TV CULTURA EM CRISE
“Ministério Público vai aprofundar investigação em contas da fundação”, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03
“O Ministério Público do Estado de São Paulo decidiu investigar as denúncias de supostas irregularidades na gestão de dinheiro público pela Fundação Padre Anchieta, que administra a TV Cultura. As suspeitas são de mau uso de recursos do Estado. Até o dia 23 deste mês, a instituição terá de apresentar documentação ao Ministério Público.
?A fundação enfrenta dificuldades financeiras há anos. Mas as recentes denúncias publicadas na imprensa indicam que a situação é mais grave do que supúnhamos. As contas analisadas estão formalmente em ordem, mas não significa que não tinham problemas?, diz Paulo José de Palma, promotor de Justiça Civil de Fundações do MP.
Cláudia Costin, secretária da Cultura do Estado de São Paulo, afirma que, desde que assumiu o cargo há cinco meses, recebeu várias denúncias -sem provas- de que poderia haver desvio de dinheiro na fundação. ?Levei essas denúncias ao conselho.? Como membro do conselho, ela diz que achou ?estranho? nos dados apresentados aos conselheiros a contratação de pouco mais de 200 pessoas nos últimos anos e a posterior demissão.
O TCE (Tribunal de Contas do Estado) deve iniciar ainda neste mês auditoria na instituição para analisar o balanço de 2002. O tribunal julgou as contas da Fundação Padre Anchieta -com ressalvas- até o ano de 99. Os balanços de 2000 a 2002 estão sendo analisados por técnicos. Uma comissão de deputados também será formada para verificar a situação financeira da emissora.
Jorge da Cunha Lima, diretor-presidente da fundação, diz que o problema enfrentado pela Cultura é igual ao de outras emissoras. ?O problema éeacute; falta de investimento e de modelo de repasse.? Ele afirma que a fundação passa por cinco auditorias por ano.
Funcionários da TV Cultura também querem que as contas da emissora sejam investigadas. Um grupo deles reivindica, por meio de abaixo-assinado, a mudança da atual direção da fundação, a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e a imediata liberação de recursos pelo Estado.
O Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo diz que relatos de funcionários e ex-funcionários indicam que pode haver má gestão na emissora e desvio de dinheiro. ?Não há provas, mas indícios. É preciso que haja investigação?, diz Nilton de Martins, coordenador do sindicato.
?Jorge da Cunha Lima não tem apoio interno nem do governo?, afirma Luiz Antonio Fleury Filho, deputado federal (PTB-SP). ?Queremos verificar o grau de sucateamento da emissora e as causas que levaram a isso.?
Para Fleury, ?o governo quer tirar Cunha Lima da presidência da fundação. Está cortando a verba para que ele saia?.
?O investimento está parado. A verba para custeio foi cortada em 10% e atingiu a área da cultura. Não existe orientação do governador para interferir na fundação?, diz Arnaldo Madeira, secretário da Casa Civil do Estado.
“Na roda-viva, direção acusa gestão anterior”, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03
“O diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, Jorge da Cunha Lima, 71, está há um mês no centro de uma roda-viva. O vazamento de um ofício em que a direção da TV Cultura informava ao governo Alckmin não receber recursos do Estado suficientes para pagar aos fornecedores de arroz e feijão do restaurante teve efeito bumerangue.
Na sequência, Cunha Lima foi convocado para explicar a parlamentares como a fundação administra seus recursos, justificar as 250 demissões do início deste ano e a responder acusações, sem provas, de mau uso do dinheiro público. ?Cada um usa os problemas da fundação em função do seu interesse político. Não basta falar mal do governo, é bom dar uma lambada na minha gestão?, diz Cunha Lima. ?É o troco [que recebo em consequência] das demissões.?
Ele concedeu entrevista de quase três horas à Folha na última terça. ?Fico indignado quando questões de honra vêm [à tona]?, disse, ao comentar acusações de favorecimento em contratos feitas por sindicalistas.
A fundação encerrou 2002 com um déficit de R$ 12 mi. Cunha Lima diz que a crise é estrutural, por falta de investimentos.
Espicaçada por críticas à sua gestão feitas pela secretária estadual da Cultura, Cláudia Costin (à qual a fundação é vinculada), a diretoria da TV atribuiu à administração anterior a maior parte das dificuldades. ?Ficamos reféns de dívidas herdadas?, diz o diretor-superintendente, Manoel Luiz Luciano Vieira.
Ele acusa antecessores de terem omitido nos balanços dívidas transferidas a Cunha Lima. ?Só pode ser piada alguém culpar uma administração que saiu há nove anos pelos problemas atuais?, diz Roberto Muylaert, que presidiu a Cultura de 86 a 95, na época áurea do ?Castelo Rá-Tim-Bum? e outros infantis.
Bresser
?A Cultura não está em conflito com o governo de São Paulo?, diz Luiz Carlos Bresser Pereira, do conselho da fundação e a quem se atribui influência nos conceitos de gestão defendidos por Costin. A secretária trabalhou com ele no governo FHC.
?Jamais ouvi falar em denúncias de desvios?, diz Bresser, que nega interesse em ocupar o cargo de Cunha Lima, como circulou em 2001. ?A fundação está bem dirigida pelo Jorge.?
Os deputados Ênio Tatto (PT) e Orlando Morando (PSB) protocolaram pedidos de CPI na Assembléia de SP. ?Há denúncias graves de enriquecimento ilícito, de pessoas que receberam sem trabalhar?, diz Tatto.
Deputada da base governista, Maria Lúcia Amaury (PSDB), da Comissão de Cultura, Ciência e Tecnologia da Assembléia, é contra a CPI. ?A comissão pode apurar e tomar as medidas. A CPI atrasaria o processo.?
Vicente Cândido (PT) pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) auditoria na fundação. ?A crise é mais política e financeira. Mas como há indícios, estamos pedindo a auditoria.?
Em 1999, a fundação pediu ao TCE normas próprias para contratações de pessoal e de prestadores de serviços. ?A fundação tem natureza especial. As análises podem ser menos formais. Mas as contas devem respeitar os princípios de transparência que a gestão pública exige?, diz Antonio Roque Citadini, conselheiro do TCE.”
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“?Problema é o repasse de recursos?, diz Cunha Lima”, copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03
“Jorge da Cunha Lima, que administra a TV Cultura, reuniu sua diretoria para falar à Folha sobre a situação da emissora.
Leia a seguir trechos da entrevista que ele concedeu, ao lado de Manoel Luiz Luciano Vieira (diretor-superintendente), Carlos Novaes (cientista político, consultor da instituição), Marco Antônio Coelho (jornalismo) e Walter Silveira (programação).
Folha – A TV Cultura gasta mal o dinheiro que recebe do Estado?
Jorge da Cunha Lima – A gente gasta muito bem o pouco dinheiro público que recebe. Quando o dinheiro é pouco, a gente sempre gasta menos do que precisa. O problema da TV Cultura não é de gestão. É de modelo de repasse de recursos da sociedade.
Folha – Qual é o centro da crise?
Cunha Lima – É necessário encontrar um modelo de repasse mais estável. A receita própria está no limite. Devemos buscar recursos na sociedade, como apoios culturais, prestação de serviços e parcerias. Uma hipótese seria pedir ao cidadão autorização para debitar na sua conta telefônica, por exemplo, recursos para a TV Cultura [a proposta será apresentada ao conselho amanhã].
Folha – Quando começaram os problemas financeiros?
Manoel Luciano Vieira – Em 94, a situação era grave. Não haviam sido recolhidos INSS e FGTS. Ficamos reféns dessa dívida.
Carlos Novaes – Essa gestão descobriu uma dívida de R$ 26,2 milhões, em dezembro de 95, e já pagou R$ 60,4 mi [dívida corrigida]. Estão sendo negociados para os próximos 12 anos mais R$ 23 mi.
Cunha Lima – A privatização de serviços públicos obrigou a fundação a arcar com custos antes escamoteados. No Brasil, instituições, até privadas, não pagavam contas de luz, telefone e água.
Folha – Como foram os investimentos nos últimos anos?
Cunha Lima – Houve vontade do governo de nos dar recursos para investimentos em 2000, 2001 e 2002. Só que o volume previsto foi contingenciado. A exceção foi em 1999, quando os R$ 4 milhões programados foram dados.
Folha – E para este ano?
Cunha Lima – Em dezembro de 2002, havia uma dotação orçamentária de R$ 89,9 mi. Em janeiro, houve queda de arrecadação no Estado e um contingenciamento do investimento. Os recursos foram reduzidos a R$ 80,3 mi. Fizemos as demissões [250] previstas no plano estratégico. Pretendíamos que a economia com o corte revertesse para nós e que o custo fosse pago pelo governo [o que não ocorreu, segundo ele].
Folha – Como enfrentarão isso?
Cunha Lima – Temos que recuperar esse dinheiro. Senti no governador compreensão e boa vontade para resolver a questão conjuntural. Mas ele disse que investimento só sairá na medida em que a economia se recuperar.
Folha – Como o sr. avalia as críticas da secretária da Cultura, Cláudia Costin, sobre a sua gestão?
Cunha Lima – A secretária tem formação forte de administração pública e uma crença na idéia de organizações sociais inspirada no Bresser [Luiz Carlos Bresser Pereira]. Respeito isso. Só acho que é preciso garantir a independência da instituição e recursos.
Folha – Está em jogo o seu cargo?
Cunha Lima – Está se dando mais valor aos não-problemas. O problema real são os investimentos.”