REELEIÇÃO NA CBF
Antonio Carlos Teixeira (*)
A reelei??o de Ricardo Teixeira para presidir por mais quatro anos a Confedera??o Brasileira de Futebol (CBF) n?o pareceu ter incomodado, nem de longe, grande parte da m?dia esportiva do pa?s. Principal alvo de CPIs instaladas no Congresso Nacional para apurar irregularidades no futebol brasileiro, o presidente da CBF trilha o mesmo caminho do ex-sogro, Jo?o Havelange, que presidiu a poderosa Fifa durante 24 anos. Se concluir o pr?ximo mandato, que est? previsto para ser encerrado em janeiro de 2008, Teixeira ter? contabilizado 20 anos ? frente da CBF, organiza??o que comanda neg?cios milion?rios por causa do alto valor comercial de seu principal produto, certamente o mais valioso do planeta bola: a camisa verde-amarela.
A eleição na CBF chamou a atenção não pela estrondosa votação recebida por Teixeira, mas pela maneira fria (quase gélida) com que a crônica especializada cobriu o evento. Alguns comentaristas da área esportiva chegaram a se posicionar sobre a predileção (quase unânime, frise-se) dos dirigentes de clubes e federações por Ricardo Teixeira. Mas o fizeram de maneira contida, como se estivessem mexendo numa caixa de abelhas africanas. Os jornalistas que respondem a processos movidos pelo dirigente da CBF optaram por dar a notícia sem rodeio ? crua, objetiva. Outros cronistas, então, ficaram bem distantes da polêmica. Vitória dupla do insaciável presidente, que anunciara aos quatro ventos que não mais se candidataria ao cargo.
A promessa do cartola foi feita à Rádio Jovem Pan, em abril do ano passado, a três meses do início da Copa do Japão e da Coréia. A mídia pecou por não buscar respostas às indagações do torcedor. O que aconteceu com os processos contra Ricardo Teixeira? Foram todos encerrados? O cartola livrou-se de todas as denúncias? Como? O Ministério Público não agiu? Se agiu, que fim levaram as apurações? Essas perguntas ficaram sem resposta. Faltou reportagem. Certamente. A julgar pelo que se leu, ouviu e assistiu na semana passada, o presidente da CBF é um novo homem, incólume, livre de processos e quite com a Justiça.
E os torcedores que tinham conhecimento das irregularidades levantadas pelas CPIs em Brasília, como estão se sentindo depois de acompanhar o noticiário sobre a reeleição de Teixeira? Particularmente, fiquei decepcionado com a precária cobertura dada à reeleição na CBF. A TV Globo, que dedicou um Globo Repórter inteiro a denúncias contra Ricardo Teixeira, mal anunciou o resultado da apuração em seus telejornais. Quem assistiu ao Globo Repórter especial, tempos atrás, sobre os negócios milionários do presidente da CBF, não deve estar entendendo bulhufas. Teria o excelente programa global esquecido as evidências levadas ao ar, ou chegou-se à conclusão de que tudo aquilo, mostrado em quase uma hora de reportagem, não passou de engano jornalístico?
Faltou à mídia tirar da gaveta os fatos descobertos pelas CPIs e atualizá-los do ponto de vista jurídico, apontando, por exemplo, o estágio em que se encontram os processos, se houve alguma condenação, a visão do Ministério Público diante da reeleição do dirigente envolvido às tampas em negócios misteriosos e mal-explicados. Entre outros ilícitos, as CPIs mostraram a incrível facilidade com que o dinheiro da entidade transitava por paraísos fiscais. Parte das cifras movimentadas foi parar em contas de empresas do próprio Ricardo Teixeira. No período investigado, o chefão do futebol nacional teria movimentado a espetacular soma de R$ 2,3 bilhões ? volume de dinheiro correspondente a mais de 10% de tudo o que os brasileiros recolhem mensalmente em impostos aos cofres da Uni&atatilde;o.
Efêmera alegria
Veja, nobre observador, algumas das conclusões a que chegaram as CPIs sobre o envolvimento de Ricardo Teixeira em irregularidades. Os trechos foram extraídos do sítio <http://www.legislacaodesportiva.hpg.ig.com.Br>, com base no relatório final dos deputados:
CBF e Nike
A CPI investigou detalhadamente o contrato e tornou evidente a supremacia da multinacional de materiais esportivos sobre a CBF e sua interferência indevida na seleção brasileira de futebol; denunciou a parceria entre CBF e empresas de marketing esportivo e agentes de jogadores.
A investigação deu os nomes aos bois. Escancarou os subterrâneos do futebol, pôs a descoberto um sistema de exploração do esporte, dos jogadores, dos clubes, e da paixão do torcedor, em favor de alguns grupos de dirigentes, empresários e aventureiros. Todos esses acontecimentos são indicações de que os “bons” tempos da CBF “bandida” estão acabando.
Corrupção das Federações
Apurou, com profundidade, a caótica administração do futebol comandada pela CBF, as espúrias relações da entidade nacional com as federações estaduais, que levaram à deterioração da organização confederativa e à transformação das entidades em casa de negócios, sujeitas ao continuísmo, nepotismo e corrupção, à ausência de calendário e outros desmandos.
Administração ruinosa da CBF
A CPI investigou as contas da CBF, e seus trabalhos mostraram à exaustão a administração ruinosa da entidade, cujos recursos são malbaratados em despesas duvidosas e não justificadas, em altos salários e remuneração indevidos; em doações políticas destinadas a sustentar influências no parlamento, para desempenhar o papel da “bancada da bola”.
Empréstimos externos da CBF, evasão de divisas
Um grupo de peritos produziu um estudo detalhado sobre empréstimos tomados pela CBF no exterior, junto ao Delta Bank, a juros extorsivos e em condições altamente desfavoráveis. Comprovou que os juros eram incompatíveis com os que na época estavam sendo praticados no mercado financeiro e que tais negócios resultaram em elevados prejuízos à entidade, com indícios de evasão de divisas. A argumentação de que outras empresas brasileiras haviam tomado empréstimos com juros semelhantes foi desmentida pelas próprias empresas citadas por Ricardo Teixeira. E o banco até hoje não conseguiu explicar essas operações suspeitas.
Remuneração ilegal da diretoria da CBF
Demonstrou-se que as remunerações recebidas pela diretoria da CBF desde 1998 são ilegais porque estão em desacordo com o estatuto de entidade de direito privado sem fins lucrativos. E encaminhou ao Ministério Público pedido de ação civil para que se promova a devolução desses recursos à CBF.
Ricardo Teixeira usa recurso da CBF para pagar suas contas com advogados
As investigações comprovam que Ricardo Teixeira, presidente da CBF há três gestões, usa os recursos da entidade máxima do futebol como se fosse uma de suas empresas. Por exemplo, fez a CBF pagar despesas com sete escritórios de advocacia para defesa de seus interesses como pessoa física.
Indiciamentos
Após investigações, os deputados pediram o indiciamento de 34 pessoas (só contra Ricardo Teixeira, foram feitos treze). Os outros indiciamentos foram pedidos contra dirigentes de federações, agentes, empresários de futebol e outros intermediários.
Cá pra nós: esses fatos tinham que ser mais bem-explorados pela imprensa na semana de eleição na CBF. Gancho houve. O rescaldo era necessário. Diante dessa falha, não se deve passar a mão na cabeça dos veículos que integram a chamada mídia esportiva. Rádios, TVs e jornais perderam a oportunidade de refrescar a memória do cidadão e, indiretamente, mandar um recado de que se espera que Ricardo Teixeira preste contas à Justiça sobre o que ele fez de errado nesses anos todos.
Com a entrada em vigor do Estatuto do Torcedor, o futebol brasileiro parecia ter, finalmente, come?ado a virar o jogo contra os maus cartolas. Ef?mera alegria. Ao reeleger Ricardo Teixeira para seu quinto mandato na CBF, a cartolagem conseguiu empatar a partida j? nos acr?scimos. E com gol de m?o.
(*) Jornalista em Brasília
Alguns são inimigos notórios de Ricardo Teixeira, que recorre aos tribunais para tentar calar suas denúncias contundentes. Outros são críticos ocasionais. Todos, porém, têm algo em comum: usam seu espaço na imprensa para expor o “mar de lama” (a expressão é recorrente nos textos) da administração do futebol pentacampeão mundial.
O Observatório da Imprensa procurou cronistas esportivos de diferentes veículos para que comentassem a seguinte questão:
Uma aparente contradição da imprensa esportiva: ninguém gosta do poderoso Ricardo Teixeira, mas a cobertura da re-reeleição na CBF foi pífia… Os colunistas ainda criticaram um pouco, mas as editorias não acionaram seus repórteres. A que você atribui esta espécie de resignação, de conformismo?
Abaixo, algumas respostas.
Alberto Helena Jr.
(Diário de São Paulo/Último Segundo)
Desconfio que se trata um pouco de resignação, um pouco de realismo e muito da certeza de que o leitor, em geral, comunga com esses mesmos sentimentos e não se interessa muito pelas jogadas dos cartolas.
Acho que nesse caso a imprensa esportiva chegou ao paroxismo, forçando a criação das CPIs, semeando a discussão em todos os níveis, contribuindo com uma série de denúncias, enfim, cumprindo integralmente o seu dever.
Mas, se nas áreas públicas (Legislativos, Executivos), onde a interferência do cidadão é decisiva, por meio do voto, apesar de todas as depurações conhecidas, segue vivíssima a lei do toma-lá-dá-cá, que dirá numa entidade privada como a CBF?
A CBF, as federações estaduais e os clubes continuam protegidos por uma calota jurídica que os mantêm infensos a qualquer investida pública. O pior é que as eventuais alternativas (possíveis candidatos) não oferecem nenhuma alternativa, pois são todos farinha do mesmo saco.
Como sou um sujeito de bem com a vida, por favor, não entendam estas minhas palavras como fruto de mero pessimismo. É a pura realidade, infelizmente.
Paulo Cesar Vasconcellos
(ESPN Brasil/Lance!)
Acho que estas duas palavras usadas na pergunta entram muito bem. Lembro que a primeira eleição de Ricardo Teixeira teve ampla cobertura e muito bastidor. A que vi agora foi tratada de forma banal. Acho que o fato de a reeleição estar totalmente assegurada levou o caso a ser tratado desta forma. A melhor coisa da cobertura foi a foto do presidente do Flamengo, Hélio Ferraz, confraternizando com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Imagem que informou muito mais do que vários leads.