Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

FSP


CASO ABRAVANEL

"Vítimas criticam cobertura de sequestros", copyright Folha de São Paulo, 29/08/01


"Se dependesse de vítimas de sequestro e de familiares deles ouvidos pela Folha, os órgãos de imprensa deveriam se abster de divulgar notícias sobre os crimes antes de seu desfecho.

De um grupo de oito vítimas ou parentes que tiveram de negociar com os sequestradores, seis se manifestaram contra a divulgação dos casos. O principal motivo alegado é o risco a que vítima fica exposta.

Esse é o argumento apresentado por Roberto Amaral, 64, empresário e ex-diretor da construtora Andrade Gutierrez. Sua filha Juliana Amaral foi sequestrada em outubro de 1995, quando tinha 18 anos, e ficou cinco dias em poder dos criminosos.

Um jornal de São Paulo não respeitou o pedido da família para não divulgar o caso. ?Os sequestradores leram o jornal e ficaram amedrontados. Eu lembro até hoje quando eles disseram que eu não iria mais ver a Juliana?, disse.

Sequestrado em 1990, o dono da agência de publicidade Artplan, Roberto Medina, também critica a divulgação de informações sobre sequestros em andamento. ?A partir do momento em que a imprensa entrou no caso, minha família começou a receber ameaças e passei a ser torturado pelos sequestradores?, afirmou.

A empresária e socialite Vera Loyola, que teve pai e filho sequestrados, também defende que a imprensa deve respeitar o pedido de sigilo da família.

Segundo ela, especulações da mídia em torno do local de cativeiro ou sobre a origem dos sequestradores podem atrapalhar as investigações.

Também se disseram contra a divulgação de sequestros pela imprensa o empresário e ex-piloto de automobilismo José Próspero Giaffone -vítima de sequestro- , Gutemberg Marangoni Jr. -que participou das negociações para a libertação de Maria Antônia de Velo Barros, mulher do empresário e presidente do time de futebol do Mogi Mirim, Wilson de Barros- e um representante da família Matarazzo, que preferiu não se identificar. No ano passado, Gonçalo Lara Campos Matarazzo, então com 12 anos, ficou quatro dias sequestrado.

O ex-deputado estadual José Carlos Tonin se diz ?expert? em sequestros. Eduardo Tonin, seu filho, que na época tinha 18 anos, foi sequestrado em junho do ano passado em Indaiatuba (110 km de São Paulo) e ficou 30 dias em poder dos sequestradores, motivo pelo qual o ex-deputado passou a estudar o assunto.

Ele diz que era contrário à divulgação, mas que está ?mudando de idéia?. No caso do filho, Tonin pediu para a imprensa não divulgar. ?Com a divulgação, talvez o desfecho fosse mais rápido.?

Girsz Aronson, dono da rede de lojas G. Aronson, sequestrado em 1988, também apóia a divulgação total das informações. ?Alguém que tenha alguma pista pode ajudar nas investigações?, disse.

Silvio

Sobre a polêmica, o empresário Silvio Santos, pai de Patrícia Abravanel, afirma que o ideal é respeitar a orientação da polícia.

?Dizer que a imprensa ajuda divulgando ou dizer que a imprensa prejudica divulgando não é uma verdade total. A imprensa deve fazer o que os americanos fazem: respeito à orientação policial.?"

 

"Para especialistas, mídia deve respeitar vontade da família", copyright Folha de São Paulo, 29/08/01

"Os argumentos mudam, mas especialistas em segurança e violência, advogados e delegados ouvidos pela Folha concordam em um ponto: a imprensa deve respeitar o pedido das famílias de vítimas de sequestro para que o caso não seja divulgado.

?Maior que o direito que a imprensa tem de informar e que o do cidadão de ser informado é o direito da família de preservar a vida de seu ente?, disse José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça.

Wagner Giudice, da Delegacia Anti-Sequestro em São Paulo, disse que, em casos de sequestros, sempre pergunta primeiro para a família da vítima se ela quer que o caso seja divulgado. ?A primeira coisa que tem de ser respeitada é a vontade da família?, afirmou.

Ele disse que existem ?dois lados da moeda? na divulgação do caso pela imprensa. O delegado afirma que a divulgação contribui para o aparecimento de pistas, mas sempre atrai ?caroneiros? que se aproveitam da situação para pedir resgate ou fazer trotes. ?Sempre divulgo o que pode ajudar a investigação?, disse.

No Rio, o delegado titular da DAS (Divisão Anti-Sequestro), Fernando Morais, é totalmente contra a divulgação de sequestros pela imprensa. ?A divulgação atrapalha. Coloca a vítima em uma situação de risco?, afirmou.

Morais citou a morte do empresário Robert Ávila de Souza, aos 28 anos, em outubro de 1999. Souza foi assassinado com 12 tiros, três dias depois de ter sido sequestrado no bairro de Bonsucesso (zona norte do Rio).

Segundo o delegado, Souza foi morto por determinação do líder da quadrilha, o traficante Aldair Nonato, conhecido como Daê da Mangueira. ?Tenho uma gravação em que o Aldair manda os comparsas assassinarem o empresário porque o sequestro tinha sido vazado pela imprensa.?

Para o delegado-seccional de Taboão da Serra (Grande São Paulo), Romeu Tuma Jr., a divulgação do sequestro pode provocar tensão nas negociações entre sequestradores e a família.

Tuma Jr. já se envolveu na apuração de cerca de 40 casos de sequestro em São Paulo, como o do empresário Abílio Diniz, em 89.

?Com a divulgação do caso, começam a surgir falsos grupos de sequestradores. Conheço famílias que pagaram resgate para quatro grupos diferentes.?

O mesmo argumento é repetido em parte pelo coordenador de pesquisas do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente), Túlio Kahn. ?A divulgação é complicada quando você está comprometendo a segurança da vítima.?

Para Kahn, essa conduta de manter sigilo sobre um caso de sequestro deve ser seguida apenas até o fim do risco à vítima.

Já o secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Marco Vinicio Petrelluzzi, defende o sigilo enquanto o caso está em apuração, mesmo após a libertação da vítima. ?Quando antecipamos o que fazemos, estamos na realidade trabalhando para o bandido?, diz o secretário, que também é contra a divulgação do caso pela imprensa.

A favor

Se aumento da tensão nas negociações, surgimento de trotes e desrespeito à família são aspectos negativos da divulgação de um sequestro, há também os positivos, na opinião de José Vicente da Silva Filho, pesquisador de segurança do Instituto Fernand Braudel.

?A divulgação pela imprensa alerta qualquer pessoa que possa colaborar com o caso?, afirma.

Para ele, a divulgação de notícias e uma possível colaboração para solucionar o caso provocam uma inquietação nos sequestradores. ?Toda ação do bandido visa ao máximo de benefícios com o menor risco. Com a divulgação do caso, aumentam os riscos. Com isso, surge uma pressa nos sequestradores, que pode significar que eles aliviem as exigências na negociação?, disse.

O secretário da Segurança Pública do Rio, coronel Josias Quintal, considerou difícil estabelecer uma regra a ser seguida em todas os casos. ?A notícia pode ajudar ou colocar por água abaixo todo o esforço da polícia.?

Para Quintal, a imprensa deveria seguir as orientações da polícia. ?Não se trata de censurar, mas há casos em que a divulgação da notícia pode atrapalhar as investigações. Isso acontece quando a quadrilha é inexperiente e os bandidos ficam nervosos.?

É nesse ponto que se apega também Luiz Eduardo Soares, consultor para Segurança Pública da Prefeitura de Porto Alegre (RS). ?Não há uma única variável.?

Para Soares, quando impede a divulgação de um caso de sequestro, a ?família está expressando a determinação de criminosos?, não a sua vontade.

Segundo o consultor, a decisão deveria ficar a critério da polícia. A divulgação, para ele, teria de ser baseada na análise de detalhes de cada caso, como no perfil dos suspeitos do sequestro."

 

"Globo é punida por divulgar crime em 2000", copyright Folha de São Paulo, 29/08/01

"A Rede Globo foi condenada em primeira instância a pagar uma indenização à família do empresário Luiz André Matarazzo por noticiar o sequestro de seu filho, ocorrido no ano passado. A família havia pedido sigilo sobre o caso.

A Globo recorreu da decisão e afirmou que não teve intenção de prejudicar as vítimas. A indenização, de valor ainda indefinido, poderá ser confirmada ou anulada em instâncias superiores.

O julgamento em primeira instância foi do juiz Teodozio de Souza Lopes, da 17? Vara Cível de São Paulo.

Gonçalo Lara Campos Matarazzo, na época com 12 anos, foi sequestrado em Indaiatuba (interior de SP) em março do ano passado.

Ele estava com o pai, que omitiu o sobrenome Matarazzo. Na ação, o pai alega que a divulgação do caso fez com que os sequestradores torturassem e deixassem Gonçalo sem alimentação até ele confirmar que era da família Matarazzo."

 

"Pedido de Silvio Santos dividiu imprensa", copyright Folha de São Paulo, 29/08/01

"A imprensa atravessou dividida os sete dias de cativeiro de Patrícia Abravanel. De um lado, jornais como Folha e ?Estado de S. Paulo? atenderam ao pedido de Silvio Santos e nada divulgaram até a libertação da filha do empresário. Agiram da mesma forma as redes Record e Bandeirantes e a revista ?IstoÉ?. De outro, os veículos das Organizações Globo, o ?Jornal do Brasil? e a revista ?Veja? noticiaram o sequestro.

O caso expõe o conflito potencial entre o dever de informar e a preocupação com a vítima.

?A Folha pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa ou de empresa?, diz o ?Manual da Redação?. Eleonora de Lucena, 43, editora-executiva do jornal, lembra que a regra vale para todos, independentemente de patrimônio ou notoriedade. ?Sempre que há pedido da família, respeitamos.?

É a mesma linha defendida por Sandro Vaia, 58, diretor de Redação do ?Estado?. Ele acha secundário estabelecer se tem alguma eficácia um embargo desconsiderado por boa parte dos concorrentes. ?O princípio ético se superpõe a essa questão.?

Em texto publicado há uma semana, ?O Globo? justificou sua cobertura sob o argumento de que o ?silêncio sobre sequestros só beneficia sequestradores?. Para o jornal, ?quando a população ignora o sequestro, torna-se difícil a denúncia sobre ações suspeitas e a localização de cativeiros?.

Como em São Paulo, houve sintonia entre os dois principais diários do Rio. O ?Jornal do Brasil? explicou que noticia sequestros em andamento ?para evitar que a omissão beneficie os criminosos?.

Luis Erlanger, 46, diretor da Central Globo de Comunicação, frisa que a decisão de divulgar não foi tomada agora. Obedece a uma política adotada em 1990, logo depois do sequestro do empresário Rubens Medina.

?Não nos parece correto criar uma casta, dando tratamento diferenciado a quem tem acesso aos donos de jornais.? E se a vítima pertencesse à família Marinho, proprietária das Organizações Globo? ?Publicaríamos.?

Hélio Campos Mello, 53, diretor de Redação da ?IstoÉ?, pensa de outra forma. ?Quanto menos você mexe, menor a possibilidade de ocorrer algum deslize de consequências trágicas.?

A revista só abriu exceção ?em episódios bombásticos?, como o do irmão da dupla Zezé di Camargo e Luciano. Nesse caso não houve solicitação dos parentes.

Carlos Eduardo Lins da Silva, 48, diretor-adjunto de Redação do jornal ?Valor?, vai além da preocupação com pedidos. De maneira geral, acredita, não se deve noticiar sequestros em andamento. ?É um segundo flagelo: não bastasse a aflição pela vítima, a família tem de conviver com o assédio na porta de casa.?

Alberto Dines, 69, responsável pelo site e programa de TV ?Observatório da Imprensa?, acredita que ?O Globo? exagerou em visibilidade e ao descer a detalhes como os problemas conjugais de Silvio Santos. Ao mesmo tempo, avalia que não dar nada ?é uma hipocrisia?. Dines defende uma espécie de ?terceira via?: noticiar o essencial, sem alarde, e então aguardar a conclusão do caso."

 

"Para leitores, parente deve ser consultado", copyright Folha de São Paulo, 29/08/01

"Pesquisa Datafolha feita com 485 leitores da Folha indica que 72% são contra a divulgação de notícias sobre sequestros sem autorização das famílias das vítimas. Outros 25% são a favor da publicação mesmo sem o consentimento das famílias.

Quando informados de que a Folha adota a política de não publicar essas notícias sem autorização das famílias, 79% afirmam concordar com a postura.

A maioria dos entrevistados (55%) acha que a divulgação de informações sobre sequestros pela mídia prejudica as investigações da polícia. Para 36%, a prática favorece a apuração dos crimes, e 9% não souberam responder a pergunta.

A pesquisa, feita no sábado e na segunda-feira, revelou ainda que 96% dos leitores souberam do sequestro de Patrícia Abravanel. A TV foi a fonte da informação de 61% dos ouvidos."

    
    
                     

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