CASO TIM LOPES
Waldir Santos (*)
Será que não é hora, em nome da vida, de enchermos o nosso pequeno bico com uma gota d?água e, caudalosamente, despejá-la nesse incêndio que, se não nos torrar, ao menos nos chamuscará um dia?
Basta de "basta" e de "estamos indignados".
Quando será que o brasileiro (e aí se inclua a imprensa) vai sair do mero discurso, e passar à prática, à ação, à busca do resultado que interessa? Todos queremos a paz, mas nada fazemos por ela, senão esbravejar quando o leite é derramado. Erramos, todos, sempre, e parece que erraremos para todo o sempre.
Nosso maior equívoco é a indignação sazonal. Só notamos a violência quando ela se aproxima demais ou quando é intensamente esfregada em nosso rosto lavado e surpreso com a "novidade". Não ficasse a imprensa repetindo o mesmo acontecimento brutal, e não teríamos o dever de reconhecer a violência como algo presente. Mas quem nos obriga a agir contra ela? Que consciência? Quantos já foram mortos no microondas do Morro do Alemão?
O secretário de Segurança do Rio de Janeiro chorou em frente às câmaras de TV, quando nem sequer havia sido admitida a morte do jornalista. O ministro da Justiça transfere para a capital daquele estado o comando tático da Polícia Federal. Obrigado, doutores, mas o que eu quero é sobreviver. Entenderam? Sei que há uma parcela considerável de eleitores que deixarão de votar em Rosinha Garotinho ou José Serra por acreditarem que "o governo está sensível" (em um dos casos, literalmente), mas … e daí? E quem está lendo estas linhas, como é que fica? E a segurança da população? Será reprisado nestes dias o conhecido espetáculo de medidas e planos (logo em seguida esquecido). Isso, sim, merece um indignado "basta".
De que adianta reforçar o aparelho policial e a Justiça para produzir condenados, se há tantos mandados de prisão por cumprir, e ainda por cima faltam vagas nos presídios? De que adianta cumprir os mandados, se a lei que fizemos vai colocar os criminosos (com a ajuda da sensibilidade social dos magistrados) nas ruas, assim que concluírem o curso intensivo de violência?
Sentimento de letargia
Se o rigor das normas processuais fosse aumentado, assim que começássemos a esquecer o caso Tim Lopes lembraríamos que "a solução está na escola", e não na repressão ao crime. Sim, mas e até lá? Até a escola começar a produzir resultados, será que já não viramos fumaça de pneu no Morro do Alemão?
Por favor, doutores, antes de vocês acordarem para ver que "tá na hora da escola", pensem nas crianças mudas, telepáticas. Enquanto o povo (principalmente) e o governo que ele elege continuarem omissos, e enquanto a imprensa continuar iludindo, ou sendo iludida, continuaremos perdendo, estrondosamente, Maristelas e Tins, e silenciosamente tantos quantos os pneus possam queimar.
E continuaremos vendo propostas exageradas, como a pena de morte, e até antagônicas, como tolerância zero e aplicação de penas alternativas para crimes violentos, o que, aliás, nosso ágil Congresso Nacional tem providenciado.
Tim Lopes morreu por termos uma legislação processual penal benevolente, um povo omisso e um governo com outras prioridades que não a vida.
Há que se mudar a lei, para que os juízes não continuem transferindo a responsabilidade pela sua aplicação graciosa, mas há que se mudar o pensamento do povo, retirando-o do predominante sentimento de letargia e impotência contra um mal que criou, e que ele mesmo pode tornar suportável. A solução está na educação, mas eu quero ter segurança para pelo menos levar meus filhos à escola.
(*) Advogado da União em Salvador