Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fontes de conveniência

LEITURAS DA FOLHA

Hugo R. C. Souza (*)

Só mesmo um projeto editorial acima de qualquer suspeita ? ou Consenso da Alameda Barão de Limeira ? para que não se ponha em dúvida trecho de matéria sob a espirituosa vinheta Governo x PT (“Dirceu e Genoíno articulam expulsão de ?radicais? do PT”, Folha de S. Paulo, 4/1/03):


“A Folha apurou que Genoíno e Dirceu avaliam que perder o controle sobre os chamados radicais contaminaria a base congressual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dificultando a aprovação das reformas tributária e previdenciária, e minaria a confiança do mercado no governo, o que geraria crise econômica.”


A velha história da suposta fonte que supostamente disse o suposto sobre supostos assuntos… Ou a Folha ouviu Genoíno e Dirceu e estes expuseram ao repórter suas avaliações, ou deu ouvidos a terceiros. E terceiros são terceiros, bem se sabe. Ouvindo realmente Genoíno e Dirceu, não há motivo para inserir “a Folha apurou que” antes de “Genoíno e Dirceu avaliam que…”.

Por outro lado, ficamos sem saber o limite da informação oferecida pela suposta fonte. Voltemos ao trecho:


“A Folha apurou que Genoíno e Dirceu avaliam que perder o controle sobre os chamados radicais contaminaria a base congressual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”


Até aí? O resto é por conta da redação, da carga de conseqüências supostamente óbvias de um pega-pra-capar petista? Ou será mesmo que a suposta fonte explicou ao repórter que uma base de governo dividida pode acabar “dificultando a aprovação das reformas tributária e previdenciária”? E será que ainda emendou, didática: “… e minaria a confiança do mercado no governo, o que geraria crise econômica”?

Nada distante de uma conseqüência lógica do próprio Projeto Folha, de 1997, que dita seus pressupostos afinado com as conseqüências lógicas do sistema liberal (“com pouca variação de grau, há uma só receita econômica?”), o que parece estar perfeitamente de acordo com as diretrizes deste novo governo. Não faz diferença quem “avaliou”. Sem problemas.

Sem problemas também que o jornal quase que repita em palavras a mesma avaliação em suíte no dia seguinte (“Lula dá aval para direção do PT enquadrar ?radicais?, Folha de S.Paulo, 5/2/03):


“Dirceu transmitiu a avaliação de Lula de que a eventual perda do controle sobre os radicais contaminaria a base aliada, dificultando a aprovação de projetos polêmicos no Congresso, e causaria crise econômica, por minar a confiança do mercado no governo.”


Retire o “Dirceu transmitiu a avaliação de Lula” e temos a mesma mensagem ? o mesmo credo ? passada ao leitor no dia anterior. Dirceu teria “transmitido a avaliação de Lula” que presenciara na reunião pela manhã, poucas horas após a Folha já estar distribuída país afora com “avaliação” idêntica, porém atribuída ao próprio Dirceu, apurada no dia anterior. Governo afinado ao menos na caça às bruxas?

Sem problemas quando a Folha confunde o leitor ao enquadrar a palavra “radicais” entre aspas em certos títulos ? apesar de nenhuma declaração entre aspas dos petistas entrevistados classificá-los assim ? e a publica sem a carga das aspas em outros, refletindo conceituação do jornal, como muito bem declarada ? assumida? ? em título de editorial (“Radicais sem saída”, Folha de S. Paulo, 5/1). No mesmo editorial, encontramos o trecho: “A chamada ala radical dos parlamentares petistas?”. O articulista Clóvis Rossi, do Conselho Editorial da Folha, inicia assim seu artigo na página ao lado: “O ministro Antonio Palocci mandou os mal chamados “radicais” do seu próprio partido, o PT, lerem o programa de governo?”. Chamados ? ou mal chamados ? por quem, afinal?

Caciques, fontes e empregos

Da mesma forma que o trecho já citado, na mesma matéria ainda encontramos:


“A Folha apurou que Dirceu inclui no grupo que gostaria de ver fora do PT as senadoras Heloísa Helena e Ana Júlia (PA) e os deputados federais Lindberg Farias (RJ), Luciana Genro (RS) e o Deputado Babá (PA).”


A não ser que José Dirceu tenha-os enumerado um a um, contando-os nos dedos, na presença do destemido “apurador”, a Folha, ao publicar este parágrafo, dá margem à imaginação. Pode-se imaginar que serviu a interesses de terceiros (e não ao respeitável público), ou ao seu próprio, vai saber…

Curioso como naquela mesma suíte trecho da matéria afirma: “Ela recebeu ontem telefonema de Dirceu, negando ter defendido sua expulsão”. “Ela”, no caso, referia-se à senadora Ana Júlia, que no dia anterior figurava na lista negra que, segundo “a Folha apurou”, teria sido elaborada pelo próprio Dirceu. Nada é dito quanto ao? desencontro.

As matérias da Folha são exemplos. O expediente é utilizado por todos os jornalões, em muitos textos e em praticamente todas as principais colunas de “análise política” (onde a abrangência do termo “política” é substituída por “política partidária”, o que também não é dito), nas quais a informação essencial sobre quem falou é substituída por um gracioso “um velho cacique…”.

Fica uma perguntinha que ninguém responde, mesmo que seja feita: a quem interessa determinada informação?

Ocultar supostas fontes ? como se fontes fossem chafarizes e não defendessem interesses ?, repetir clichês, tascar aspas em chavões que ninguém sabe quem disse ? não importando o efeito que ambos possam causar no receptor ?, rotular a si próprio como destinatário da confiança absoluta do leitor ? como se a Folha da Manhã S/A também não defendesse interesses (atenção aos editoriais sobre obrigatoriedade do diploma e reforma da Previdência). E já andam falando em quinto poder… Parafraseando Bauman, tudo parece fazer parte daquele bololô de verdades auto-evidentes que servem para explicar a prática jornalística, sem precisarem elas mesmas de explicação.

Desde que os caciques e as supostas fontes sejam preservadas, os empregos mantidos e as assinaturas renovadas.

Rodem as máquinas!

(*) Estudante de Jornalismo da UFF