Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

PROVÃO EM XEQUE

“Ameaça Ao Provão”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/03

“São inquietantes os sinais de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá propor o fim do sistema de avaliação do ensino superior que atribui conceitos e notas a cada curso universitário. Ao menos é isso o que sugere o relatório final da comissão criada pelo Ministério da Educação para propor mudanças na atual sistemática de avaliação. Menos mal que o ministro da Educação, Cristovam Buarque, tenha manifestado reservas em relação ao relatório. Resta esperar que sejam incorporadas modificações.

Ninguém pretende que o atual sistema de avaliação, baseado principalmente no provão e na chamada análise das condições de oferta (que considera itens como instalações físicas, biblioteca, qualificação do corpo docente, currículo), seja perfeito. Muito pelo contrário, grande parte das críticas que se fazem ao provão é bastante pertinente.

A questão é que, ao propor a avaliação por amostragem e o fim dos exames obrigatórios, a comissão acaba com a possibilidade de comparar diferentes escolas que oferecem o mesmo curso. Na linguagem do mercado, acaba com a concorrência entre as várias instituições -ou pelo menos a reduz consideravelmente.

Mais do que isso, o sistema sugerido -ainda que possa proporcionar uma avaliação global mais justa e mais refinada- tira da sociedade, em especial do jovem que vai optar por uma carreira, a possibilidade de decidir, entre diferentes escolas, por aquela que oferece o melhor ensino, mesmo considerando que esse ?melhor? se inscreva numa objetividade problemática. Simplificando um pouco, a elite, que frequenta as melhores universidades públicas, não perderia nada com o fim do provão, já os alunos de menor renda, que com grande frequência só conseguem acesso à rede privada, perderiam sua principal ferramenta para julgar as escolas.

A impressão que se tem é que a proposta da comissão foi concebida para uma universidade ideal que não existe no Brasil. Pode-se até criticar a gestão anterior por ter aberto muitas oportunidades para as instituições particulares, contribuindo para uma maior ?mercantilização? do ensino superior. A rede privada representava, em 2001, 89,4% do total de instituições de ensino superior. Esse é um dado de realidade que não será alterado pelas convicções de quem quer que seja.

O fato insofismável é que, diante desse quadro, é temerário -para não dizer irresponsável- acabar com a avaliação baseada no desempenho de cada curso. Renunciar a essa forma de avaliação seria renunciar ao único controle -e ainda assim precário- de que a sociedade dispõe sobre o ensino superior. A avaliação opera também como um freio à lógica do lucro que, em várias instituições, tenderia a usurpar o lugar da lógica da educação.

O provão e o sistema de avaliação legados pela gestão anterior podem e devem ser aperfeiçoados, mas sem ignorar os imperativos da realidade. Num mundo ideal, a avaliação nem ao menos seria necessária, pois as universidades seriam por definição as melhores possíveis. Só que vivemos muito longe desse mundo.”

“A extinção do Provão”, Editorial copyright O Estado de S. Paulo, 7/09/03

“A Comissão Especial do Ministério da Educação que analisava o sistema de avaliação do ensino superior apresentou relatório final ao ministro Cristovam Buarque propondo, na prática, a extinção do Exame Nacional de Cursos, o Provão. O teste perderia o caráter obrigatório para os formandos – seria aplicado por amostragem – e o foco da avaliação passaria a ser a instituição e não mais o aluno. A proposta cria o Sistema de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) que prevê três etapas; a primeira, uma auto-avaliação de cada curso feita por alunos, professores e funcionários; depois, uma avaliação externa; e, por último, uma prova a alguns alunos escolhidos aleatoriamente, do segundo ano e do último ano. Sem divulgação de resultados tanto das instituições como dos alunos.

O atual sistema de avaliação do ensino superior é regulamentado pela Lei 9.131, de novembro de 1995. Essa avaliação dá prioridade à efetiva aplicação do conteúdo curricular mínimo estabelecido para cada curso e prevê também a chamada ?avaliação das condições de oferta?, ou seja, a organização didático-pedagógica, a titulação dos docentes e a infra-estrutura dos cursos, realizada a partir de visitas de técnicos do MEC. Por entender que educar, como qualquer outra atividade humana, exige avaliação constante e divulgação de resultados obtidos, o Congresso criou um ?exame? para verificar a real aplicação do conteúdo mínimo.

O Provão avalia a escola, o curso e de certa forma o desempenho dos professores e alunos, sempre coletivamente. A divulgação da nota obtida individualmente no teste é assunto privado de cada estudante. Não há dúvida que o objetivo essencial do Provão é ?fazer comparações?, como a que mostra a existência de centros de excelência no ensino superior: dois terços dos melhores cursos estão em universidades públicas. É inquestionável também que o exame exibe aos consumidores do serviço ?educação? o bom e o mau curso no ensino superior, seja público ou privado.

É esse conjunto de princípios que agora está ameaçado pela decisão da Comissão Especial do MEC. Desde o discurso de posse no ministério, Buarque elogiou a ?cultura da avaliação? praticada pela gestão anterior no MEC e prometeu preservá-la. Criar a auto-avaliação, aplicar testes por amostragem e acabar com avaliação por curso é tirar do consumidor do serviço Educação o direito de ?fazer comparações?, é destruir, de fato, a ?cultura de avaliação? que Buarque prometeu preservar. Com a metodologia de avaliação proposta pela Comissão Especial, não se separa mais o joio do trigo no ensino superior: o bom curso, público ou privado, com professores esforçados valerá tanto quanto a graduação feita em uma autêntica ?fábrica de diploma?, ou o curso dado por professores ineficientes acobertados pelo corporativismo atávico que prejudica tantas universidades.

Convém não esquecer que o Provão é o cerne da lei que redefiniu as atribuições do Conselho Nacional de Educação para o credenciamento de cursos universitários extinguindo o papel cartorial adotado pelas ?visitas? dos enviados do antigo Conselho. O Congresso terá que aprovar a mudança e essa volta do ?clientelismo educacional? deverá preocupar deputados e senadores.

Avaliar apenas por amostragem e pelas ?condições de oferta? pode significar dar prioridade a investimentos arquitetônicos grandiosos, próximos a estações de transporte de massa, com grande atração de clientela, em detrimento da seriedade do investimento em efetivo trabalho docente e dedicação discente para ensinar e aprender. Sem o Provão, como medir, de fato, esse esforço do professor e do aluno?”

 

CÁSPER EM CRISE

“O fim de uma era na Cásper Líbero”, copyright Carta Capital, 9/09/03

“Depois de nove meses de impasse com a diretoria, 17 professores do curso de Jornalismo pedem demissão

As paredes da faculdade Cásper Líbero, na avenida Paulista, em São Paulo, nunca ouviram tantas deliberações, moções e brigas. Na semana que passou, houve mais assembléias que aulas. As brincadeiras comuns dos estudantes deram lugar a conversas solenes e alguns alunos cogitam pedir transferência para outra escola.

Na segunda-feira 1?, ao chegar à faculdade, eles souberam que 17 professores do curso de Jornalismo, um dos mais conceituados do País, haviam pedido demissão. O assunto foi parar nos jornais. Mas o diretor, Erasmo Nuzzi, no centro da crise, continua recolhido. A CartaCapital não quis falar nem pessoalmente nem por telefone. Perguntas e respostas, só escritas. Questionado sobre o aparente paradoxo que é o diretor de uma faculdade de Jornalismo não dar entrevista, foi lacônico – por e-mail:

– Prezada Senhora, tenho uma agenda intensa, mas vou responder ao que me está sendo perguntado.

Nuzzi tem 84 anos e, de 1972 até hoje, soma 17 anos como diretor. No e-mail, escreveu que o quadro docente está sendo recomposto com nomes de gabarito e que o projeto pedagógico continuará sendo desenvolvido. A maioria dos alunos duvida disso.

Em assembléia, decidiram formar uma comissão destinada a acompanhar de perto as contratações. ?Dependendo do que acontecer, podemos processar a faculdade por perdas e danos morais?, diz Leandro Beguoci, diretor do Centro Acadêmico.

O impasse que desaguou na demissão coletiva teve início em dezembro de 2002, com a demissão de Marco Antonio Araújo, ex-coordenador de Jornalismo. O ato, alegou Nuzzi, decorreu da rebeldia do professor, que criticou o curso de mestrado da Cásper e comandou uma reação contra o aumento do número de alunos por sala, de 45 para 50.

Na mesma batelada, a diretoria cancelou a eleição do professor Mario Vitor Santos para a coordenadoria. Depois da imposição de novos coordenadores, recusados pelos docentes, e de muita discussão, assinou-se, em fevereiro, um pacto que previa a redução do número de alunos por sala e explicitava que não seria vetada a recontratação de Araújo como professor.

Em junho, a recontratação foi rejeitada pelo diretor. Iniciou-se uma manifestação e, em agosto, na volta às aulas, os docentes entraram em greve. Grandes nomes do jornalismo brasileiro assinaram um anúncio de apoio ao movimento e os alunos também ficaram ao lado dos grevistas.

A Justiça do Trabalho reconheceu a legalidade da greve de dez dias e a validade do acordo de fevereiro. Caberia ao Conselho Técnico Administrativo (CTA) da escola determinar a recontratação de Araújo. Isso não aconteceu.

Dezessete professores – jornalistas ativos no mercado – resolveram dar um basta ao vaivém de promessas e cartas que se arrastou por mais de nove meses. Vários estudantes os apóiam abertamente. Outros se sentiram traídos. Mario Vitor Santos, também demissionário, lamenta o desfecho, mas está certo de que os professores deram uma aula de coerência:

– Não era essa nossa intenção, mas foi esse o resultado do movimento. A demissão reforça nosso compromisso com o que sempre falamos em sala de aula como professores: jornalismo tem de ser pautado pela verdade. Não aceitamos que um curso de Jornalismo seja dado numa realidade arbitrária, retrógrada e marcada pela ruptura de acordos e pelo desrespeito à palavra e à ética.

A sensação, entre os alunos, é de que a era de ouro da escola, iniciada na gestão de Araújo, chegou ao fim. O equilíbrio entre profissionais atuantes no mercado e professores com perfil mais acadêmico transformou a Cásper em padrão de ensino de jornalismo. Um lado dessa balança ruiu.”