TELEVISÃO FRANCESA
Em 16 de maio, logo após chegar ao governo, o ministro francês da Cultura e da Comunicação, Jean-Jacques Aillagon, escolheu as páginas do Le Monde para atacar France Télévisions, a rede estatal francesa, acusando-a de não respeitar sua missão de serviço público e cobrando seu lugar central no sistema educativo. De lá para cá debate-se no país o papel da TV pública. Nas emissoras, a crítica do ministro foi recebida com tristeza, decepção e nervosismo. No dia 2, ao apresentar a nova grade de programação da temporada 2002-2003, Christopher Baldelli, diretor-geral da France 2, foi direto. "Respeitamos nossa missão de serviço público? A resposta é sim", disse. "Mesmo que a nova grande, planejada desde janeiro, não tenha sido trabalhada para responder ao ministro", escrevem Bénédicte Mathieu e Pascale Santi em matéria no Le Monde de 3/9.
"Não tiramos nossos programas do chapéu", disse. "Estamos dando um tempo ao ministro [para que perceba isso]. ? Na France 3, a mesma reação. ? Nossa missão está consignada em nossa programação, não é novidade ?, afirmou Rémy Pflimlin, diretor-geral do canal. Pflimlin acha que a missão de serviço público fica clara na preocupação da France 3 com todas as audiências, ao contrário dos canais privados, que se voltam para telespectadores abaixo dos 50 anos. ? Visamos todos os públicos, para lhes dar a chave da compreensão do mundo em que vivem ?, disse. "Temos uma missão cultural permanente e específica, a de fazer o público viver a cultura. ?
Ele citou como exemplo as comédias sociais apresentadas aos sábados, os programas que exaltam o ? cidadão-herói ? francês, os documentários "para combater a discriminação". Sobre as críticas ao talk show C’est mon choix (a escolha é minha): "É um programa de divertimento, para atrair um público mais jovem, mais popular. ? Em seguida, Jean-Pierre Cottet, diretor-geral da France 5, ? o canal do conhecimento e do saber ?, não perdeu a chance de alfinetar Aillagon: ? Porque não há serviço público sem público.?.
Ele não está preocupado com as críticas do ministro da Cultura. ? Mas como funcionário sou sensível e estou atento às pressões ?, disse. Para Cottet, que vê a cultura na televisão como "um conjunto de saberes que se pode comunicar", há dois tipos de TV: "A que esvazia a cabeça e a que a preenche". A TV pública tem um sistema de valores próprios: "A educação, a solidariedade, a proteção da vida, o papel dos pais, todas essas coisas pelas quais nos batemos. ?
Em 26 de agosto, Jean-Jacques Aillagon voltara a cobrar compromissos da TV pública: à France 2 pediu ? adesão firme à construção de um serviço público forte e de características próprias?, afastando, pelo menos por algum tempo, os rumores de privatização que circularam logo após sua posse, contou no Monde de 27/8 Bénédicte Mathieu. Segundo o texto, Aillagon tem o respaldo do próprio chefe do governo francês.
"Estou particularmente vigilante quanto à situação das famílias mais modestas, e ninguém me fará mudar de idéia sobre isso ?, disse o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin na inauguração da nova sede do canal France 3 Atlantique, na presença de Marc Tessier, presidente do grupo France Télévisions, e de Rémy Pfimlin, da France 3. Raffarin destacou a "missão social" da televisão. "Para mim, o serviço público, aqui ou em qualquer outro lugar, deve ser protegido. Ele constitui a estrutura da nossa República", declarou. O premiê pediu ao ministro da Cultura "uma visão global do futuro da televisão". Estuda-se um aumento já do orçamento da France Télévisions, que terá reforço de 3,1% em 2003, segundo contrato assinado em 2001 (portanto, antes da posse do atual gabinete) entre o Estado, principal acionista, e o grupo público.
Para Aillagon, a missão pública que se exige da France Télévisions deveria ser revista com mais criação e visão cultural. "Os problemas relativos ao futuro da televisão pública são conhecidos de todos ?, disse. ? São sua própria existência e sua legitimidade, sua missão e seu caráter, seu alcance e seu desenvolvimento ideal, e também seu financiamento. ? E completou: ? Se alguns me consideram áspero, acho que até agora agi de maneira atenta e até afetuosa com o serviço público da televisão", disse o ministro.
Parece que os meses vêm de fato apaziguando o ministro, mas ele espera que a France Télévisions regresse realmente a suas raízes culturais e volte a se aproximar do público, como estipula sua carta de princípios. A mudança, porém, não será abrupta. O ministro aguarda a conclusão de dois relatórios: o primeiro, encomendado em 24 de junho à filósofa e escritora Catherine Clément, sobre o lugar da cultura na televisão pública, especialmente France 2 e 3. O outro foi encomendado à Comissão Kriegel, que estuda a violência e a pornografia na TV: instalada em 16 de julho, tem 38 integrantes, entre filósofos, cientistas políticos, promotores, jornalistas, pediatras, psicólogos (ver a composição completa em <http://www.pourleservicepublic.net/echos02.htm>).
France Télévisions deveria se concentrar, para o ministro, no coração de seu negócio, seus três canais. Ao carro-chefe do grupo, o canal generalista France 2, ele aconselha que abandone os projetos de TV digital ou TV numérica terrestre, a TNT, que ? dispersa ? esforços. Seu novo desafio seria extirpar a luta histórica que o opõe à TF1, a principal emissora privada francesa: "A produção do serviço público deve ser diferente da privada?, sentenciou. Parece que em vão. Depois de muito tempo se recusando a convidar para seus programas os protagonistas de reality shows, France 2 sucumbiu: segundo Le Monde de 3/9, foi contratado para a nova grade do canal um certo Steevy, de Loft Story (o Big Brother francês). ? Não podemos impedir eternamente que esses jovens façam televisão ?, disse Christopher Baldelli.
Não deixa de ser uma forma de ? aproximar ? a TV pública do público. Resta descobrir o valor ?cultural ? de Steevy.
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O canal francês privado TF1, do grupo Bouygues, quer comprar o grupo alemão KirchMedia, que faliu no início deste ano. Mas não pagará mais do que 450 milhões de euros (R$ 1,3 bilhão). A emissora está procurando parceiros para o empreendimento. As opções não são muitas, mas a aquisição reforçaria o peso da TF1 na Europa. Seu presidente e diretor-geral, Patrick Le Lay, apresentou à imprensa o balanço semestral da empresa no dia 5 de setembro: faturamento de 1,35 bilhão de euros (R$ 4,18 bilhões, 1,9% a mais em relação ao período anterior) e lucro líquido de 111,9 milhões de euros (R$ 347 milhões, menos 23,9%). Le Lay justificou sua vontade de comprar as emissoras de TV abertas alemãs: "Uma operação desta natureza não é freqüente no mercado ?, disse, na tentativa de seduzir o mercado, cheio de reticências.
"TF1 afirmou durante anos que não via sinergia entre canais de diferentes países, mas hoje mudou de discurso", declarou a Le Monde de 7/9 Charles-Henri de Mortemart, analista de grupos midiáticos no grupo financeiro Dexia Securities France. "Temos muitas reservas quanto ao negócio. a não ser que o preço seja bem baixo, pois será muito difícil conseguir economia de escala entre as TVs alemãs e a TF1."
"Se a TF1 conseguir por menos de 500 milhões de euros é um belo negócio", disse Edouard Tétreau, analista financeiro do Crédit Lyonnais Securities Europe. A Alemanha é o primeiro mercado publicitário da Europa, com 7,6 bilhões de euros em investimentos brutos em 2001. Esse montante cairá até o fim de 2002, devido à queda de 7% do mercado publicitário desde janeiro, provocada pela crise. Em 2001, os dois canais abertos da Kirch, ProSieben e Sat.1, captaram 46% de investimentos, contra 40% do concorrente, o grupo RTL, da Bertelsmann.
ProSieben e Sat.1 detêm 30% da audiência com menos de 50 anos, a faixa etária favorita dos publicitários. O grupo KirchMedia detém ainda um canal a cabo, Kabel 1, uma emissora de notícias 24 horas, N24, e o canal esportivo DSF.