Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Memória é selectiva e nem sempre conveniente", copyright Jornal de Notícias, 28/9/03

"Não memorizamos tudo o que queremos, nem seremos lembrados por aquilo que mais nos nobilita

Dizer que a memória dos homens é curta, mais do que um lugar-comum, representa uma implícita censura social, quase sempre associada a um caso concreto de julgamento público afastado dos nossos parâmetros.

Pessoais.

Acaba, no fundo, por ser a formulação de um escape, cuja inconsistência ressalta, desde logo, de que a memória colectiva não é mais do que um somatório de memórias individuais ? com as mesmas virtudes e os mesmos defeitos exponenciados pela psicologia das multidões.

A memória de cada um de nós é, de facto, selectiva, comandada quase sempre pelo inconsciente e pelo subconsciente, mas programada por interesses que nos escapam no momento da retenção. Não recordamos aquilo que, algumas vezes, mais gostaríamos de ter fixado, e, com frequência arreliadora são furtados ao nosso discurso ideias e factos que sabemos solidamente arquivados na memória.

Todos constatamos, igualmente, que os homens são mais vezes recordados na sua perspectiva mais negativa, perdendo relevância a outra face de uma mesma realidade.

Decerto que Roberto A. Santos, do Barreiro concordará com este preâmbulo que tenta intruduzir a opinião que pede ao Provedor sobre ?o descaminho do jornalismo português?, depois de longas considerações sobre alguns dos casos que, desde há longos meses, vêm monopolizando os ?media? portugueses: do escândalo que envolve educandos da Casa Pia e figuras públicas nacionais, ao ?Big Brother? e à vaga de incêndios florestais, passando pela tragédia de Entre-os-Rios e pelo ?Bombástico? (que muitos portugueses, decerto, já nem recordam!)

Como diz o leitor do Barreiro, os abusos sexuais de menores arrastam-se desde há séculos. Ou milénios. Vistos ao longo dos tempos e das culturas de formas diversas, fazendo, em algumas latitudes, parte da socialmente aceite iniciação sexual dos jovens. O argumento da História não pode, porém, servir para promover, aqui e agora, um abrandamento da repulsa social e da execução da Lei.

Começou, recentemente, a vislumbrar-se o tamanho do ?iceberg?, de que os ?ballets rose e blues? de Cascais e da Foz do Douro foram contornos escondidos com mão-de-ferro — e não só pela ditadura salazarista! Mas seria cruel o envolvimento dos jornalistas em círculos de cumplicidade , como, embora de forma não explícita, tenta fazer Roberto Santos.

O papel da Censura na Sociedade Portuguesa não foi, ainda, suficientemente explicado às gerações pós-Abril,que assim não entendem que algumas das cicatrizes da repressão intelectual ainda permaneçam sensíveis.

Mas o leitor do Barreiro está certo quando proclama que ?os jornalistas que tâo cruelmente exploraram a dor das famílias de Entre-os-Rios e os que mendigam mais uma lagrimazinha da pobre gente que tudo perdeu nos incêndios, só para as câmaras registarem, são parentes dos do choradinho de antigamente.?

É, porém, um parentesco sem consanguinidade, ditado por razões radicalmente opostas. A comparação entre um jornal de há mais de 30 anos com um dos que se publicam nos nossos dias permite, desde logo, notar a enorme disparidade do número de páginas e da quantidade das notícias. Por um lado, porque as tecnologias não consentiam, no passado, a mesma rapidez de transmissão das notícias, a facilidade de composição e de paginação que os computadores hoje proporcionam, a qualidade e a velocidade de impressão das novas rotativas ?off-set?. Mas, principalmente, porque as restrições à liberdade de informar condicionavam o noticiário de tal forma, que alguns jornais recorreram, de facto, ao sensacionalismo da imagem e à exploração do pormenor na reportagem escrita.

Foi o tempo da procura das fotografias dos mortos por homicídio e em acidentes (até dos suicídas!). E da exploração da máscara de dor das famílias enlutadas.

Recordo (1965?) o naufrágio, no Douro, de um barco de areeiros, a remos. Morrera uma jovem, e foi para casa da família que, com muito atraso (a notícia soubera-se tarde, na Redacção), partiu a equipa de reportagem.

Quando chegou, o repórter fotográfico encontrou, para desespero seu, um quadro de inacção que não lhe agradava como elemento valorativo da reportagem: à mãe e às irmãs daareeira morta já haviam secado as lágrimas, numa vigília ainda sem corpo. Eram vultos inertes, no gélido silêncio da casa pobre.

O jornalista da imagem decidiu, então, alterar o cenário, e, aproximendo-de da mãe, encetou um discurso pungente, do topo ?coitadinha, na flor da idade…?. Foi o bastante para que a infeliz mulher voltasse à máscara de desespero, ao choro convulso, que saciou as ?necessidades? do repórter fotográfico.

A verdade é que hoje, quase 40 anos volvidos, qualquer um de nós assiste, nas televisões, a cenas que redimem um repórter fotográfico de que a memória dos colegas de então guardará a imagem da insensibilida profissional que roçava a crueldade — mais do que o enorme talento que, de facto, também tinha.

Não há, no jornalismo dos nossos dias, qualquer razão que justifique os atropelos deontológicos que o vedetismo e a luta pelas audiências explicam.

Mas não justificam.

E não desculpam.

O contacto com o Provedor pode ser feito pelo correio, pelo fax 222002861 ou, por computador, para os endereços provedor@jn.pt ou fmartins@jn.pt

Jorge Marinho da Rocha, de Gandra, em Paredes, dirigiu-se ao Provedor para manifestar o seu descontentamento pelo facto de o modelo da ?Notícias Magazine? se ?enquadrar mais e melhor na audiência do lisboeta ?Diário de Notícias?. Em sua opinião os leitores JN estão a ser prejudicados, até porque são, como diz, muitos mais do que os do DN. O leitor termina a sua carta pedindo aos responsáveis JN que não esqueçam o Norte.

Reitera-se que a área de intervenção do Provedor se circunscreve ao ?Jornal de Notícias? e, fundamentalmente, à sua área editorial. Mas nem por por isso se deixa de lembrar a Jorge Rocha que, distribuída com três publicações do grupo (uma de Lisboa, outra do Porto e a terceira da Madeira), a ?Notícias Magazine? não pode privilegiar um segmento dos seus leitores, qualquer que seja a região dele.

E não o faz.

Há no protesto de Arlindo Silva, do Porto, um certo radicalismo. Para o leitor, os jornalistas são assassinos da Língua Portuguesa e como tal deviam ser punidos. Os considerandos são tantos e tão extremistas que o Provedor se dispensa de reproduzi-los. E tudo porque, na edição de 31 de Julho, foi escolhida para título da notícia do julgamento do Caso Moderna uma frase de um dos advogados: ?Um flop que ficará na História?.

Arlindo Silva não tolerou a utilização da palavra inglesa. Porém, a sua reacção é desproporcionada, face à verdadeira invasão de estrangeirismos que nos cerca. O jornalista limitou-se a reproduzir a frase do advogado… E, deixe que eu desabafe: se todos os ?assassínios? do Português fossem desta gravidade, os ?media? tinham mais qualidade!"