QUALIDADE NA TV
NEWSWORLD, BARCELONA
Antonio Brasil
Nós somos "O Mundo das Notícias". Esta é a proposta de um grupo de jornalistas de diversos países (com o patrocínio de empresas da área de telejornalismo como a BBC, ABC News, Reuters e AP) que montaram a Newsworld há seis anos. A idéia é produzir anualmente um encontro com jornalistas de TV de todo o mundo e discutir a situação corrente, as tendências e o futuro do telejornalismo mundial. Trata-se de uma oportunidade única na vida de profissionais, sempre muito atarefados para poderem refletir sobre a real importância da atividade, numa era de freqüentes sinais de crise, de novos paradigmas profissionais e de pouquíssimo tempo para avaliações precisas.
Os organizadores do Newsworld tentam atrair regularmente todos aqueles que acreditam na importância do noticiário no meio televisivo, mas não se trata de um evento só para nós, inúmeros jornalistas desconhecidos do grande público. As "estrelas internacionais" do meio também são convidadas, comparecem e merecidamente são premiadas com uma espécie de Oscar do telejornalismo. Este ano a grande reverência foi para Don Hewit, 76 anos, e 57 de jornalismo. Ele foi o mais jovem correspondente da Segunda Guerra Mundial com apenas 19 anos, mas é internacionalmente conhecido como o criador do programa de maior audiência nos EUA, o célebre 60 Minutes da CBS, referência para todos os programas de telejornalismo. E para aqueles que gostam de cinema, o 60 Minutes é o programa tema do filme de grande sucesso com o Al Pacino, O Informante, sobre um produtor de TV que tenta lutar contra a indústria de tabaco. A história é verdadeira, o produtor existe e o programa de TV era o próprio. Don também é responsável pela criação do termo "âncora" para designar os apresentadores/editores responsáveis pelos telejornais americanos. Sua apresentação foi uma verdadeira aula de jornalismo, mas suas críticas foram contundentes. Falando sobre as recentes eleições americanas, Don não poupou as grandes redes ? "Estamos todos muito envergonhados. Temos urgentemente que parar e pensar se devemos sempre procurar sermos os primeiros ao invés de procurarmos estar certos! Afinal ser o primeiro é mais uma questão de "sorte", mas noticiar corretamente é uma questão de "competência"!
Mas o Newsworld não é só lugar para críticas, é também o lugar para ouvir o que pensam os "chefes", os editores e diretores executivos de empresas que também participam do encontro e muitas vezes precisam se justificar aos colegas jornalistas, suas mais recentes negociações, decisões ou alternativas. Por outro lado, também contamos com a presença dos "pensadores", os pesquisadores acadêmicos, professores de telejornalismo e todos os interessados nos caminhos da nossa profissão. Dos pensadores encontramos os fabricantes e mercadores. Eles também estão presentes. São responsáveis pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela venda de novos equipamentos televisivos. O Newsworld é o fórum de discussão de idéias, mas também é um mercado televisivo . Uma feira de tecnologias, serviços e intercâmbio de experiências.
O Newsworld é, antes de tudo, um evento para todos aqueles interessados em conhecer mais sobre a televisão como meio de divulgação de informação. Não só para os profissionais de tantos países se conhecerem nos corredores e nos cafés de confraternização onde repartem todo o tipo de histórias ou negócios. É uma oportunidade para todos refletirem sobre o futuro da nossa profissão.
Acesso irrestrito
Este ano o futuro já chegou. A televisão não é mais uma caixa eletrônica no centro da sala. TV agora também é tecnologia de telefonia celular e explosão de informações pela internet em banda larga. É o novo meio de transmissão "ao vivo" para o telejornalismo mundial. Todos, grandes redes ou pequenos produtores, estão correndo para utilizar a rede como divulgação de notícias com áudio e imagens. Uma tecnologia simples e barata para dar acesso às notícias em tempo real pela internet para todos os interessados, sem distinção de poder econômico. Isto tudo apesar do cenário ainda pessimista em relação ao comportamento do público alvo.
As grandes corporações televisivas, como as redes americanas e européias, continuam reclamando intensamente da queda de audiência e do envelhecimento do público telespectador de notícias na TV. O público sempre parece culpado pelo desinteresse geral por notícias, mas todos parecem também reconhecer a indicação de uma saída para tempos melhores: uma televisão digital via internet. E tudo era internet. Principalmente a ansiedade geral pela proliferação acelerada do acesso mais rápido à rede por esta nova tecnologia, a banda larga, que possibilita a transmissão de arquivo com imagens em tempo real. É isso aí, logo agora que você acreditava que já tinha tudo para acessar a internet ou seja, um supercomputador, uma linha telefônica dedicada e muito, mas muito tempo disponível e paciência para encontrar alguma coisa interessante.
Eis que surge o acesso a alternativa definitiva, via banda larga. Isto significa que aquele cabo de televisão que fornece mais de 50 canais diferentes de TV e a mesma falta de conteúdo de programação na maioria deles agora passa a ser também o seu principal acesso à rede. Em vez de linha telefônica você usa o cabo, ou o rádio ou outra forma de transmissão larga de dados. Os dutos aumentam e com eles, o tráfego de uma quantidade enorme de informações de uma forma ainda mais acelerada: uma situação fundamental para o acesso de imagens e áudio via internet, acesso a um novo telejornalismo em tempo real.
E a tão esperada "interatividade" entre o público e a notícia? Esqueça tudo que você entende por interatividade no Você decide, no Fantástico ou nos programas jovens ao vivo na TV. Interatividade agora significa que você não só participa dos programas ou interfere na escolha de imagens. Agora você também produz televisão na sua própria página na internet. Mas se você já está preocupado com a oferta de canais de televisão a cabo prepare-se: segundo um dos gerentes da Microsoft, podemos esperar cerca de 5 milhões de estações de TV disponíveis na internet nos próximos anos. É tudo pequeno e barato!
Esqueça as grandes unidades móveis de transmissão, a Globo mesmo possui uma, maior que a maioria das estações de TV brasileiras, só para cobrir os grandes eventos. No telejornalismo via internet, uma pessoa sozinha não só produz a sua matéria, com a já velha e estabelecida tecnologia e linguagem do videojornalismo ou repórter abelha (para cada jornalista, uma câmara), afinal isto já está mais do que estabelecido em diversos lugares. Agora você não só produz sozinho, mas também transmite para internet diretamente do seu próprio carro, com uma pequena parabólica e um computador portátil. E você, do seu computador, vê "ao vivo", na internet, tudo aquilo que as grandes televisões não consideram importantes o suficiente para mostrarem nos seus boletins programados.
Imagine o seu pequeno site se tornando um concorrente do RJ TV, o seu jornal local de TV ou mesmo do Jornal Nacional. O Newsworld mostrou uma estação de TV dentro de um condomínio em Copenhague na Dinamarca. Agora eles não só assistem TV, eles produzem a TV do prédio para o mundo inteiro assistir, se quiser, é claro! Uma verdadeira corrida pela democratização da televisão, pelo acesso irrestrito à uma tecnologia até então exclusiva do grande poder econômico. Não se trata mais só de produzir vídeos de forma simples e barata mas de se obter uma distribuição mundial econômica, rápida e eficiente.
Parcerias educacionais
Por outro lado, o telejornalismo das grandes redes e a própria televisão mostraram que assim como o rádio se assustou com a chegada das imagens via TV. O telejornalismo mostra sinais nítidos de preocupação com a concorrência e o papel da internet como fonte de notícias com vídeo e áudio. Muitos procuram diminuir a importância da internet e acusam o excesso de informação sem origem ou qualidade e apresentam pesquisas que valorizam os grandes nomes. Se a tradicional produtora de TV de qualidade, a BBC investe na rede, grande competidores, igualmente surgem no meio. É o New York Times agora também produz televisão.
Afinal, o que presenciamos não é só uma revolução tecnológica, mas uma revolução de conteúdo, linguagem e principalmente de controle. Palavras como convergência de mídias integra ainda mais a natureza do trabalho jornalístico na televisão. Trabalha-se para o jornal, televisão, rádio ou internet com a mesma facilidade que se alterna editorias. Se por um lado aumentam as tarefas e se concentram as responsabilidades, por outro, criam-se novas oportunidades profissionais. A resistência ainda é grande mas o campo está aberto para novas experiências. No território livre da internet parece que quase tudo ainda é permitido. Pelo menos por enquanto!
De outra parte, o motivo principal do Newsworld não é só discutir e apreciar tecnologias e serviços mas é principalmente refletir sobre os caminhos do telejornalismo internacional. O conteúdo das discussões é de certa forma parecido com os antigos seminários promovidos pela Revista Imprensa em diversas capitais brasileiras há alguns anos, mas a diferença fundamental é no formato e no público.
Em vez de palestras infindáveis e muitas vezes repetitivas, os organizadores optaram por um formato de painéis parecidos com os próprios talk shows televisivos (Letterman, Jô, Hebe). Um jornalista de TV é convidado para atuar como âncora e apresentador dos painéis. Ele praticamente entrevista os participantes, controla o tempo, recebe orientações via ponto eletrônico e conduz a participação do público presente. E é no público que está a grande diferença! Para participar do Newsworld a inscrição custa caro, a maioria dos profissionais que participa são enviados pelas empresas interessadas no aprimoramento dos seus funcionários. Também encontramos produtores independentes do mundo inteiro em busca de bons negócios.
O Newsworld tem tudo e todos, menos os estudantes de jornalismo ou comunicação, público preponderante majoritário nos seminários brasileiros. Se por um lado, para nós profissionais, esta exclusão pode parecer uma vantagem, afinal sempre buscamos um fórum específico para a discussão dos nossos próprios temas de interesse, por outro, a falta de um público mais jovem pode resumir o conteúdo das discussões a temas redundantes e corporativos condenando o próprio futuro deste fórum global do telejornalismo. A predominância dos jornalistas veteranos é considerada uma característica perigosa do Newsworld e do próprio telejornalismo internacional. Busca-se urgentemente uma renovação para o telejornalismo não só pela tecnologia mas também na linguagem. Afinal, todos os telejornais do mundo, infelizmente, se parecem muito!
Esta por sinal, foi uma crítica que apresentei no encontro especial sobre ensino e treinamento de jornalistas para televisão programado pela primeira vez para esta edição do Newsworld 2000. Com certeza precisamos criar alternativas para o nosso meio e para este tipo de encontro. Um público praticamente só com estudantes, como era o caso no Brasil realmente não é o ideal, mas a total ausência de jovens também prejudica a busca tão ansiada pela renovação do meio. Esta renovação foi o tema deste nosso encontro com professores de telejornalismo de diversas universidades internacionais que contou igualmente com a presença dos responsáveis pelo setor de treinamento de grandes emissoras como a BBC inglesa, tradicional investidora em parcerias educacionais. Neste encontro participaram até mesmo os fabricantes de equipamentos para televisão. Eles também perceberam o potencial deste novo mercado em expansão no mundo inteiro. Afinal jovens também compram câmaras, freqüentam cursos e um dia vão escolher os equipamentos das suas empresas.
Assunção de culpa
O futuro do telejornalismo também passa pela maior parceria entre todas as partes: empresas, universidades e fabricantes de tecnologia. Outras empresas marcaram sua presença oferecendo todos os tipos de cursos específicos para jornalistas. A oferta é variada é vai desde primeiros socorros, videojornalismo e até "sobrevivência em ambientes hostis", como selvas, guerras, ou favelas da América Latina (sic).
Em termos de variedade de temas discutidos podemos sempre ainda destacar: a importância da cobertura internacional nos telejornais, a demanda por maior espaço e melhor cobertura jornalística de continentes inteiros como a África e os perigos da profissão de correspondentes de guerra. Todos os temas são sempre discutidos de uma forma extremamente objetiva, com convidados trazendo suas experiências profissionais e pessoais através de vídeos ou apresentações audiovisuais superelaboradas. Existe um cuidado de preservar a qualidade da linguagem televisiva até mesmo nas apresentações dos painéis. Afinal tudo é transmitido e gravado por câmaras como um verdadeiro show de telejornalismo ao vivo. A televisão está sempre presente e prestigiada, apesar de ser sistematicamente criticada.
E as críticas muitas vezes foram ferozes. O secretário geral da ONU Kofi Annan, em declaração ao vivo via satélite de Nova York, chegou a declarar que muitas vezes, considerando a qualidade da cobertura dos eventos no continente africano pelas grandes redes de TV , melhor seria que elas simplesmente parassem de produzir matérias na África. Uma declaração dramática feita por um africano tão importante mas destinada a provocar os editores internacionais sobre as suas responsabilidades. Principalmente em relação ao enfoque jornalístico das imagens regularmente enviadas sobre as sempre recorrentes tragédias africanas.
Mas a predominância das imagens e o empobrecimento do valor das palavras nas matérias telejornalísticas e a busca incansável por audiência também mereceram críticas profundas por parte dos jornalistas veteranos. O telejornalismo nunca teve a preocupação em obter os maiores índices de audiência por ser uma área de interesse social para as emissoras. Mas os tempos mudaram e as pressões agora aumentaram de forma intolerável. Ainda sobre as TVs americanas! O Newsworld aproveitou o "gancho" inesperado da confusão das eleições para discutir a "confusão" da cobertura das grandes redes americanas.
Num painel criado nos últimos dias com uma agilidade digna do meio, foram convidados diversos jornalistas e até mesmo um âncora da CNN para responder às perguntas sobre aquele "desastre jornalístico", tudo ao vivo, via satélite, diretamente de Atlanta. Dava até pena ver o pobre jornalista da CNN tendo que se justificar perante tantos colegas de profissão sobre a "mais longa série de erros da TV americana". Afinal, diz ele, nós também informamos errado mas pelo menos não fomos os primeiros. Dava pena! Mas prometeu grandes reformas no futuro das coberturas eleitorais americanas no futuro. No final, continuou acusando os institutos de opinião, os especialistas convidados, mas, pelo menos, assumiu a culpa pela tragédia. Tudo para a alegria dos jornalistas mais antigos presentes. Mais uma vez ficou provado que pressa para noticiar primeiro, bater a concorrência a qualquer custo, regras comprovadas no mercado, não se conformam com bom jornalismo. Nós, aqui no Brasil bem que também precisamos de uma auto-avaliação parecida, sobre o nosso jornalismo.
Pesquisas mais consistentes
Das palavras às imagens. Se alguns jornalistas experientes, como o próprio Don Hewit, exigem um maior cuidado com o texto e profetizam sobre o telejornalismo: "Se você não consegue se comunicar com palavras você está no meio errado". Outros, como o guru do videojornalismo Michael Rosenblum, reacendem o debate e declaram: "Temos que nos comunicar com a mídia da nossa era. Don Hewit se comunicava na era das palavras e do rádio. Nada mudou em TV durante 60 anos porque ainda fazemos rádio. A nossa era é das imagens, da nova televisão e a verdadeira democratização do meio passa pelo acesso geral à produção de imagens". E ele declara: "Hoje, se você não pode usar uma câmara, é você que não pertence ao meio televisivo". Esta polêmica esquentou o ambiente no quase inverno de Barcelona e pelo jeito ainda continua.
Mas para minha surpresa, apesar do Newsworld já existir há seis anos e considerando a importância do evento, a América Latina, seus milhares de profissionais e milhões de telespectadores são praticamente ignorados. Os organizadores reconhecem que precisam reverter esta situação. Este ano, nenhum profissional das redes brasileiras participou do evento mas não foi surpresa registrar a presença da brasileira UOL, apresentando seus produtos e seu mais novo contratado, o ex-Globo/Bandeirantes e atual âncora da TV UOL News Paulo Henrique Amorim. Pelo jeito, a internet indica o futuro do telejornalismo, até mesmo no Brasil.
É assim que funciona o Newsworld Barcelona. Tudo num ritmo parecido com a própria televisão em tempos de internet. São tantas novidades que todos sentimos uma enorme dificuldade em digerir tantas informações e traçarmos roteiros para as novas tendências.
Mas fica sempre no ar a necessidade de pensar e criticar a televisão de uma forma séria e objetiva. O Newsworld indica a necessidade de sermos menos "passionais" nos nossos "achismos" sobre televisão. Devemos buscar pesquisas mais consistentes sobre o meio ao invés de confiarmos de forma tão dogmática nos meros índices de audiência para justificarmos tudo que aparece na telinha, principalmente no telejornalismo.
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