CONSÓRCIO JB / O DIA
“?O Dia? e ?JB? criam consórcio para imprimir e distribuir os dois jornais”, copyright Folha de S. Paulo, 6/12/2002
“Os jornais ?O Dia? e ?Jornal do Brasil?, terceiro e quarto maiores jornais do Rio de Janeiro em circulação, respectivamente, anunciaram ontem a criação do Consórcio de Mídia Impressa. Assinado anteontem, o consórcio unificará a gestão das duas empresas e ainda da revista ?Forbes?.
A sinergia atingirá todos os departamentos, com exceção das redações. Departamentos como marketing, recursos humanos e financeiro atenderão às duas empresas.
O presidente do consórcio e da Editora JB será Fernando Portella, atual vice-presidente de ?O Dia?.
O empresário Nelson Tanure, dono do ?JB?, disse que a idéia de formalizar a parceria com ?O Dia? existe desde que ele comprou o ?Jornal do Brasil?, no início de 2001.
As duas empresas já atuavam como parceiras nas operações industriais, como impressão e distribuição.
Segundo Tanure, o consórcio trará mais competitividade à imprensa carioca, além de reduzir custos.
Procurado pela Folha, Fernando Portella não foi encontrado. De acordo com sua secretária, ele passou o dia em reuniões e dará uma entrevista coletiva na segunda-feira, na qual revelará mais detalhes sobre o consórcio.”
CASO TIM LOPES
“O mergulho de Percival no caso Tim Lopes”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 4/12/2002
“Jeito tranqüilo, fala mansa, sem atropelar o vernáculo nem o fôlego, Percival de Souza poderia muito bem falar de flores ou poesias, e certamente seria um sucesso de público e crítica. Mas a escolha que fez foi a da reportagem e crônica policial, área em que se notabilizou como um dos melhores, um dos mais respeitados, um dos que mais produziu com qualidade.
Esse mesmo Percival – que não se enganem os menos avisados – não dá trégua ao crime, aos criminosos ou à negligência e incompetência policial, e continua a se indignar com a injustiça, com a miséria, com as incongruências do sistema prisional brasileiro que ao invés de recuperar transforma o bandido num bandido ainda pior.
Desde a morte do amigo Tim Lopes ele mudou seus planos literários e propôs à sua editora, a Labortexto Editorial, escrever um livro sobre o caso, onde aproveitaria para dissecar também o crime organizado e o jornalismo investigativo.
Missão aceita, Percival partiu para a luta e escreveu Narcoditadura – O caso Tim Lopes, Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil em 45 dias. Com direito a uma visita altamente perigosa – e camuflada – ao local onde Tim foi executado, esquartejado e queimado.
O livro está pronto e já à venda nas livrarias, sem festa, sem noite de autógrafos, sem alegria. ?Eu preferia não o ter escrito? – diz Percival, ainda com a dor presente da perda do amigo, com quem sempre conversava. E com quem conversou poucos dias antes do assassinato.
?O repórter investigativo – diz Percival – é um ser solitário que não tem com quem compartilhar suas angústias, preocupações e informações?. Lida com nitroglicerina o tempo todo e sabe que sua conversa, com colegas, numa redação, além de inconveniente é inadequada, e até perigosa para todos.
Percival escreve com simplicidade, mas com uma fluência e estilo admiráveis. Envolventes.
No Capítulo 3, por exemplo, que ele titulou de Habeas Corpus maluco, desmonta, de modo insofismável, argumentos de que Tim estava no lugar errado, na hora errada.
?Arcanjo (nome de batismo de Tim) era o protetor de sangue, carne e ossos para a comunidade esquecida, desamparada, carente. Por ser bandido maluco, Elias jamais poderia estar onde estava. Não poderia estar solto. Seu lugar era na prisão, bem fechada, bem guarnecida, segurança máxima – como dizem mas nunca provam. Tim Lopes, o Arcanjo, estava onde precisava e tinha direito de estar. Elias, o maluco, estava onde jamais poderia. Mas por que Elias não podia estar onde estava? Porque deveria estar preso. Elias foi solto por força de um habeas corpus, remédio heróico para ele e covarde para Tim. Favorecido pelo polvo e não mais apenas pelos tentáculos do crime organizado, Elias saiu graças às maluquices dos rituais romano-canônicos, que transformam a Justiça em corredores da morosidade, esquinas da impunidade, como se não fosse possível proporcionar segurança pública dentro do Estado Democrático de Direito, cuja implantação custou sacrifícios, torturas, desaparecimentos e mortes, numa guerra sanguinária dentro do próprio país. Elias deveria estar preso simplesmente porque estava sendo processado pelo seqüestro de Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira Filho, filho do então presidente da Firjan, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro?.
Várias revelações chocam, como a que está na página 18, Capítulo 1, cujo título é O vale de ossos secos: ?O bandido mandou um outro cúmplice comprar querosene. Esquartejado, o que restou de Arcanjo foi transportado para um pequeno buraco entre pedras. Os assassinos já estavam acostumados. Chamavam debochadamente esse buraco de Microondas, referindo-se a ele como se fosse um forno. As partes do corpo arderam nas chamas. Quando estavam calcinadas, fumegantes, um dos bandidos aproximou-se, sorridente e feliz com o poder do bando senhor da vida e da morte, e acendeu um cigarro nas brasas humanas. Tragou prazerosamente.?
Difícil é parar de ler. É tocante, e nos contempla com momentos únicos de reflexão, de perplexidade com a fragilidade da vida, das instituições, da mente humana.
Valeu o esforço de nosso mestre, daquele que tem dedicado toda uma vida a combater com as armas do argumento e da escrita a violência que não cansa de fazer vítimas, onde a justiça e a decência não conseguem chegar.
Medo? Claro que ele já sentiu várias vezes, com as ameaças que sempre o rondaram e à sua família, mas nunca se deixou intimidar pelos bandidos.
Coragem é, mais do que qualquer outro, o ato de enfrentar e vencer o medo. E isso ele tem feito, com maestria e dignidade.
Que o Percival continue a ser essa voz lúcida e destemida a nos legar bom senso e inteligência em questões tão cruciais para a sociedade brasileira.”
COTAS NA MÍDIA
“Comunicação e etnicidade: cotas, mídia e universidade”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/12/2002
“A Conferência de Durban, realizada no ano passado na África do Sul, fez surgir um número crescente de notícias sobre temas étnicos e raciais de natureza política. As acentuadas diferenças que emergiram têm transformado os contornos da paisagem midiática e das universidades brasileiras. Em ambos os casos, constata-se a presença de um crescente número de grupos étnicos, em sua grande maioria de afrodescendentes, que passam a coexistir naquele universo e, conseqüentemente, a indicar mudanças no modo de olhar o novo personagem em destaque.
Será que de fato existe uma mudança no modo de representação deste outro, que recentemente emerge no cenário midiático?
Programas especiais nas diferentes emissoras da televisão dão destaque a vida singular de famílias e jovens nas favelas. No cinema, multiplicam-se projetos que, irresponsavelmente, glamurizam a miséria e espectacularizam a violência, como elementos da lei do mercado, a nova entidade em cujo nome tudo – ou quase tudo – é permito. O fato é que a imagem do afrodescendente tem se tornado um objeto de representação disputado. Afinal, trata-se de um mercado de 50 milhões de consumidores e o capital não possui ética alguma.
Ao mesmo tempo, na Internet crescem os sites e listas de discussões sobre racismo, cultura negra, música negra, hip-hop, homens negros etc. Rádios alternativas brotam, incessantemente, nas comunidades das periferias das grandes cidades em todo o Brasil, e, em grande parte, dirigidas para uma audiência senão afrodescendente ao menos receptivas à cultura negra. Cabe ainda lembrar, a permanência dos projetos pioneiros lançados pela tradição de uma imprensa negra que, desde a década de 1920, vem fazendo questão de mostrar a face negra do Brasil.
A este movimento de inclusão devemos acrescentar os impactos do pioneiro projeto de educação popular dos Programas de Vestibulares para Negros e Carentes ? PVNC – ao programa do Itamaraty, que visa promover uma nova face da diplomacia brasileira. Nos dois casos, em escalas distintas, trata-se de apontar para a diversidade étnica como um empreendimento social, visando a elevação da auto-estima e a formação de uma elite afrodescendente.
Em face de este horizonte, que torna ainda mais complexo o cenário das relações sociais e étnicas no Brasil, cabe a pergunta: Qual é o significado e as implicações deste conjunto de acontecimentos ocorridos principalmente nos últimos dez anos? A sociedade brasileira está preparada politicamente para as transformações que daí serão advindas? Que cenários étnico-político-culturais nos esperam a partir destas mudanças?
Mais do que invasão do território do grupo étnico hegemônico – e o conseqüente controle que o mesmo realiza no campo das mídias e acadêmico -, o que devemos considerar, na verdade, é que temos em curso um processo de desconstrução dos mitos fundantes da nação brasileira, mito que vai da derrubada da fábula das três raças, da ideação cordialmente racista da democracia rumo à queda da necessidade do diploma universitário para se chegar presidência da República. Trata-se, portanto, de uma crise das subjetividades derivadas da exclusividade eurodescendente na esfera pública.
Em meio a este processo de desconstrução do regime racial de poder vigente, a proposta mais desequilibrante é a implantação de políticas compensatórias para o afrodescendentes, através da aplicação da ação afirmativa e da política das cotas no serviço público federal, estadual e municipal. Mesmo sendo compreendida como uma ação emergencial e temporária, para reparar as políticas de privilégios que homogeneízam o perfil étnico da universidade pública, mesmo entendendo a referida política como uma proposição articulada entre outras tantas, os seus críticos se pautam no argumento meritocrático para desqualificar a sua pertinência.
Para que não permanecêssemos cúmplices do silêncio que consente, o Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação resolveu patrocinar este evento que também conta com o apoio do Departamento de Comunicação Social e do Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF. Ao atacar diretamente a mídia e a universidade, as políticas de ação afirmativa podem ser responsáveis pelo redirecionamento das discussões internas na universidade brasileira. O nosso objetivo, neste contexto, é o de provocar uma reflexão no calor da hora, sem paixão, mas intensa, sobre este fenômeno emergente em nossa realidade cotidiana.
Nós que pensamos a sociedade a partir dos efeitos da mídia – aqui, entendida como as mediações possíveis para projetarem e instaurarem sentidos – não poderíamos nos furtar de participar desta reflexão, destinada a projetar idéias que nutram ao menos as interpelações mais fecundas. (Professor do Programa de Pós-graduação em Imagem, Comunicação e Informação da UFF e doutor em Antropologia pela Universidade do Texas, em Austin.)”