Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Frederico Vasconcelos e Laura Mattos

TV CULTURA EM CRISE

“Diretor da TV Cultura pede demissão e recua”, copyright Folha de S. Paulo, 17/06/03

“O diretor-superintendente da Fundação Padre Anchieta (que administra a TV Cultura), Manoel Luiz Luciano Vieira, pediu demissão, mas, segundo versão oficial, aceitou ontem apelo do presidente Jorge Cunha Lima para permanecer no cargo.

Antes da divulgação de um comunicado oficial da fundação, ontem à tarde, Vieira afirmara à Folha que sua decisão era de ordem pessoal, tomada havia cinco meses. ?Meu desligamento nada tem a ver com a entrevista?, disse, referindo-se à reportagem publicada pela Folha no domingo passado sobre a crise financeira pela qual passa a fundação.

O jornal revelou que os balanços da fundação continuam ?maquiados? com artifícios contábeis, segundo avaliação de especialista. Na entrevista, Vieira afirmara que a gestão de Cunha Lima havia herdado dívidas da administração anterior e que algumas contas haviam sido omitidas nos balanços. Roberto Muylaert, que presidiu a TV de 1986 a 1995, considerou a acusação uma ?piada?.

Na reunião do conselho curador, na manhã de ontem, Cunha Lima abordou o assunto do afastamento de Vieira. Segundo a nota, o pedido de demissão havia sido feito em dezembro de 2002, por ?razões pessoais?. ?O diretor-superintendente, cedendo a novos apelos, concordou em permanecer no cargo?, dizia o texto.

Na reunião, os conselheiros trataram do déficit de R$ 12 milhões em 2002 e de alternativas para superar a crise da Cultura.

O conselheiro Luiz Carlos Bresser Pereira disse que o conselho não tratou ontem de supostas irregularidades atribuídas à gestão de Cunha Lima. ?Ficou claro que o déficit não decorreu de má gestão nem da redução dos aportes do Estado. Houve queda de outras receitas?, afirmou Bresser.

Foi marcada uma reunião extraordinária para 14 de julho.”

Em crise e sob investigação, emissora apela para reprises”, copyright Folha de S. Paulo, 14/6/03

“A Fundação Padre Anchieta, que administra a TV Cultura, enfrenta uma das mais graves crises financeiras de sua história. Mantida majoritariamente com verba pública, a instituição está em conflito com o governo de São Paulo e com a secretaria da Cultura, à qual é vinculada.

Jorge da Cunha Lima, diretor-presidente da fundação desde 1995, atribui as dificuldades à redução dos repasses do Estado e à gestão anterior, de Roberto Muylaert (que ocupou o cargo entre 86 e 95), que classifica a acusação de ?piada?.

A maquiagem nos balanços da fundação, revelada pela Folha em 2001, se agravou, de acordo com especialista. A TV diz que seguiu orientação de auditores. Diante de denúncias -sem provas- de irregularidades, o Ministério Público decidiu investigar a fundação.

Hoje, 70% da programação é composta de reprises e importados, e a audiência está em baixa. Para a TV, no caso dos infantis, a repetição é eficiente no ?aprendizado das crianças? e o ibope não é parâmetro para medir qualidade.”

Reprises e produções importadas dominam 70% da programação”, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03

“A TV Cultura -cujo currículo é marcado por iniciativas de sucesso como ?Bambalalão? e ?Castelo Rá-Tim-Bum?- tem hoje cerca de 70% de sua programação preenchida por reprises e importados. E mais: nos 30% considerados ?inéditos?, a própria emissora contabiliza transmissões de missas, concertos e produções das TVEs da Bahia, Rio de Janeiro e Minas.

Com poucas novidades no ar, amarga audiências que chegam a menos de um ponto (cerca de 48 mil domicílios na Grande SP).

No mês passado, o Ibope registrou 0,8 de média para o período matutino, resultado que o instituto costuma chamar de ?traço? (abaixo de um ponto). À tarde, com mais TVs ligadas, subiu para 2,4. Mas voltou a cair à noite, horário nobre, para um ponto.

Além disso, o pouco que resta de produção própria não está entre as mais assistidas. Em 21 rankings semanais do Ibope com as cinco melhores audiências de cada canal (de 30/12/2002 a 25/5/2003), há apenas quatro entre as 105 citações para material feito na TV Cultura: uma para o ?Ensaio?, uma para ?Expedições? e duas para ?Cultura Documento?. Estes dois últimos, no entanto, incluem co-produções e documentários independentes.

Nas outras 101 menções dos ?cinco mais? estão reprises do ?Castelo? (produzido há cerca de dez anos), missas de Aparecida, filmes brasileiros, documentários e infantis de fora. Programas em produção atualmente (como o infantil ?Cocoricó?) sofrem com a falta de verba geral da emissora e com o atraso no pagamento de parte das equipes.

Há cerca de seis meses, o salário dos terceirizados, que deveria ser pago sempre no dia 10, tem sido liberado entre 15 e 20. A remuneração de abril foi paga pela metade em 18 de maio e os outros 50% saíram na quarta passada, dia 11, com um mês de atraso.

Reprise/reapresentação

As atrações do público infantil (o maior da TV Cultura) ocupam quase dez horas diárias de sua programação. Fora algumas vinhetas inéditas, no ar há duas semanas, o resto é composto por reprises (?Castelo?, ?Ilha? e outros) e material de fora, como ?Turma do Pererê? (TVE/Rio).

A emissora corre ainda o risco de perder infantis estrangeiros. Responsáveis por seus melhores ibopes, os importados despertaram o interesse de outras TVs, que agora tentam comprá-los.

A Cultura considera o interesse prova de que acertou na programação. ?A escolha dos programas comprados faz parte da autoria institucional da Cultura. A concorrência está de olho porque sabemos escolher. É verdade que temos dificuldade para pagar. Mas devemos ser condenados [pela perda dos infantis]??, diz o cientista político Carlos Novaes, consultor da Cultura.

A emissora também não concorda em incluir os infantis nas reprises (que prefere chamar de ?reapresentação?) e diz que é um método necessário ?ao aprendizado das crianças?. ?Programação infantil repetida é recurso pedagógico. O ?Castelo? teve 12 pontos na terceira reprise. O ?Ilha? tem melhor audiência do que na estréia?, diz Novaes.

Para a emissora, sua programação está dividida em 21% de reapresentações, 49% de infantis e 30% de horas inéditas.

Jorge da Cunha Lima, diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, atrela o ibope atual em parte à mudança de estratégia da concorrência. ?Em 95, 96, tivemos ibopes altíssimos com ?Castelo?. Mas éramos os únicos a fazer programa infantil. As outras descobriram o filão e compraram a programação da Disney e os [desenhos] japoneses. Então, o ?Castelo?, que já reprisava, não piorou ou envelheceu, mas teve um concorrência brutal.?

Baseada em pesquisa interna, a direção diz que seu público acha a programação atual melhor do que ?antes?. E sustenta que o parâmetro de qualidade não pode ser ?audiência e lucro?. ?Esta gestão ganhou 113 prêmios internacionais?, diz Cunha Lima.”

Balanço continua ?maquiado? com artifício contábil, diz especialista”, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03

“A Fundação Padre Anchieta continua a maquiar os seus balanços. Em janeiro de 2001, a Folha revelou que a TV Cultura usava artifícios contábeis para melhorar os seus números. A fundação, então, alterou critérios, mas, naquelas distorções apontadas, o balanço de 2002 ficou ainda menos transparente.

O artifício em 2001 e o atual agravamento dessa distorção foram identificados pelo professor Ariovaldo dos Santos, presidente da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), da USP.

?O que disse em 2001 -que o balanço estava com a cara melhorada, mais bonita, graças a artifícios contábeis- sustento. Ao tentar corrigir, pioraram?, diz.

Na quarta-feira, a Folha submeteu a Santos -responsável técnico pelo ranking anual dos balanços das empresas da revista ?Melhores e Maiores?- as demonstrações contábeis de 1999 a 2002 da fundação, documentos só fornecidos pela instituição uma semana após a solicitação da reportagem. ?Os balanços que tinha visto em 2001 apresentavam erros técnicos. Foi eliminada a conta que mostrava esse possível engano, mas, na verdade, a informação ficou menos transparente?, diz o professor.

Segundo Santos, naquela ocasião a fundação não seguira ?as normas contábeis geralmente aceitas? ao escriturar de forma inadequada, no balanço de 2000, R$ 29 milhões de eventuais perdas com processos trabalhistas.

Com isso, deixara de admitir que a dívida era maior do que a capacidade da instituição de liquidá-la. A diferença (a que se chama de ?passivo a descoberto?) seria de R$ 6,4 milhões.

Na linguagem técnica: a fundação classificara como ?reserva de contingência? o que deveria ser uma ?provisão?. Jogara os R$ 29 milhões como ?reserva? no ?patrimônio líquido?, quando deveria ter feito uma ?provisão? no ?passivo circulante? (obrigações a serem pagas no exercício seguinte) ou no ?exigível a longo prazo? (dívidas que vencem depois de um ano).

?Eles eliminaram a conta que mostrava esse engano -aquilo que chamavam de ?reserva de contingência?- e jogaram no déficit acumulado?, diz Santos. ?Acabou ficando pior. Havia um erro que era identificado visualmente. Pegaram uma conta, que era incorreta, e jogaram os valores dentro do ?déficit acumulado?, uma coisa que vem de anos anteriores e você não tem a mínima chance de entender.?

No balanço, a fundação admite em nota explicativa (que detalha os critérios contábeis adotados) uma contingência trabalhista, ?cuja expectativa de êxito é remota?, de R$ 17 milhões.

?Ou seja, a fundação está dizendo o seguinte: eu tenho um passivo e vou perder, pois não tenho chances de ganhar isso na Justiça.? Mas, segundo Santos, esse passivo foi omitido nos cálculos: ?A fundação reconhece, nas notas explicativas, que existe o passivo, mas não o incluiu no balanço?. Ou seja, o ?passivo a descoberto? de R$ 5 milhões, no balanço de 2002, seria aumentado em mais R$ 17 milhões. ?Em números redondos, o ?passivo a descoberto? seria de R$ 22 milhões?, diz Santos.

Manoel Luiz Luciano Vieira, diretor-superintendente da TV, diz que a empresa de auditoria Arthur Andersen, que auditava os balanços, ?entendeu que a contingência estava assegurada no fluxo de recursos que o governo tinha para sustentar o pagamento das ações trabalhistas?.

?No entendimento deles, a posição daquela contingência era no ?patrimônio líquido?, diz. ?Não foi pedido nosso.?

Vieira afirma que ?ninguém gostaria que o balanço fosse [da forma] ?A? ou ?B?. ?A TV Cultura não toma crédito, dinheiro em banco, não faz empréstimo. Nosso balanço não retrata a situação real da fundação. Só um imóvel na avenida Faria Lima, que não está no balanço pelo valor de mercado, é suficiente para cobrir o passivo a descoberto, sem falar do acervo de obras de arte.?”