos, a ponto de induzir, nalguns leitores, conclusões que se não pretendiam.
? O facto de uma manchete e de uma notícia denunciarem a ineficácia – ainda que transitória – de uma norma ou de um equipamento não deve ser interpretado como incentivo aos leitores para que os desrespeitem.?
O título era, sem dúvida, susceptível de diversas interpretações. Que, aliás, notícias publicadas dois dias depois (páginas 29 e 30 da edição de quarta-feira) logo desfizeram!
Não houve reincidência
Na página do passado domingo, referiram-se as críticas de três leitores à forma como, na edição de 11 de Abril, foi abordado o tema dos ?cogumelos mágicos?, um alucinogéneo cujo tráfico e consumo (também!) estão na mira das autoridades.
Consideravam os leitores que, longe de ter exercido uma função pedagógica, de alerta para os perigos que essa droga representa, o JN terá acabado por prestar o mau serviço de, com uma informação demasiado completa, ter instruído os potenciais consumidores sobre onde e como podem obter o estupefaciente.
Entre esses leitores, Ana Paula de Almeida verberava a circunstância de se estar perante uma inadmissível reincidência, já que, em correspondência a uma reclamação sua, o Provedor abordara o mesmíssimo assunto na página de 17 de Novembro de 2001.
Era verdade (controlou-o o Provedor, recorrendo ao arquivo das suas páginas): o mesmo tema, a mesma leitora com idêntica queixa. Mas não era exacto que, tal como Ana Paula de Almeida garantiu, tivesse sido a mesma jornalista a escrever sobre os ?cogumelos mágicos? – em 2001 e cerca de ano e meio volvido.
Errou a leitora e errou o Provedor que, em relação ao caso mais recente, releu a notícia, mas que, no que respeita a 2001, se limitou a conferir, na sua análise então publicada , o assunto e o nome da leitora queixosa. Na página do Provedor não era mencionado o nome da jornalista pela simples razão de que, aqui, e por critério meramente pessoal, nunca se identificam os autores das notícias criticadas.
Do erro pede o Provedor desculpa aos leitores. E às duas colegas.
Não coincidindo o autor, a falta tem menor gravidade a nível da escrita. Porque aqui não houve reincidência.
Mas continua a ser um erro, que, no patamar do controlo da hierarquia da Redacção, apresenta o grau assinalado no domingo passado."