ASPAS
FITAS & ROLOS
"Governo propõe nova limitação a procuradores", copyright Folha de S. Paulo, 17/03/01
"O líder do governo no Congresso, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), levou ontem aos representantes dos procuradores da República uma proposta de projeto de lei que fixa em seis meses o prazo para o final do inquérito civil público. O projeto de lei é a terceira tentativa do governo de regulamentar a maneira como o MP conduz suas ações, limitando suas atribuições.
As duas anteriores enfrentaram forte oposição do Ministério Público. A primeira foi a que ficou conhecida como Lei da Mordaça, que já passou pela Câmara dos Deputados e aguarda aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A segunda foi a medida provisória conhecida como ?MP dos Procuradores?, que estabelecia punições a quem abrisse inquérito contra alguém que soubesse ser inocente.
Além do prazo de seis meses para a conclusão do inquérito (hoje não há limite de duração), o projeto de lei proposto por Virgílio institui ainda a possibilidade de recurso para a suspensão do procedimento administrativo, fase anterior à abertura de inquérito. A idéia do governo é que a investigação possa ser suspensa ainda nessa fase, dez dias depois da instauração do procedimento.
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) ainda não declarou sua posição sobre o projeto, mas a maioria dos procuradores deve ser contra a proposta, por considerar que suspender a investigação numa fase tão prematura vai impedir que se verifique se uma denúncia tem procedência ou não.
Outras propostas no projeto de lei são a distribuição por sorteio das ações apresentadas pela sociedade, e não mais por afinidade e grupos de trabalho, como hoje.
Além disso, cada inquérito civil deverá ter apenas um procurador responsável, e não mais de um, como hoje ocorre.
Por causa da crise institucional provocada pela medida provisória – a forte reação dos procuradores fez com que o governo desistisse da proposta- o governo dessa vez preferiu mudar de estratégia. Enviou o líder Arthur Virgílio para negociar com os procuradores antes de apresentar o projeto ao Congresso.
Mesmo assim, a proposta vai enfrentar resistência. Ela recupera pontos polêmicos das iniciativas anteriores, principalmente da Lei da Mordaça."
"A violência, a corrupção e a mídia", copyright AOL (www.americaonline.com.br), 16/03/01
"O Brasil tornou-se um símbolo de violência e corrupção. O noticiário acentua e reflete esse estigma que submete a população ao duplo sentimento de medo e indignação: raro é o dia em que nas primeiras páginas não ganhem notoriedade, de um lado, notícias de assaltos, rebeliões e assassinatos, do outro, denúncias das mais variadas falcatruas praticadas ou acobertadas por homens públicos no exercício do poder, em todos os níveis.
A violência, em particular, se agravou dramaticamente nas últimas décadas, incrementada pela convergência de duas pestes sociais que, contraditoriamente, o progresso tecnológico favoreceu: a pobreza gerada pelo desemprego e pela concentração de renda; e o crime organizado, que ao mesmo tem-po se globalizou usando as redes mais sofisticadas do capitalismo, e se disseminou em tentáculos locais, atravessando todas as camadas do tecido social.
Por essas vias, numa dinâmica que parece ter a lógica cancerígena, a violência expande-se de forma assustadora. Ela nos assombra em ações de grande porte, nas quais o crime organizado exibe poder e força, enfrentando com vantagem o sistema policial. E se aproxima cada vez mais de nós, como cultura estabelecida, na multiplicação generalizada de pequenas quadrilhas que roubam e matam, e em ações criminosas individuais, que vão dos pequenos furtos na rua às diversas manifestações de violência doméstica.
No que se refere à corrupção, é preciso reconhecer que está sendo combatida com algum sucesso. O exemplo simbólico desse sucesso é a prisão do juiz Nicolau e do senador cassado Luiz Estevão. E nos deram, esta semana, a boa notícia da destituição da diretoria de Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). Lá, pelo que as sindicâncias revelam, a roubalheira praticada e/ou consentida era, há anos, uma rotina orquestrada em favor de gente poderosa que gosta de se exibir em discursos patrióticos.
Os poucos mas promissores sucessos do combate à corrupção devem-se, em boa parte, à liberdade assegurada à imprensa pela Constituição de 1988, e o exercício cada vez mais desembaraçado dessa liberdade, às vezes em operações combinadas entre jornalistas e promotores ou procuradores do Ministério Público.
É certo que nessa aliança têm ocorrido algumas ações desastradas, como resultado da mania de fazer e divulgar gravações para produzir escândalos, mais do que para investigar. É uma irracionalidade que dá notoriedade aos agentes do Ministério Público e aumenta as tiragens e audiências da mídia. Mas que favorece a impunidade. E que, além minar a confiabilidade do próprio Ministério Público, açoda o apetite autoritário dos que defendem coisas como a lei da mordaça.
Ainda assim, deve-se ao Ministério Público o desmantelamento de algumas quadrilhas, e à ação livre da imprensa o surgimento e a maturação de um sentimento público de repúdio à corrupção. Os resultados das recentes eleições municipais refletem isso.
Já no que se refere à violência, a televisão em particular vem contribuindo para vulgarizá-la perigosamente. Podemos mesmo dizer que alguns programas e apresentadores a incentivam, na medida em que fazem da violência o show preferido, quase exclusivo, e a exploram sem escrúpulos, às vezes até com cinismo, para alavancar audiências, na guerra da concorrência.
Trata-se de um tema complexo, em torno do qual dificilmente se chegará a algum consenso. Mas o grau de risco que a violência e a insegurança já representam para a sociedade brasileira exige urgente reflexão sobre o papel da mídia, em geral, e do jornalismo em particular, na construção da democracia e na preservação dos seus valores. Será que contribui em alguma coisa para a democracia um jornalismo que dá voz e imagem a bandidos em plena ação criminosa, tratando como heróis seqüestradores, ladrões, assassinos e líderes de rebeliões violentas? – foi o que aconteceu na recente rebelião do Carandiru, e diariamente acontece no Cidade Alerta, programa da Record que sistematicamente entrevista bandidos, como se isso fosse essencial para a notícia.
Será que é bom para a democracia socializar e dar credibilidade a discursos de quem defende e pratica a violência como fim e meio? – e foi isso o que alguns jornais importantes fizeram dias atrás, ao se deixarem pautar pelo PCC, reproduzindo quase como press-release, e com grande destaque, uma espécie de entrevista coletiva de um dos líderes da organização. (Carlos Chaparro é professor de jornalismo da USP)"
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