INJÚRIA E DIFAMAÇÃO
Para o bem e para o mal, para a informação e para a deformação, a internet é mesmo a revolução deste florescer de terceiro milênio. Menos pela capacidade de gerar dinheiro, inferior ao que já se acreditou, e mais por se tratar de um fantástico meio de comunicação ? uma espécie de conjunção virtual de todos os outros. Talvez seja a mais fiel tradução da aldeia global sugerida pelo agora revisitado Marshall McLuhan ao possibilitar, com apenas alguns cliques, passar os olhos pelos jornais brasileiros, norte-americanos, russos etc.
Sem a internet, com sua facilidade de transmitir informação a custo baixo, possivelmente este Observatório da Imprensa nem sobreviveria como fórum de debates da mídia brasileira. Basta imaginar a logística e o dinheiro necessários para transpor ao papel e, o mais difícil, fazer circular o enorme conteúdo de cada edição semanal do OI, hoje acessível em qualquer redação e lar onde há um computador conectado a uma linha telefônica.
Pois bem. Para tudo há o bom e o mau usos. A internet dá um efeito superlativo a mentes úteis, fúteis e inúteis. Quem quer aparecer, seja qual for a intenção, multiplica em progressão geométrica suas chances de sucesso. Câmeras instaladas em casas de simples mortais ou sites como o mantido pela atriz-modelo-tentativa-de-apresentadora Luana Piovani ? onde até o fim de seu namoro é contado pela própria, como se fosse mesmo de interesse coletivo ? são só dois exemplos dessa megaexposição. Aqueles aos quais não interessa aparecer em pessoa, mas sim como sombra do que o ser humano pode produzir de pior, igualmente encontram na rede mundial de computadores um terreno fértil.
O jornalista de Campo Grande (MS) Éser Cáceres está nessa segunda classe. Na semana passada, foi identificado pela polícia como o internauta que, durante mais de um ano, distribuiu, via e-mail, mensagens apócrifas aos veículos de comunicação e a jornalistas do Mato Grosso do Sul com alguma crítica à insipiência da imprensa local e incansáveis expressões impublicáveis, incluindo calúnias e demonstrações claras de preconceito e desrespeito. Tomou para si, sob a proteção do anonimato da rede e o pseudônimo de "Iq Tsara", a postura de ombudsman às avessas da imprensa daquele estado. A confiança de que jamais seria localizado em meio aos milhões de internautas da rede era tanta que chegou a enviar, segundo confessou, a 4 mil endereços a edição fraudada de uma revista eletrônica, delito pelo qual foi pego e agora responde na Justiça.
O caso, tido como o primeiro crime virtual sul-mato-grossesse, figura como mais uma prova da linha, às vezes muito tênue, que separa benefícios e malefícios do descontrole quase total sobre veículo tão poderoso. Ilustra também, na seara específica da imprensa de Mato Grosso do Sul, o gosto mórbido pela fofoca, pela maledicência, sempre tão próximas da atividade jornalística, e, ao que aparece, a necessidade de um canal de expressão para os próprios profissionais entre os quais Cáceres agora é persona non grata.
Ora, em que redação, os "boletins" de Iq Tsara não provocaram risos e comentários, muitas vezes de apoio às afirmações? Quantos dos jornalistas não leram as mensagens e, ainda que entre ressalvas, se sentiram vingados nas palavras dele, por motivos justos ou não? Quantas vezes não se ouviu: "Ele só fala o que todo mundo quer e não tem coragem ou não pode dizer".
Iq Tsara é produto de uma imprensa pouco lida, pouco independente, pouco discutida, quase nada combativa e, salvo honrosas exceções, tolerante a comportamentos aéticos. Não fosse assim, por tudo que disse, pela forma usada, e pelas pistas que muitos tinham a seu respeito, o jornalista teria sido descoberto há bem mais tempo.
O episódio sugere uma leitura "glocalizada", emprestando um neologismo dos estudiosos da comunicação traduzido na expressão "pense globalmente, haja localmente". No âmbito global, o caso dá sua contribuição para a infindável discussão sobre a necessidade ou não de controle mais rígido do uso da internet. Na realidade local indica que, mais do que punir Iq Tsara, há muito por fazer para que profissionais e público da imprensa sul-mato-grossense tenham por ela o respeito que deveria merecer, se cumprisse o seu papel.
(*) Jornalista em Campo Grande, MS