JORNAL DE NOTÍCIAS
"Paixão é cega nos tribunais e nas eleições", copyright Jornal de Notícias, 16/12/01
"Frequentemente, os leitores com fundas ligações a algum caso que foi notícia vêem, no pólo oposto dos seus interesses, a acção desviante dos jornalistas. É o maniqueísmo de conveniência de que o Provedor vem falando, e que sempre tem a ver com questões de ?proximidade? limitativa da equidistância e da isenção.
Em picos de actividade política ou desportiva há, normalmente, crises de confiança na comunicação social. A página da semana finda é disso um exemplo, e esta voltaria a sê-lo, não vivêssemos nós o período de reflexão imposto pelo acto eleitoral de hoje. (No próximo domingo, sedimentados os resultados pela euforia e pela conformação, já muitas das queixas perdem vigor e propósito. A essas responderei pessoalmente, como faço com tantas outras).
Mas nem só de política vivem as paixões exacerbadas dos leitores. Como nos prova o caso que Floriano de Sousa e Silva, de Gueifães, Maia, traz a este terreiro: um julgamento de homicídio.
Mas as eleições não são, também elas, um julgamento?!
Diz o leitor que vem assistindo, no Tribunal da Maia, ao julgamento de um homem que, no culminar de graves conflitos familiares, matou a tiro (confessou-o perante os juízes) um irmão da ex-mulher. Segue, interessado, o que se passa nas audiências e, no dia seguinte, lê o relato no JN. É, então, que se revolta com aquilo que considera a ?forma parcial e incorrecta? como a jornalista autora das notícias cobre o caso. Pelo menos assim aconteceu, perante as edições de 3 e de 23 de Novembro do nosso jornal.
Floriano Silva não é, à partida, um observador imparcial. Ele mesmo o reconhece quando, a justificar o seu interesse pelo caso, confessa semelhança entre a situação do homicida e a sua própria vida familiar. Enferma, como tal, de uma proximidade mimética que não lhe permite o distanciamento necessário para tornar credíveis as suas acusações.
E isso é tão notório quanto é certo que o leitor vê, praticamente, um conluio contra o réu. Dizendo-se chocado ?com a mediocridade dos advogados, acusa o agente do Ministério Público de ?insinuações muito graves? em juízo, quando ele próprio, leitor, se permite tirar ilações do facto de a viúva do homem assassinado pelo arguido trabalhar há cerca de três meses no Tribunal da Maia, onde está a decorrer o julgamento, e de estarem a fazer efeito ?as amizades arranjadas em S. João Novo, no tempo do restaurante?.
Um tal posicionamento de Floriano Silva retira toda a consistência à acusação de que a jornalista está a escrever ?por encomenda?. Acusação que o Provedor repudia, que indigna a jornalista, e que o editor de ?Grande Porto?, Rafael Barbosa, desvaloriza: ?uma carta que não merece que se perca tempo com ela?.
Averdade é que os julgamentos são frequentemente, como se vê, casos em que dois campos se extremam e em que, frequentemente, sai maltratada a honorabilidade dos jornalistas: os que cobrem as audiências, em particular, e toda uma classe na fácil generalização das paixões. A omissão de um depoimento na selecção inevitável do conteúdo de uma sessão do tribunal basta para alicerçar a insinuação e a calúnia. Sem o discernimento para concluir que é impossível publicar todas as declarações (tantas vezes repetitivas) produzidas em tribunal, que carecem de ser seleccionadas, hierarquizadas. Naturalmente que por critérios pessoais. Mas critérios jornalísticos. Eventualmente com algum erro de avaliação — mas decerto que nunca com o propósito de beneficiar alguém, e menos ainda de prejudicar terceiros.
Considera o Conselho de Redacção:
?1. Porque visa garantir o princípio da publicidade da audiência de julgamento, a cobertura jornalística das sessões exige do jornalista um esforço de equidistância em relação às partes e interesses em conflito;
?2. Tal esforço, que o JN procura seguir, impõe que a cobertura se reporte ao essencial do que é produzido na audiência, cabendo ao jornalista fazer a selecção do que julga ser útil ao conhecimento dos leitores;
?3. A fim de garantir o equilíbrio referido, devem ser evitadas considerações sobre o desempenho de advogados, magistrados do Ministério Público e juízes.?
A circunstância de, como no caso vertente, a proximidade emocional do leitor e a gratuitidade das suas acusações, retirarem consistência à sua queixa, não significa que apaziguemos a nossa consciência sem qualquer análise — introspectiva por parte da jornalista, pedagogicamente vigilante por parte de toda a hierarquia.
O tema, aliás, ainda não está encerrado por parte do Provedor, já que se encontram em análise duas queixas do réu do julgamento em causa, por não publicação do ?direito de resposta?, oportunamente endereçado à Direcção do Jornal de Notícias."