Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fragilidades da cobertura online

TERROR & HORROR

Beatriz Singer

A cobertura online dos ataques terroristas aos EUA revelou-se um fiasco. Além de ter ficado evidente sua inferioridade frente às chocantes imagens disponíveis na TV, as informações online não tiveram como escamotear sua fragilidade. A rede pode ser rápida, mas não chega a ser instantânea. Faltaram clareza, precisão e apuração. Faltou acesso fácil, como o da TV. Faltaram elementos que conquistassem a credibilidade do público. Afinal, nada poderia convencer o público de que aquilo tudo era verdade a não ser as próprias imagens ao vivo ? privilégio da TV.

Nas cenas transmitidas por todas as emissoras noticiosas não havia como forjar imagens. Por mais difícil que fosse a aceitação da catástrofe, aquela era a boa e velha TV, e não havia como negar a veracidade do que se estava passando ? ao contrário da internet, onde hackers e espíritos de porco podem "brincar" com as notícias e com pessoas angustiadas.

Via e-mail, informações truncadas e contraditórias chegaram e ainda chegam aos montes. Em meio a piadas e charges repetidas e de mau gosto, uma mensagem em especial chamou a atenção e rodou o mundo, chegando a se noticiada em diversos sítios noticiosos.

Tudo começou no computador de Márcio Carvalho, mestrando em Lógica e Sociologia na Unicamp. Logo, um e-mail intitulado "A Farsa da CNN" rodou o mundo, sendo traduzido do inglês para diversas línguas. A mensagem, que pode ser lida no endereço <http://www.indymedia.org.il/imc/israel/webcast/display.php3?article_id=6946>, diz:


"CNN utiliza filmagem de 1991 de palestinos comemorando nas ruas para manipular você

(…) Existe um ponto importante sobre o poder da imprensa, especificamente do poder da CNN.

(…) Acho que todos vocês devem ter visto imagens desta companhia. Em particular, uma chamou a minha atenção: os Palestinos comemorando o bombardeio, nas ruas, comendo bolo e fazendo caras engraçadas para as câmeras.

Bem, ESTAS IMAGENS FORAM FEITAS EM 1991!!! Estas são imagens dos palestinos comemorando a invasão do Kuwait! É simplesmente inaceitável que uma superpoderosa forma de comunicação como a CNN use imagens que não correspondem com a realidade relatada sobre as situações sérias que estão acontecendo.

O meu professor, aqui no Brasil, tem fitas de vídeo com gravações de 1991, com as mesmas imagens; ele está mandando e-mails para a CNN, Globo (a maior rede de TV do Brasil) e jornais, denunciando o que eu mesmo classifico como um crime contra a opinião pública. (…) Márcio A. V. Carvalho # Universidade de Campinas ? Brasil"


Em 17 de setembro, a CNN distribuiu nota oficial repudiando as falsas afirmações do estudante. A organização noticiosa solicitou que seu comunicado fosse enviado para todos que o pedirem. O texto, traduzido na íntegra e disponível no sítio brasileiro da CNN <www.cnn.com.br>, diz:


"Comunicado oficial da CNN sobre boatos de uso de imagens falsas [18 de setembro, 2001]

?A CNN rejeita o argumento sem base e ridículo, segundo o qual, a CNN transmitiu um vídeo de quase 10 anos atrás para ilustrar as comemorações dos palestinos após a horrível tragédia que atingiu os Estados Unidos em 11 de setembro. Meus colegas e eu aplaudimos a UNICAMP por ter realizado o esclarecimento pertinente? – Eason Jordan, presidente da rede de notícias CNN.

A fita de vídeo a que nos referimos foi filmada no setor oriental de Jerusalém por cinegrafistas da agência Reuters em 11 de setembro. A Reuters TV pode fornecer confirmação a respeito.

A alegação é falsa. A fonte da alegação retrocedeu e pediu desculpas. Tudo começou com um estudante brasileiro que agora afirma ter se corrigido imediatamente após perceber que a informação era falsa.

A seguir, encontra-se a declaração da universidade freqüentada pelo estudante e autor da mensagem eletrônica em que este boato foi difundido. Para desdobramentos com a instituição de ensino, recomendamos comunicar-se diretamente com a Universidade de Campinas, no Brasil.

Por favor, leia, copie e envie este texto para todos que você conhecem que podem ter recebido as falsas informações. Obrigado.

?Comunicado oficial da Universidade de Campinas [17/9/01]

A Reitoria da Unicamp informa que desconhece a existência de uma fita de vídeo datada de 1991, cujas imagens teriam sido veiculadas pela rede de televisão CNN como de palestinos comemorando os atentados terroristas nos Estados Unidos. Sendo a suposta fita de 91, surgiram logo suspeitas de que as imagens levadas ao ar eram falsas.

Esta informação foi desmentida, logo que se comprovou inverídica, por Márcio A. V. Carvalho, aluno de mestrado de Lógica e Sociologia da Unicamp. Ele procurou a Reitoria hoje, 17.09.2001, para esclarecer que:

– a informação que recebeu, verbalmente, foi de que um professor de outra instituição de ensino (e não da Unicamp) possuiria a fita;

– enviou a informação para uma lista de discussão sobre teoria social;

– várias pessoas da lista se interessaram pelo assunto, solicitando detalhes;

– procurou novamente a pessoa que lhe passou a informação, que desta vez negou conhecimento sobre a fita;

– imediatamente, enviou um desmentido para a lista e para todas as outras pessoas que o procuraram.

A mensagem original, contudo, foi redistribuída para várias partes do mundo, com graves distorções, inclusive em formato de artigo assinado pelo estudante. Ele alerta que seu domínio foi hackeado. E-mails têm sido enviados em seu nome e aqueles datados a partir de 15.09.2001 devem ser ignorados.

Entre as graves distorções está a informação de que um grupo de pesquisadores da Unicamp estaria avaliando a fita, o que é completamente improcedente. A Reitoria considera esse desmentido como definitivo, evitando novas manifestações como cuidado para fazer cessar a onda de boatos.

A Reitoria?"


Em 20 de setembro, a Reuters também publicou um comunicado oficial corroborando as afirmações da CNN. "A Reuters rejeita como totalmente infundada a alegação que está circulando via e-mail e pela internet", diz o texto da agência, que também elogia o comunicado da Unicamp. A Reuters lembra, ainda, que o vídeo também foi transmitido por outras organizações noticiosas clientes da agência.

Um envergonhado Márcio Carvalho enviou, então, uma mensagem oficial, publicada pelo Relatório Alfa:


"Prezados,

No último dia 13 de setembro eu enviei um e-mail para uma lista de teoria social na qual eu fornecia algumas informações sobre a falsidade das imagens da comemoração Palestina por causa do atentado terrorista nos Estados Unidos, informação dada a mim por uma professora. Eu passei o dia de ontem procurando por minha professora e, infelizmente, quando eu a encontrei, ela NEGOU ter tido acesso a tais imagens.

Ela disse que estava certa de ter visto aquelas imagens em 1991, mas ela não pode provar. Ela não tem intenção de dar outras informações, negando o que ela tinha dito antes para uma sala cheia de alunos.

Eu sinceramente peço desculpas por ter passado essa informação incerta; infelizmente eu não posso provar as informações contidas em meu e-mail; foi somente uma conjectura, que aquelas imagens dos palestinos comemorando seriam falsas. Eu comprei a idéia e reproduzi para vocês por causa da importância dela no caso de poder ser confirmada.

Qualquer nova notícia, eu passo a vocês.

Atenciosamente, Márcio A. V. Carvalho"


Da história, fica a lição. Qualquer um pode construir uma mentira e a internet é o meio perfeito para que a mentira seja divulgada e tenha repercussão mundial. Se não for cultivado o comportamento moral e ético na rede, será preciso continuar navegando por mares de pixels incertos com incontáveis pulgas atrás da orelha.

Hacker invade Yahoo

Logicamente, os bárbaros não atacam só em países pobres como o Brasil. Bob Sullivan, repórter da MSNBC.com, publicou, em 19 de setembro, uma reportagem sobre a incursão de um hacker no megaportal Yahoo. O pirata cibernético alterou informações, atribuindo falsos comentários ao presidente Bush.

O autor do vandalismo, Adrian Lamo, é pesquisador de segurança em computadores. Segundo a SecurityFocus.com, o hacker de apenas 20 anos conseguiu editar reportagens publicadas na seção de notícias do Yahoo.com, na semana passada. O pesquisador teve acesso às ferramentas de publicação do Yahoo por cerca de três semanas. Durante sua "estadia", alterou um artigo da Reuters publicado no portal.

Lamo disse à MSNBC.com que modificou um texto de 23 de agosto sobre Dmitry Sklyarov, programador russo acusado de cometer crimes federais nos EUA. De fato, o artigo sofreu diversas alterações. Um porta-voz do Yahoo confirmou o incidente e disse que a companhia já tomou medidas para restabelecer a segurança do portal.

Tentando restabelecer um padrão mínimo de escrúpulos, o hacker afirmou ter tido acesso às ferramentas que publicam dados do mercado financeiro entregues a assinantes por e-mail, mas não mudou nada "porque estaria indo longe demais", disse. Afirma ter escolhido intencionalmente reportagens pequenas e de baixo impacto porque tentava apenas provar ao Yahoo que seu sistema de segurança era falho.

Lamo, com ares de professor da vida, disse ter ficado mais surpreso com a apatia geral dos leitores que com o sistema de segurança do portal. "Uma das reportagens ficou no ar por três dias e ninguém se indignou a ponto de mandar um e-mail ao Yahoo", afirmou o hacker.

Uma coisa ficou clara nessa história toda: navegar pela internet de hoje é enfrentar mares bravios, povos bárbaros, piratas e corsários. Quem não estiver consciente disso e atento às adversidades e à fragilidade que o ciberespaço apresenta, pode acabar afundando numa lamaceira de desinformação.

Em 24 de setembro, a repórter Felicity Barringer publicou artigo no New York Times sobre o boato virtual espalhado por um estudante da Unicamp. Segundo a reportagem, Márcio Carvalho divulgou denúncia de que a CNN teria usado imagens antigas sobre festejos na Palestina no dia seguinte aos ataques.

Desde então, afirma Felicity, a mensagem foi repassada via email para uma quantidade inimaginável de pessoas. Dezenas de milhares de internautas receberam a "notícia" por uma respeitada lista, moderada por David Farber, conceituado professor de Ciência da Computação da Universidade da Pensilvânia.

O boato chegou à Universidade de Brandeis e à Universidade da Califórnia, em São Francisco. Nigel Pritchard, porta-voz da CNN International, recebeu pedidos de informação de diversos países, mas a negativa não estancou a chuva de questionamentos.

A "penitência" do estudante também não foi capaz de quebrar a falsa corrente. Aliás, de acordo com Felicity, Carvalho é irrelevante agora, uma vez que suas palavras passaram a circular sob a assinatura de Russell Grossman, chefe de comunicação interna da BBC de Londres. Grossman, logicamente, nega a autoria.

    
    
                     

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