FASCISMO REDIVIVO
“Ressurge em São Paulo o fantasma de Mussolini”, copyright iG (www.ig.com.br), 26/5/02
“Em outubro de 1937 o líder italiano Benito Mussolini celebrou o 15? aniversário da Marcha sobre Roma, movimento paramilitar que em 1922 aterrorizara o rei Vittorio Emanuelle, obrigando-o a entregar o poder aos Fasci d’Azione Rivoluzionaria – o Partido Fascista. Ou seja, a ele, Mussolini, o Duce, o Chefe.
Para festejar a data, ele decretou que a Opera Nazionale Balilla (organização encarregada de educar as crianças e adolescentes segundo o ?modo de vida fascista?), agora rebatizada com o nome de Juventude Italiana, passaria a fazer parte dos quadros do Partido Fascista, sob a direção de Achile Starace, um furioso hierarca conhecido como ?o mastim de Mussolini?.
Em um comício realizado em Roma, o Duce conclamou os italianos a arrebanharem mais e mais adeptos e militantes para o credo fascista, única forma de cumprir o que ele prometia ali: ?varrer todos os vestígios do bolchevismo do mapa da Europa?.
Como fariam milhares de imigrantes e descendentes de italianos espalhados pelo mundo, naquele mesmo outubro de 1937, a alguns milhares de quilômetros ao sul da Itália, a jovem Adelaide Nardi, brasileira e filha de um imigrante italiano, inscrevia-se na sucursal paulista do Partido Fascista.
O tempo passou, Mussolini terminou seus dias pendurado pelos pés em um posto de gasolina de Milão, o fascismo foi derrotado e a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. A ficha de inscrição de Adelaide seria coberta pelo pó da História.
Passados mais de 60 anos, porém, o repórter Jotabê Medeiros escalou a montanha de papéis acumulados nos antigos arquivos do DOPS paulista e de lá desenterrou a reportagem intitulada ?Nos porões do Estado Novo – Como funcionou o aparato repressor da polícia de Vargas?, publicada no ?Caderno2? do jornal ?O Estado de S. Paulo? de 9 de dezembro de 2001.
Nela, o jornalista revelava a brutalidade da repressão do governo brasileiro aos chamados ?súditos do Eixo?: os imigrantes ou descendentes de alemães, japoneses e italianos. Entre os vários exemplos colhidos ao acaso, Medeiros cita o de Adelaide como filiada não apenas ao Partido Fascista, mas também ao clube Doppo Lavoro, entidade conhecida como tendo tido ?papel fundamental na doutrinação fascista entre as classes populares?.
Ao ler a reportagem, dona Adelaide Nardi – ?brasileira, solteira, do lar? – não gostou do que viu. Sem negar que tenha sido fascista, ela considerou que a divulgação do seu passado feriu sua honra, sua intimidade e sua imagem. Em conseqüência do que entendeu ser uma ?imprudência do jornal?, dona Adelaide entrou em depressão ao se ver retratada ao lado de japoneses da Shindo Renmei e de alemães hitleristas.
Nem ela própria, no entanto, considera tais danos irreparáveis. Segundo ação impetrada contra o jornal, basta que a família Mesquita pingue na sua mão a bagatela R$ 450 mil para que se ponha uma pedra definitiva sobre o assunto.
A contestação do jornal, feita pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira descarta, de pronto, qualquer procedência às pretensões de dona Adelaide, já que a reportagem revelou documentos públicos e oficiais. Citando farta jurisprudência a respeito do assunto, Affonso Ferreira assegura que ?a veiculação de preferências políticas, religiosas ou filosóficas de alguém será tolhida apenas se o atingido quiser mantê-las livres do conhecimento alheio, o que não é a hipótese dos autos, visto que ostensivamente a autora filiou-se a uma gigantesca organização política, o Fascio?.
Carregada de fina ironia, a peça de defesa do jornal insiste em que não há razão objetiva para o alegado acanhamento de que dona Adelaide se queixa. Afinal, relembra o advogado, o fascismo ?expressou movimento político-ideológico de grande repercussão e projeção históricas, que alguns entenderam como um produto particularmente característico da sociedade italiana? – o que explicaria a adesão ao credo mussolinista de intelectuais como Marinetti e D`Annunzio (Affonso Ferreira poderia ter acrescentado ao rol de ilustres fascistas pátrios nomes como os do professor Pietro Maria Bardi e do industrial Andrea Hippolito Mattarazzo, este um fiel colaborador do próprio Duce).
E, como se tudo isso não fosse suficiente, o advogado recorda o fato de que a ideologia de Benito Mussolini ?continua presente no quotidiano paulista?, sob a forma do monumento fascista instalado pelo prefeito Jânio Quadros na esquina das avenidas Brasil e Europa. Uma dose a mais de sarcasmo e ele aconselharia dona Adelaide a jactar-se de seu passado.
Não se sabe ainda que destino a Justiça dará à causa. Como todo aquele que militou no Partido do Fascio, no entanto, dona Adelaide deveria conhecer as célebres palavras do Duce, que dizia em que um verdadeiro fascista vestia uma só camisa – a negra, símbolo do movimento – e para sempre. Princípio que ele resumiu na frase que vinha impressa no alto de todos os papéis e documentos do Fascio:
?Il modo de vita fascista deve incominciare dall’aurora?.”
WEBLOGS
“Blogs de gente grande”, copyright O Globo, 20/5/02
“Eles são ?gente como a gente?, mas aprenderam a tirar proveito do que de melhor a internet pode oferecer: comunicação, interatividade e uma rede de amigos, sempre dispostos a ouvir, mesmo que virtualmente, criticar e se solidarizar com as dúvidas existenciais uns dos outros. Blogar é, antes de tudo, compartilhar: pensamentos, informações. Os novos ?publishers? da rede ? que de adolescentes só têm a alma ? são, isso sim, muito criativos. E, ao contrário do que muitos pensam, eles não são ?nerds? ou ?geeks?: são pessoas comuns, com hábitos não muito diferentes, que conciliam, com facilidade, a atividade de blogar com vida em família, trabalho e lazer. São eles os personagens principais da nova revolução da web. A retomada do ?poder? a quem de direito.
Cantores, amantes de gatos, donas de casa, experts em informática, muitos (muitos!) jornalistas, webdesigners. A variedade de profissões dos blogueiros só perde em quantidade para a multiplicidade de temas: de putas e vagabundos (que perambulam pelo ?Catarro Verde?) à literatura (que povoa muitos), passando pelas notícias de informática (tema do ?Marketing Hacker?) e análise do mundo. E muita informação relevante, o que é ótimo. Uma das vantagens principais do blog é ser território livre, onde se escreve (e publica) o que se quer. E, felizmente, a idéia de que eles são ?diários na rede? já está sendo ultrapassada. Diferente dos diários de papel, a maior parte dos blogs é escrita para informar e não apenas como forma de desabafo pessoal.
A importância dos weblogs cresceu tanto que já se discute se eles substituirão o jornalismo online e no papel. Um dos primeiros a publicar um blog ? antes de a palavra se tornar sinônimo de um novo tipo de site ?, o jornalista Dave Winer acredita tanto no sucesso do blog como ferramenta de informação que fez uma aposta de US$ 1 mil com o editor da edição online do ?New York Times?, Martin Nisenholtz, de que em cinco anos o jornalismo amador feito nos weblogs teria mais influência que o jornal. Resultado? Nisenholtz topou a aposta e acrescentou mais US$ 1 mil à disputa. A resposta? O tempo dirá.
Enquanto 2007 não chega, os blogueiros brasileiros fazem bonito. Os alicerces da comunidade já estão consolidados. Muitos escrevem e muitos lêem, e assuntos em voga na sociedade são debatidos nos sistemas de comentários ou por email. Estas pessoas têm o que dizer e usam a facilidade da ferramenta para praticar o simples ato de comunicar.
Um exemplo clássico é o ?Wumanity?, um dos blogs mais linkados da internet BR. Segundo sua criadora, Rossana Fischer, a proposta do ?site? é observar o mundo e o ser humano sem pudor:
? O objetivo é romper os limites do pensamento comum. Escrevo sobre coisas que observo, em mim e em outros. Também dou notícias interessantes, novidades da internet, mantenho variado para que os leitores não se aborreçam ? diz.
Não se aborrecem não. Reagem e interagem…”
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“Eles têm o que dizer. E público cativo”, copyright O Globo, 20/5/02
“O usuário que adora ler notícias fresquinhas na rede costuma farejar sites de jornais em busca de opiniões imparciais (pelo menos em tese…) a respeito dos temas de seu interesse. Mas, como freqüentemente argumentam os defensores dos blogs, cada vez mais as pessoas procuram pelo oposto disso, por opiniões parciais ? e isso é o que os blogs mais têm, já que o blogueiro é, por natureza, mais um comentarista do que um repórter. O que dá aos blogs o seu sabor particular é, justamente, a visão pessoal do autor sobre os fatos. De preferência, fatos que mal acabaram de acontecer. Episódios como os atentados de 11 de setembro nos EUA mereceram tratamento especial nos blogs, confirmando uma tendência inexorável: o mundo virtual interage cada vez mais com a vida real.
Destacamos os atentados porque eles foram um marco também nessa nova era da ?informação jornalística amadora?. Enquanto os sites dos grandes jornais ?congelavam? devido ao grande número de acessos, os blogs corriam por fora, com informações ( e opiniões) em tempo real.
Blogs nacionais repercutem notícias e comportamento
Temos tudo isso aqui também. Fausto Rêgo, do ?Repórter Mosca?, um dos blogs mais acessados, conta que tudo começou porque usava o ICQ para dar notícias aos amigos:
? Inventei essa história da mosca repórter, infiltrada nos lugares, contando as novidades, e resolvi usar o personagem no blog ? explica.
A idéia pegou, assim como a convocação implícita no nome do ?Let’s Blogar?, do Danilo Siqueira. O convite foi aceito e, 16 meses depois, o blog recebe 200 page views/dia:
? O blog é para dividir coisas que descubro na internet, além de curiosidades do cotidiano e do dia-a-dia do mundo doido em que vivemos.
O ?mundo doido? também é alvo da queridinha dos blogueiros, Meg Guimarães, que faz o ?Sub Rosa?. Além de ter um dos blogs mais linkados do país, ela consegue perpassar de um endereço a outro distribuindo ?pitacos? e palavras de carinho. Em sua URL, um tratamento visual refinado e bom gosto literário. Além de informativo, seu blog é uma explosão de sentimentos:
? O que me levou a blogar foi a dor causada por duas doenças graves: câncer e severíssima depressão ? admite. ? Hoje, o blog se tornou uma parte importante da minha vida. Ele é a maior das vertigens da subjetividade.
O mundo em várias versões, à maneira de cada um
Apesar do pouco tempo de vida (foi concebido em janeiro), o blog de ?Deus? já faz sucesso. Seu autor, que por motivos óbvios prefere o anonimato, é politicamente incorreto, gasta todo seu vernáculo em palavrões, mas tira graça das pequenas idiossincrasias dos incautos que caem na besteira de lhe mandar emails, publicados, com créditos e as devidas respostas:
? Só não publico os emails com algum conteúdo pessoal. Quando vejo que envolvem pessoas de verdade eu não publico. Às vezes respondo a esses emails em particular.
O comportamento de ?Deus? não é muito diferente do dos pobres mortais. Sabe-se que tem 29 anos, é tijucano e trabalha com desenvolvimento de sistemas e banco de dados de uma empresa de música digital. Sua família, é claro, nem sonha que ele se faz passar por Deus na internet.
Já o ?Catarro Verde?, editado por Sérgio Faria, publicitário e radialista, começa a refletir o conteúdo pelo nome. É uma verdadeira ?cusparada? em tudo que o incomoda:
? É o blog de um cara criado na zona. Escrevo sobre políticos, putas, vagabundos, ladrões e gente dessa espécie ? assume. ? É um pouco de jornalismo, feito nas coxas, e relatos do submundo.
Mas nem todo mundo quer incentivar ou especular sobre o mundo cão. Para Daniela Abade, que faz o ?Mundo Perfeito?, tudo seria melhor se fosse… diferente! Seu blog tem um conceito peculiar: ela conta fatos do dia-a-dia por um ângulo inusitado: o da perfeição. Lá, bandidos são presos, a violência não existe, as pessoas têm bom gosto… Para ela, o ?Mundo Perfeito? é um jornal como outro qualquer:
? Todo dia publico uma notícia que seria real se eu vivesse no MEU ( sic ) mundo perfeito ? diz.
Para a cantora Suely Mesquita, do ?Sexo Puro?, o mundo perfeito é feito de música:
? Cerca de 90% dos meus posts são sobre música.
Para o consultor de marketing digital Hernani Dimantas, pai do ?Marketing Hacker?, o discurso e o debate é o que realmente importam:
? Consegui catalizar uma conversação na rede e essa é uma forte tendência ? diz. ? O blog é uma nova forma de expressão, as pessoas estão recuperando a voz.
Colunista social da comunidade blogueira?
Marina W., gateira por opção, diz se expor totalmente no seu ?Blowg?, que classifica como ?uma folhinha daquelas de livrarias católicas onde, misturado a pequenas orações, há receitas, frases, piadas.
? Queria que meu blog fosse algo tão elástico que contivesse todo tipo de coisa, solene, sutil e bela, que me venha à cabeça.
Ela não confirma o fato (confirmadíssimo por fontes fidedignas) de que seria ?Jackie Miller?, personagem misteriosa que foi, durante bom tempo, famosa colunista social dos blogs. O amigo que a incentivou no mundo blog é um dos gurus da comunidade: Nemo Nox se auto-classifica como ?especialista em generalidades?, e é um dos campeões em visitação. Seu ?Por um punhado de pixels? tem como tema a cultura pop: cinema, quadrinhos, TV e games.
Também sobre games temos o ?Pulso Único? (1.400 visitas/dia), criado pelo programador carioca Eduardo Stuart. Lá, os visitantes encontram jogos e quebra-cabeças.
? Encontrar coisas interessantes para colocar no Pulso Único é uma grande diversão.
Na mesma área de Eduardo está o analista de sistemas Edney Soares, do Interney (1.300 visitas/dia), que, de quebra, é autor do melhor FAQ brasileiro sobre blogs.
? Para mim o blog é ótima fonte de estudo para entender como a web funciona. Posso ver como a audiência reage aos diferentes assuntos.
E, afinal, assim é também com o jornalismo…”
JOSÉ REIS (1907-2002)
“A herança de José Reis”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 20/5/02
“?Neuroses e formigas monstruosas?. Com este título, a Folha de S. Paulo publicou, na edição do último domingo (19/5), texto do jornalista e cientista José Reis, que morreu de pneumonia em 16/5, aos 94 anos. Em ?Periscópio?, coluna que Reis assinava desde 1992, os leitores se informavam sobre temas científicos sem a preocupação de estarem diante de um texto difícil de compreender. Esta talvez tenha sido uma das maiores preocupações do jornalista, que combinava clareza e profundidade ao abordar os mais variados temas sobre Ciência.
Quando José Reis começou no jornalismo, em 1947, sua careira de cientista já estava consolidada. Formado em medicina em 1930, realizou estudos de patologia no Instituto Oswaldo Cruz, fez estágio de um ano no Instituto Rockfeller, onde se especializou em virologia. Em 1948, fundou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ao lado de Paulo Sawaya, Maurício Rocha e Silva e Gastão Rosenfeld.
Contratado pela empresa Folha da Manhã (hoje Folha de S. Paulo) para escrever sobre temas administrativos, foi pouco a pouco migrando para assuntos relativos à Ciência. Entre 1962 e 1967, foi diretor de redação do jornal, cargo que deixou por vontade própria. Nesse ínterim, criou a revista Ciência e Cultura, da SBPC. A publicação acabou se tornando referência na área.
Quem tiver acesso aos arquivos da coluna poderá encontrar assuntos que vão muito além da área biomédica. Reis transitava facilmente por assuntos como o aquecimento da Terra, a extinção dos dinossauros, o vulcanismo e a origem do homem moderno.
A prova da importância do trabalho de José Reis se reflete também através do prêmio que leva seu próprio nome. Criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 1978. O prêmio José Reis de Divulgação Científica é concedido anualmente a jornalistas, cientistas e instituições.