Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Frederico Vasconcelos

‘A cassação do deputado Ibsen Pinheiro, em 1994, não foi provocada por distorções em informações publicadas pela imprensa. Quem admite isso é o próprio parlamentar cassado e o relator da CPI do Orçamento, Roberto Magalhães (PTB-PE).

Ibsen Pinheiro foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. As informações divulgadas de que o parlamentar movimentara recursos superiores a US$ 1,1 milhão, entre 1989 e 1993, antecipavam dados do relatório final da CPI.

‘Não acho que possa ser atribuído a nenhum fato isolado a cassação do meu mandato. A nenhuma revista, a nenhum jornal. Quem cassou o mandato foi a Câmara dos Deputados. E nem na Câmara dos Deputados eu jogo a culpa, porque, num clima como aquele, a Câmara também foi soterrada por uma avalanche. Acho que ela foi tão vítima como eu’, afirmou Ibsen Pinheiro à Folha.

Na edição de 13 de novembro de 1993, a Folha publicou que a CPI do Orçamento havia identificado depósitos em contas de Ibsen Pinheiro que superavam US$ 1 milhão. Essa informação é confirmada no relatório final da CPI. A ‘Veja’ que circulou naquele final de semana também publicou que a CPI descobrira que o parlamentar havia movimentado US$ 1 milhão no mesmo período.

Segundo o relatório final da CPI, haviam sido movimentados recursos de US$ 1,1 milhão nas contas correntes de Ibsen, entre 1989 e 1993. Esse valor já incluía correção de equívoco apontado anteriormente pela Subcomissão de Bancos, que havia identificado, numa primeira análise, movimentação de US$ 2,4 milhões. Com o expurgo de US$ 1,3 milhão, referente a transferências entre agências, somadas ao valor de fazenda vendida pelo então parlamentar, chegou-se à cifra de US$ 1,1 milhão publicada.

Dados contestados

Essa constatação esvazia a versão -levantada pela revista ‘IstoÉ’, da semana passada- de que o afastamento de Ibsen Pinheiro foi precipitado por um erro admitido, 11 anos depois, pelo jornalista Luís Costa Pinto, que trabalhava na ‘Veja’ em 1993: ‘Como o mau jornalismo transformou US$ 1.000 em US$ 1 milhão e levou à cassação de um forte candidato a presidente do Brasil’, afirmou a ‘IstoÉ’, na capa.

A reportagem da Folha teve acesso, naquela ocasião, aos mesmos documentos fornecidos à ‘Veja’ por Waldomiro Diniz, então assessor da CPI do Orçamento. O jornal submeteu os papéis a Ibsen Pinheiro, que contestou os valores convertidos, e não foram publicadas as informações. Consultado na sexta-feira, Ibsen disse que, 11 anos depois, não tem condições de se lembrar desse fato.

‘Posso dizer que a imprensa não influiu para a cassação de ninguém’, disse à Folha o relator Roberto Magalhães.

‘Nenhum parecer se fez a partir de noticiário de jornal. Os pareceres foram baseados em números oficiais, revisados por procuradores, por auditores do Tribunal de Contas. Não deve haver revistas apensadas nas provas. O que a imprensa fez foi a cobertura ampla’, disse Magalhães.

Segundo o relatório final, não ficou demonstrado que Ibsen Pinheiro tivesse vinculação com fraudes do Orçamento da União. Mas a comissão decidiu recomendar à Mesa da Câmara dos Deputados a instauração de processo de perda de mandato, alegando que ‘comprovou-se a prática de atos possíveis de caracterizar incompatibilidade com o decoro parlamentar, notadamente o enriquecimento sem causa e a prática de infração fiscal’.

Ibsen Pinheiro conseguiu derrubar essas acusações na Justiça. Em dezembro de 1999, o STF, por unanimidade, trancou ação penal contra o ex-parlamentar, declarando ‘extinção da pretensão punitiva’, pois Ibsen havia feito o pagamento de débito fiscal.’

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‘Ibsen diz não querer rediscutir o caso’, copyright Folha de S. Paulo, 22/08/08

‘O ex-deputado Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara Federal, diz que não tem interesse em rediscutir os motivos de sua cassação em 1994. ‘Eu não me interesso na discussão dessa matéria, uma vez que já houve deliberação do Ministério Público, da Receita Federal e do STF (Supremo Tribunal Federal). Não há nenhuma imputação [responsabilização]’, afirmou sexta-feira à noite, por telefone, em meio a campanha eleitoral. Ele é candidato a vereador em Porto Alegre.

Ibsen se recusou a comentar a polêmica criada com a reportagem da revista ‘IstoÉ’: ‘Para mim, isso não tem importância.’

‘A investigação parlamentar se encerrou. Quem quiser achar que a causa da cassação foi A, B ou C fique à vontade. Nessa matéria, o único tribunal é o da opinião pública’, afirmou.

‘A natureza do processo político não permite muito espaço para verificação. É da natureza desse processo que não haja muito tempo para prudência. As distorções, os esquecimentos e até os erros de boa-fé acabam sendo da natureza desse processo’, disse Ibsen.

‘Depois que a imagem da vítima está comprometida, até mesmo a imputação de fatos verdadeiros e normais tem efeito negativo’, diz Ibsen. O ex-deputado diz que demorou para entender informação divulgada sobre ‘depósitos periódicos’ em sua conta corrente. ‘Levei tempo para atinar que aqueles depósitos eram o desbloqueio da poupança confiscada no governo Collor’, disse.

‘Os processos são feitos pelas melhores razões de interesse público, da moralidade pública. Mas as pessoas, os agentes desses processos, se consideram missionários. E os missionários às vezes acham que é uma questão secundária a auto-estima de uma pessoa, ou até sua honra’, disse.

Relatório da CPI

‘O que está escrito em meu parecer está fundamentado em números e não foram tirados de nenhuma revista. Eu nunca me baseei em notícia de imprensa’, diz o deputado federal Roberto Magalhães (PTB-PE). Ele falou à Folha sexta-feira à noite, por telefone. ‘Fui um relator discreto. Ninguém conhecia o parecer’, disse.

‘Meu parecer está todo fundamentado na Subcomissão de Bancos, que estimou em mais de US$ 2,4 milhões os ganhos do deputado, porque levou em consideração transferências de um banco para outro e a venda de um terreno. Por isso, a subcomissão expurgou US$ 1,3 milhão’.

‘Como só participei da CPI, não participei do julgamento. Eu não posso falar nada sobre o processo todo. Eu era da Comissão de Justiça e me afastei. Tendo sido relator da CPI, achei que não devia julgar’, disse Magalhães.

‘Meu parecer revela os pontos da Subcomissão de Bancos que levaram o relator à idéia de que havia uma suposta irregularidade. A CPI não julga. A CPI investiga’, disse.’



Rubens Valente

‘Assessor da Câmara atua para empresa’, copyright Folha de S. Paulo, 18/08/08

‘O jornalista Luis Costa Pinto, que exerce desde o início de 2003 a função de consultor do presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT), foi contratado pela Coca-Coca no final do ano passado para atuar em defesa da empresa no Congresso.

Entre outras tarefas, Costa Pinto propõe, segundo documento obtido pela Folha, que sua empresa de consultoria, a Idéias, Fatos e Texto, converse com parlamentares para defender a Coca Cola de ‘falsas denúncias’ de que estaria sendo alvo no Congresso e, além disso, monitore os trabalhos da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos do Consumidor para atender as demandas da empresa.

Costa Pinto recebeu da Recofarma, nome jurídico da Coca-Coca no Brasil, R$ 60 mil nos meses de novembro e dezembro de 2003, segundo ele próprio afirmou em entrevista à Folha, ontem.

Embora não seja funcionário contratado da Câmara e receba por uma microempresa, Costa Pinto é o principal assessor de imprensa de João Paulo. Mantém contatos diários com colunistas, diretores das sucursais de jornais e revistas e repórteres que atuam no Congresso.

‘Acompanhamento do caso junto aos repórteres que cobrem a rotina da Secretaria de Direito Econômico. Panorama da circulação das falsas denúncias no Congresso’, diz o texto que traz assinatura atribuída a Costa Pinto e enviado a Jack Corrêa, funcionário da Coca-Cola. O jornalista colocou ontem em dúvida a totalidade do documento em que discute a sua contratação.

Costa Pinto disse que trocou mensagens com Corrêa. Primeiro afirmou que ‘não reconhecia’ trechos do documento lido ontem pela Folha. Depois, que não se lembrava de todo o conteúdo.

Pinto aceitou como ‘correto’ o seguinte trecho: ‘O objetivo [da contratação] é manter uma fina sintonia com os formadores de opinião da mídia sobre as falsas denúncias que estão a chegar nas redações de São Paulo e Rio de Janeiro e que envolvem o nome da Coca-Cola e de empresas a ela ligadas. Além disso, estreitar o relacionamento desses formadores de opinião da mídia com a direção da empresa’.

O documento obtido pela Folha é o mesmo que foi entregue pela Dolly Refrigerantes ao Ministério Público do Distrito federal, que o anexou ao procedimento administrativo que apura suposta concorrência desleal da Coca-Cola. As duas empresas travam uma acirrada disputa comercial.

Na época da contratação do jornalista pela Coca-Cola, a Câmara discutia um convite ao presidente da empresa no Brasil, Brian Smith, para depoimento na Comissão Permanente de Defesa do Consumidor. O executivo participou de audiência pública na Câmara em junho último.’

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‘Jornalista diz não reconhecer um ‘conflito ético’’, copyright Folha de S. Paulo, 18/08/08

‘O jornalista Luís Costa Pinto afirmou ontem que não vê incompatibilidade entre seu trabalho para a Coca-Cola e sua atuação como consultor do presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP).

‘Não vejo nenhum conflito ético. Meu trabalho é extremamente técnico, [versa] sobre o que deve ser dito, como deve ser a postura’, disse Pinto.

O jornalista negou ter procurado parlamentares para falar a respeito da Coca-Cola. ‘Nunca procurei, nunca falei, e fiz um trabalho restrito à imagem e à mídia [da empresa]’, disse Pinto, acrescentando conhecer Jack Corrêa, executivo da Coca-Cola, ‘há quase 20 anos’.

‘Se eu estivesse fazendo reportagem sobre isso, eu também falaria do como e do porquê documentos de uma empresa, em concorrência com outra, vazam’, disse Pinto.

Ele não é ‘servidor’ da Câmara dos Deputados, para a qual presta serviços por meio da empresa IFT (Idéias, Fatos e Texto).

A Coca-Cola foi procurada no final da tarde de ontem. A assessoria informou que havia problemas de localização de pessoas aptas a falar sobre o assunto.’



Guilherme Fiuza

‘Uma babá para a opinião pública’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 18/08/08

‘O Brasil está escandalizado com a barbaridade cometida contra o deputado Ibsen Pinheiro. Por causa de um erro grosseiro da imprensa, pouco mais de dez anos atrás, ele foi cassado e sua reputação foi por água abaixo. Fica, no entanto, a pergunta: a revista ‘Veja’ confunde mil dólares com um milhão de dólares e um eminente parlamentar da República é sumariamente enxotado da vida pública? Há algo estranho aí.

Em primeiro lugar, se um erro primário desses – que, segundo as testemunhas da época, foi decisivo para a cassação do deputado – demora dez anos para ser revisto, o pecado da imprensa é uma gota no oceano da perdição. Nesse caso, o país inteiro, com o Congresso, o Judiciário e a opinião pública abraçados, devem se jogar juntos num divã e admitir: está tudo errado, apaga, vamos começar de novo.

Um erro grosseiro da ‘Veja’ poderia liquidar sumariamente um figurão da República se a revista fosse o ‘Pravda’, e tivesse por trás de si o tacão do Kremlin e o exército stalinista armado até os dentes. Numa suposta democracia, com todas as liberdades em plena vigência, isto é piada de mau gosto. Num ambiente de instituições minimamente operantes, o erro viria à tona e a revista cairia no ridículo. Além das punições judiciais, sofreria a punição da credibilidade – o maior capital de qualquer veículo de comunicação.

Jornais, revistas e emissoras de TV erram, e vão errar sempre. Quem erra muito, ou gravemente, paga de imediato o alto preço do descrédito. Todos assistiram ao tombo dos índices de audiência de Gugu Liberato depois que seu programa forjou uma entrevista com falsos membros de uma facção criminosa. E há os exemplos mais corriqueiros: qualquer atendente de telemarketing pode testemunhar que quando um veículo mergulha numa linha ‘chapa branca’ ou claramente favorável a determinado grupo político, o movimento é percebido e geralmente resulta em fuga de assinantes.

Ninguém agüenta mais ouvir o bordão de que o Brasil precisa é de educação. Mas na hora de se discutir as falhas institucionais, ninguém tem paciência para o tal caminho da educação. Se uma instituição não funciona direito, aparece logo a idéia de se criar outra instituição para fazê-la funcionar. Como se mais burocracia fosse antídoto para ineficiência. Enquanto discute se deve ou não deve criar conselhos superiores e mordaças, o país foge à responsabilidade de se aprimorar como sociedade.

As CPIs, o Ministério Público e a imprensa cansaram de fazer triangulações levianas. Um procurador de vinte e poucos anos põe a mão no extrato bancário de um funcionário público que já falou por telefone com o juiz Nicolau. Ele acha que a movimentação da conta é alta e pede o indiciamento do sujeito. Ato contínuo, avisa a um deputado da CPI do Judiciário que fulaninho ‘vai ser investigado’. O deputado, que está com um repórter faminto na outra linha, já passa a notícia adiante. No dia seguinte, o nome do fulano já está impresso no jornal no hall dos suspeitos, ‘segundo a CPI’.

Esse tipo de irresponsabilidade não aconteceu poucas vezes nos últimos anos, para desespero dos departamentos jurídicos dos órgãos de imprensa – que, ao contrário do que se diz, andaram trabalhando muito, nem sempre com sucesso.

O problema é que as CPIs, o Ministério Público e a imprensa também escreveram juntos algumas das páginas mais importantes da história brasileira recente. O mesmo repórter Luís Costa Pinto, que errou feio com Ibsen, fez a reportagem decisiva para o impeachment de Collor (as bombásticas denúncias de seu irmão Pedro). Ou seja: em cada caso desses de abuso, um instante de atenção e responsabilidade do Congresso, da Justiça, das Procuradorias, da imprensa, da própria opinião pública – ou de pelo menos uma destas instituições – é o suficiente para cortar o mal pela raiz.

Se deputados usam CPIs para extorquir empresários, onde está o Ministério Público que não faz uma denúncia competente desta prática? Se o Ministério Público joga nomes levianamente no ventilador e pede prisões precipitadas, onde está o Judiciário para impedir os excessos e enquadrar esses procuradores? Se a imprensa publica denúncias mal fundamentadas, onde está (entre outros poderes) a opinião pública para desconfiar dela?

O caso dos fiscais do propinoduto é emblemático: havia 30 milhões de dólares na Suíça e forte presunção de culpa, mas o caminho do dinheiro até lá jamais foi devidamente provado. Mesmo assim, o juiz condenou sumariamente os 22 réus. Serão todos eles realmente corruptos? Não se sabe, mas a imprensa não questionou, e a opinião pública também não quis saber, como ficou claro na euforia geral e incondicional que se viu em torno do histriônico magistrado Lafredo Lisboa. Se houver algum Ibsen Pinheiro nesse meio, talvez saibamos no futuro, mergulhados em remorso. Por enquanto, porém, não foi feita nem a justiça, nem a injustiça: conforme alertado aqui neste mesmo espaço, por falta de provas suficientes, os condenados – inclusive Silveirinha – estão todos soltos.

Será muito mais difícil ocorrerem novos casos Ibsen Pinheiro (ele mesmo contrário à criação do tal Conselho Federal de Jornalismo) quando o Brasil descobrir que precisa de instituições fortes, e não de conselhos, mordaças e babás para tomar conta de instituições frágeis.’