MÍDIA & GALLUP
A divulgação de pesquisa realizada pelo Gallup em nove países de maioria muçulmana foi um festival de erros, cometidos tanto pela mídia quanto pelo instituto. A CNN e o USA Today citaram estatísticas do estudo mostrando que 53% dos entrevistados tinham uma visão negativa dos Estados Unidos, e apenas 18% em seis dos nove países (três não permitiram que a pergunta fosse feita) acham que os árabes foram responsáveis pelos ataques de 11 de setembro.
O problema, alertam Richard Morin e Claudia Deane [The Washington Post, 23/3/02], é que estes números são combinações de resultados de pesquisas feitas separadamente em nove países, nos quais moram menos da metade dos muçulmanos do mundo; além disso, as pessoas entrevistadas pelo Gallup sequer precisavam ser cidadãs do país ou mesmo seguir a religião muçulmana. A pesquisa, portanto, não é um indicador confiável da opinião do mundo muçulmano, como foi apresentada ao público.
O National Council on Public Polls censurou a maneira como a pesquisa foi divulgada, sem saber, no entanto, que o próprio Gallup forneceu números errados. Segundo a NCCP, as médias dos resultados não respeitaram o tamanho da população dos países: "O Kuwait, com menos de dois milhões de muçulmanos, foi tratado da mesma maneira que a Indonésia, com mais de 200 milhões". Os dados individuais mostram que 36% dos entrevistados no Kuwait acham que os ataques terroristas são moralmente justificáveis, enquanto apenas 4% pensam o mesmo na Indonésia. A média, portanto, não é 20%, como sugere a pesquisa, mas 5%.
Foi o próprio instituto Gallup que passou estes números à imprensa ? o fax que enviou ao USA Today e a CNN também incluía as estatísticas de cada país. "Eu não fiz a conta", admitiu a repórter Andrea Stone, do Today. Frank Newport, editor-chefe da pesquisa, reconheceu que as médias constavam do release, mas disse que sempre alertou os jornalistas contra seu uso. A advertência, no entanto, não constava desta mensagem, que os jornalistas usaram para escrever as matérias.
Morin e Deane observam que nada disso sugere que os resultados sejam dramaticamente diferentes se apenas os números de cada país fossem usados. Embora apresentada pela mídia como análise do mundo muçulmano, a pesquisa Gallup entrevistou nove países em que estão apenas 40% da população muçulmana: Irã, Indonésia, Jordânia, Kuwait, Líbano, Marrocos, Paquistão, Arábia Saudita e Turquia. A pesquisa, estranhamente, não incluiu nações como Índia, Egito, Bangladesh e Nigéria. Além do mais, a maioria das entrevistas veio de apenas dois países: dos 9.924 adultos entrevistados, dois terços eram da Indonésia e do Paquistão. E nem era preciso ser um cidadão do país para ser entrevistado: no Kuwait, menos da metade morava de fato na região.