MONITOR DA IMPRENSA
ÁUSTRIA
"Haider é acusado de intimidar imprensa", copyright Folha de S. Paulo / Le Monde, 25/02/01
"Fato excepcional: a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) está preocupada com a liberdade de imprensa num país da União Européia. Até agora, isso só havia ocorrido uma vez, em razão das agressões contra jornalistas do País Basco. Embora os casos não sejam comparáveis, a entidade decidiu publicar, na última quarta-feira, 21 de fevereiro, um relatório sobre a situação na Áustria desde a chegada ao poder, um ano atrás, de uma coalizão de direita que une os cristãos conservadores do PP (Partido Popular) e o PL (Partido da Liberdade) de Joerg Haider, partido populista conhecido por sua retórica xenófoba e antieuropéia.
A RSF lembra como essa virada suscitou reações hostis, tanto na imprensa internacional quanto na Áustria. Embora o regime permaneça sob observação, mesmo após o levantamento oficial das ‘sanções’ européias, desde setembro de 2000, a RSF analisa as consequências para a liberdade de imprensa da entrada no governo de um partido ‘pouco acostumado às práticas democráticas’.
A denúncia contra meios de informação é uma constante no discurso de Haider desde que assumiu a liderança do partido, em 1986. A RSF registra várias declarações do líder populista, convencido de que existe uma ‘Internacional’ das mídias tendentes à esquerda que retratam o PL como ‘uma força política radical, extremista e perigosa’. Vêm daí as reiteradas promessas de ‘limpar as redações’ e cortar subvenções a jornalistas insubmissos: ‘Quando dou de comer a um cão e ele me morde, paro de lhe dar de comer, para que ele pare de me morder’, declarou Haider. Em janeiro passado, num comício, ele ameaçou procurar o ‘ninho de resistentes’ escondido no coração da TV estatal, a ORF.
Apesar disso, a chegada ao poder da direita populista não se traduziu em demissões em massa. A única dispensa por motivos políticos, a de um jornalista de um periódico regional, é frequentemente interpretada hoje como excesso de zelo de um editor-chefe oportunista. Mas o PL enfrentou a resistência acirrada dos meios profissionais quando, em novembro, desafiou o chefe da sucursal da agência austríaca de notícias ‘APA’ em Klagenfurt -o reduto de Haider-, acusado de ter ‘perdido seus pontos de referência e escrito um despacho repleto de absurdos e mentiras’.
Mesmo não se furtando a recorrer a ataques pessoais contra jornalistas (uma das especialidades de Haider em programas de TV ao vivo), é sobretudo por meio de uma avalancha de processos que o PL procura intimidar seus adversários e lhes fazer moderar o tom, sob pena de incorrerem em pesadas consequências financeiras. Contam-se às dezenas os processos abertos contra os semanários ‘News’, ‘Falter’, ‘Profil’ e ‘Format’ e o diário liberal ‘Standard’.
Esse recurso sistemático aos tribunais, apontado no relatório, suscita um mal-estar na magistratura, especialmente porque o juiz que é chamado a decidir, em segunda instância, os processos contra a imprensa envolvendo o PL integra a direção da TV pública. Fonte principal de informação sobre assuntos de política interna (as duas emissoras públicas difundem o mesmo jornal às 19h30), a TV estatal tem sido objeto de todas as atenções do novo regime. A RSF destaca que a Áustria é ‘o último país da Europa a ainda não ter liberado suas ondas’, sendo que as rádios privadas existentes estão longe de concorrer seriamente com o setor público. A reforma indispensável da ORF será complicada.
O intervencionismo político se concentrou na televisão desde a ‘virada’ de fevereiro de 2000. Em outubro, a associação de redatores da ORF denunciou ‘a extensão insuportável da pressão exercida pelos partidos do governo’, que chega ao ponto de incluir ‘tentativas disfarçadas de intimidar jornalistas’. Para impedir o jornal da TV de mencionar um escândalo que causaria constrangimento ao PL, o líder da ala parlamentar populista, Peter Westenthaler, interveio 22 vezes num único dia, enquanto seu colega conservador enviou um fax de várias páginas enumerando os supostos erros cometidos nos boletins de informação e exigindo retificação imediata.
O consenso geral é que o tom geral mudou, conforme destaca a antiga editora da seção de política do jornal conservador ‘Die Presse’, Anneliese Rohrer : ‘O que me surpreende é a intolerância com relação à crítica. Isso já existia antes, mas não dessa maneira. Os dois partidos (PL e PP) se unem nessa atitude pouco saudável em relação à imprensa’.
Principal base de apoio da grande virada à direita, o jornal conservador se assusta, como seus concorrentes de esquerda ‘Der Standard’ e ‘Falter’, com a fusão iminente dos grupos de imprensa Mediaprint (‘Kronenzeitung’, ‘Kurier’ e ‘Profil’) e News, apoiados respectivamente pelas gigantes alemãs WAZ e Gruner und Jahr (Bertelsmann). Autorizado no final de janeiro, esse ‘casamento’ vai resultar numa dominação quase total sobre o mercado das revistas e mais da metade dos jornais. Para a Repórteres Sem Fronteiras, um governo ‘não destituído de tendências autoritárias, o monopólio do Estado sobre a televisão e a extrema concentração da imprensa escrita’ são os três fatores que convergem na Áustria, apesar da inegável ‘base democrática’ da sociedade, para favorecer a autocensura e ‘limitar potencialmente o pluralismo de informação’. (Tradução de Clara Allain)"
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