VIDA EM FAMÍLIA
Palmiro F. da Costa (*)
Quando as crianças se preparavam para dormir, uma de nossas filhas perguntou: "Mãe, como faremos quando voltar a televisão?"
Vivemos um período inusitado para uma família dos tempos modernos. Estamos praticamente sem televisores em casa. Uma onda repentina e seqüencial de quebradeira atingiu os aparelhos da família. Algo similar à entrada e ocupação das tropas russas em Pristina, Kosovo. Ninguém esperava, súbita e fatalista.
Não obstante a sensação inicial de desvalia e desconsolo, com o passar das noites fomos observando os benéficos resultados dos indesejáveis enguiços. Ficamos até espantados com tantos benefícios… o tempo de conversa familiar aumentou; o piano (relíquia de família) voltou à ativa. E como…; intensificou-se a leitura de livros, individuais e em conjunto; jantares mais serenos, participativos e conversativos; e, pelo menos uma vez por semana, reunimo-nos para rezar juntos. A despeito dos constantes shows de música e dança encenados pela caçula, o nível do volume de som geral baixou, em tempos de carência de silêncio e excesso de ruído.
Se a falta dos televisores apresentou-nos mais vantagens do que desvantagens, o que tem sido deficiente na televisão?
Primeiramente, o televisor é utilizado como "máquina de fazer silêncio". Não silêncio ambiente, ao contrário, os níveis de som são altíssimos, principalmente quando entram os comerciais. Porém, o silêncio entre as pessoas presentes. Sentados à volta da telinha luminosa (que já não é tão pequenina assim…), quando alguém esboça um comentário qualquer recebe, quase imediatamente: "Espera! Deixa eu ouvir!" Quando não ocorre até o reprovável "Cala a boca!"
Ora, o uso da televisão seria um fantástico meio para gerar discussões e debates sobre assuntos, diferentemente do "você decide, na opção A ou opção B", sem senso crítico, analítico e perscrutador. As possibilidades educacionais do esplêndido meio de comunicação vêm sendo minimizadas. Exceto certos programas das TVs Educativa e Cultura.
Ademais, o nível de qualidade da programação caiu ao ridículo. Mormente uma agenda sensacionalista, exploradora das misérias sociais, morais e artísticas. Os conteúdos temáticos de filmes, desenhos animados, programas diários de variedades e telenovelas têm representado verdadeiro atentado à moral e aos bons costumes.
Nesse período sem TV em casa, ao não acompanharem certos programas, sistematicamente, nossas crianças deixaram de fazer uso de certas expressões verbais, palavras indelicadas e até de "pseudodanças" de gosto duvidoso.
Cabe ainda registrar os efeitos perniciosos das mensagens subliminares das propagandas de bebidas alcoólicas, cigarros e prostituição sexual (nas variantes do tele-sexo) veiculadas em todos os horários. Passam uma concepção, aos seres imaturos, de que aqueles que usam são os mais bonitos, elegantes, fortes e vencedores.
Por tudo isso, o enguiço dos televisores, inicialmente desagradáveis, proporcionaram valiosas oportunidades de análise, reflexão e conclusão, no que diz respeito à acessibilidade de impressões que as crianças recebem. Impressões que podem ajudar ou não no adiantamento delas, de acordo com as contribuições daqueles que estão encarregados de sua educação.
Vibrando com o gol
No momento em que vislumbramos o retorno dos aparelhos (penso que se tornaram indesejáveis…), iniciamos em casa uma discussão circular de como proceder. Para não ficarmos olhando-os como se fossem monstrinhos estabeleceremos certas regras de convivência.
Primeiramente, o tipo de programação será devidamente selecionado, buscando qualidade de vida, a que engrandece o indivíduo e não subestima sua capacidade de discernimento, apuro de gosto e delicadeza humana. Não desejamos programas de baixo nível. Desliga-se…
Outra regra será quanto ao horário de utilização. A hora do jantar, da prece familiar, da música, da conversa… é inviolável. O televisor é complemento, não ator principal.
E o volume? Ih, essa será uma luta… Verdadeiro exercício de respeito ao espaço do outro. O vizinho não está obrigado a acompanhar e ouvir o que estivermos assistindo.
Por fim, a prioridade será absoluta para a conversa. A palavra que vale é "pessoa". O espaço de convivência poderá ser enriquecido com o uso da TV. Todavia, como instigador e estimulante para falar, discutir e conversar. Para estar com o outro.
"Olha, filha… quando voltar a TV nós conversaremos ainda mais, o piano continuará sendo tocado, persistiremos nas nossas leituras e orações familiares, manteremos os jantares com todos juntos e contaremos com mais um recurso, onde buscaremos subsídios para o engrandecimento pessoal e espiritual, nas horas de lazer saudável."
"E nos dias dos jogos do Brasil?"
"Bem, nesses casos, quem impera é a imagem da tela. Todos falam, todos calam… todos nós vibramos juntos com o gol!"
(*) Advogado no Rio de Janeiro