IMAGEM E OPINIÃO PÚBLICA
Alexander Goulart (*)
“A democracia garante o discurso, mas não garante a veracidade do discurso.” Wilson Gomes
“Dir-se-ia, em primeiro lugar, que a natureza da opinião pública está relacionada com um ingrediente cultura-racional, responsável pelo estabelecimento da controvérsia. A seguir, que a sua característica se relaciona com um ingrediente emocional responsável pela deflagração do debate. E, enfim, que a sua função se refere a um ingrediente ambiental-social, responsável pelo seu último produto, ou seja, o acordo.” (CORRÊA, 1988, p. 44)
Hoje, a Opinião Pública Política decorre do debate conduzido por homens privados. É uma opinião acessível, publicada. Existe uma confusão entre opinião pública e vox populi, um pressuposto de que a opinião pública deve respeitar a vontade geral. Assim, a opinião pública é entendida como uma densidade demográfica incitada a opinar, é a população que se manifesta. Do mesmo modo, o debate público só existe se for envolvido de forma mediática. Assim, participam do debate público aqueles que têm a opinião dominante.
O termo clássico de opinião pública está confundido com a manifestação do público (eleitorado, povo), existe uma equivalência entre reação pública e opinião pública, fazendo o conceito se deslocar da opinião para os opinadores. A opinião pública fica entendida como manifestação da vontade acerca de um tema que se pretende aferir. “No nível individual, opinião confunde-se com atitude. No nível coletivo, aparece como entidade mítica: a opinião pública é o sentimento do povo. Nesse sentido, o público será o conjunto da população que assiste a algum acontecimento.” (AUGRAS, 1970, p.12)
Do mesmo modo, a opinião política é entendida como opinião publicada, ou seja, expressa, exibida publicamente na esfera da publicidade social. Daí surgem os agentes do sistema de opinião publicada, pessoas da indústria de informação e dos mass media admitidos como opinadores. São esses opinadores os responsáveis pela formação da opinião pública, na perspectiva da mitologia política. É também nessa perspectiva que se dá o debate público, ou seja, participam os opinadores e não as instituições.
Assim, só vai para o debate público o que for de interesse da mídia, e quem não participa do debate não tem reconhecimento. Se o político não está no debate, na mídia, ele não é reconhecido por seus eleitores. De qualquer forma, o debate público, na perspectiva política, pode ser simbólico, visto que no plano político as decisões importantes se dão nos bastidores.
“Ainda assim, setores relacionados com a classe que detém o poder, não raro, evidenciam uma grande preocupação em apelar para o que significa opinião pública com o propósito de homologar decisões unilaterais, tomadas e executadas sem o prévio aval da sociedade.” (CORRÊA, 1988, p. 23)
Nas mãos de um demagogo e da mídia com interesses de poder, a opinião pública pode ser usada sob dois aspectos: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação desse povo. “A ação dos meios de comunicação é decisiva e fundamental para a formação das opiniões e, mais ainda, para a elaboração da opinião pública. De modo que, entendendo-se a opinião pública como parte do processo de comunicação, que se estabelece em nível social, tanto podem ser entendidos como a principal via de geração das opiniões, quanto de disseminação da crise de opinião.” (CORRÊA, 1988: p. 32)
Condenado à imagem
As instituições e sujeitos políticos disputam a visibilidade nos meios mediáticos. Vivemos uma época em que opera uma engenharia de fabricação, manutenção e imposição da imagem. Não tratamos aqui apenas da imagem plástica, mas da imagem conceitual, agregação de valores, a imagem como representação, um jogo de aparências em que prevalece a criação de um produto político para consumo.
“A difusão da imagem conceitual é o estágio mais importante do processo da construção da imagem pública, porque sintetiza e expressa a ideologia e a política, através da identidade conceitual de um sujeito ou uma instituição, formada pelo acúmulo de informações políticas coerentes e fragmentos visuais. A identidade visual, portanto, integra a identidade conceitual ampliando o espectro de veracidade do sujeito ou da instituição.” (WEBER, 1999, p. 76)
Os consultores políticos e os image-makers criam e manipulam a imagem dos políticos e com o uso principalmente da televisão, conseguem transformar política num negócio onde a imagem é o produto principal, o dinheiro é o motor de tudo e as idéias deixam de ter importância.
Collor e Roseana conheceram de perto a validade da afirmação que diz que a imagem é dinâmica. O fato político tem valor simbólico e os imputs funcionam de acordo com o ambiente externo, que é determinante. Percebe-se que a ação de destruir uma imagem pública é muito rápida. Ainda assim, manter ou transformar uma imagem pública é a tarefa mais difícil.
Se numa primeira fase os image-makers e consultores políticos produzem fatos políticos, existe um grande desafio logo em seguida: os agentes do mass media detêm o poder hierárquico sobre a exposição. Além disso, a administração da imagem passa a estar intimamente relacionada com a exposição mediática. “Geralmente os jornalistas estão fora do controle dos coordenadores de campanha e a principal dificuldade aparece quando algum jornalista descobre que o candidato não é a mesma pessoa que a publicidade diz ser.” (REES, 1995, p. 81) “Joseph Goebbels enfrentou muitos problemas, mas ele nunca teve que enfrentar a maior dificuldade com a qual os publicitários hoje se defrontam: eles não têm um controle total sobre a mídia. Os noticiários de TV e os programas informativos diários insistem freqüentemente no que eles consideram um pecado imperdoável ? fixar suas próprias pautas.” ( REES, 1995, p. 145)
O ator político é condenado a manter sua imagem. Nesse espetáculo, “leitores, telespectadores e ouvintes testemunham os movimentos da política, sem dela participar diretamente.” (WEBER, 1999, p. 80). Este parece ser o teatro político, composto de atores, cenógrafos e público. Portanto, o aplauso ou a vaia dependerá da recepção do público, da subjetividade humana.
Não há um culpado
A reflexão acerca do fenômeno contemporâneo da opinião pública, aliado à política de imagem, permite perceber que a opinião pública é peça-chave no jogo das imagem políticas. Como bem afirmou Laurence Rees, em vez de o político falar sobre as questões que ele acha que são de interesse dos eleitores, o político acaba pesquisando as questões pelas quais o eleitorado se interessa, para assim se dedicar apenas a essas questões. Assim, o político não vai mais persuadir o eleitorado sobre seu ponto de vista, mas vai reforçar opiniões previamente formadas. Um político, numa cultura guiada pela televisão, não deve ser um líder, mas um seguidor da opinião pública. É um processo de contínuo feedback.
Cabe também salientar que o público não é um receptor passivo, como pode fazer pensar a reflexão sobre o texto. Existe todo um repertório de juízos e concepções que estarão influindo decisivamente em qualquer posição conceitual nova. Lida-se com o imaginário do público, ou seja, com a subjetividade.
Portanto, trabalhamos com dois fenômenos que ameaçam a base democrática, visto que evitam o conflito argumentativo capaz de gerar o acordo. Os políticos e os mass media não são os culpados ou responsáveis primeiros pela situação presente, eles apenas cuidam de seus interesses e procuram os melhores mecanismos para alcançar seus objetivos. Em verdade, não há um culpado. O fato é que esses fenômenos merecem mais atenção e estudo, sobretudo na análise da recepção, para então averiguarmos a real influência do agendamento de duplo sentido existente.
(*) Jornalista, Porto Alegre