TV SEM QUALIDADE
"Um filme ruim, reprisado e enervante", copyright Época, 28/01/02
"Quantas vezes você já viu esse filme nos últimos anos? Uma emissora de televisão põe no ar alguma cena mais polêmica e parte dos telespectadores reage horrorizada. Um juiz atento, se não ao clamor da audiência, ao da própria notoriedade, concede liminar proibindo alguma coisa na emissora, cujos advogados não levarão mais do que uma semana para derrubar. O governo demonstra-se preocupado com a qualidade da programação. Diz que vai convocar um seminário para discuti-la, mas confia que as emissoras estabeleçam um código de ética eficaz, que seja escrupulosamente seguido. A última sessão desse cinema ocorreu agorinha, quando a minissérie O Quinto dos Infernos colocou crianças em cenas de nudez e de sexo. Mais precisamente, um adulto dom João VI tentou consumar o casamento com a princesa Carlota Joaquina, no verdor de seus 10 anos de idade. Mais tarde, os herdeiros dom Pedro e dom Miguel espiaram escravas seminuas na beira de um rio, inebriando-se com peitos e coxas. A Justiça fluminense proibiu a participação de menores de 18 anos no programa. Os advogados da Globo derrubaram a liminar em 24 horas. O Ministério da Justiça informou que planeja para março um fórum de debates para analisar os excessos da TV e a classificação etária da programação (quer colocar os reality shows somente após as 23 horas). E recolocou o perene desejo de que as emissoras não o incomodem com esses problemas, resolvendo-os elas mesmas.
O problema desse filme é que ele é muito ruim. Não tem conteúdo, o enredo é previsível e os atores são canastrões. Mais reprisado que seriado americano em canal pago, ele se torna maçante ou até enervante. Mas o distinto público pode ter certeza de que, na ausência ou na presença de assuntos mais relevantes, aconteça o que acontecer no Pindorama do bangue-bangue e do blablablá, ele será exibido periodicamente. Mesmo que não consiga distrair a atenção da patuléia, servirá para aliviar a consciência culpada de cidadãos e autoridades que não querem, de fato, enfrentar o problema da qualidade na TV.
Quando foi mesmo que o atual governo decidiu apelar ao bom senso das emissoras, pedindo que elas estabelecessem regras de auto-regulamentação, para não ter de intervir – e ser acusado de censurá-las? Em 1998. O ministro da Justiça já mudou, João Kleber apareceu para conquistar o trono das baixarias ao amansado Ratinho e as emissoras fazem como sempre: põem no ar o que querem, quando querem e como.
Enquanto isso, o Congresso não implanta o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição de 1988 e regulamentado desde 1991. A classificação etária dos programas segue sendo ridícula. O máximo que o sistema político-midiático faz é passar ao telespectador a batata quente do controle da programação, aprovando a introdução dos chips eletrônicos nos televisores para o bloqueio de canais. Todos enrolam todos e tudo segue muito bem.
De modo que é inevitável concluir: a TV é ruim porque o espectador gosta de filme ruim."
"Sensacionalista é a realidade", copyright Folha de S. Paulo, 27/01/02
"ANtes era no cinema. Gente de carne e osso era engolida pela tela e passava a viver dentro de uma ficção. Em ?Tron?, uma aventura de efeitos especiais inovadores, isso há exatamente 20 anos, o protagonista era engolido pelo computador e mergulhava num videogame mortal. Pura fantasia cibernética. Outras vezes, a fantasia era invertida: os personagens do filme é que pulavam da tela para o convívio dos comuns de carne e osso. Em ?A Rosa Púrpura do Cairo?, de 1985, o mocinho sai do celulóide para cortejar a garçonete sonhadora.
Antes era no cinema, e o cinema, como bem sabemos, é só ilusão.
Agora, é em toda parte. A televisão põe ovos na sala de estar, deixa suas larvas gosmentas na parede, dá cria nos olhos dos mendigos que vêem anúncios de mulheres nuas nas vitrines do centro da cidade. As mercadorias escorrem da TV para os corpos dos consumidores, e, é sempre assim, o idílio publicitário vira pesadelo. Sandalinhas da Xuxa, achadas no lixo, passeiam pelos viadutos escuros. Latinhas de refrigerante, anunciadas na propaganda por astros sorridentes, pedem esmolas no semáforo, nas mãos de adolescentes banguelas. Imitadoras de Jade apanham da polícia. Que me desculpe o leitor pelo tom de realismo socialista, mas a realidade é que é adepta do realismo socialista. Ou pior: a realidade é sensacionalista.
Nesta semana, a realidade exagerou. A República virou um imenso programa mundo-cão. Parece ter sido engolida por noticiários como o ?Cidade Alerta?, da Record, ou o ?Brasil Urgente?, da Bandeirantes. A sensação é de que os criminosos escaparam, não mais das penitenciárias, mas dos telejornais policialescos. Escaparam do vídeo, em massa. Inundaram as cidades. Cresceram e se multiplicaram feito sandalinhas da Xuxa. Estão na portaria feito um entregador de pizza, estão nas poças d?água como os mosquitos da dengue. Sequestram o vizinho, matam prefeitos, intimidam governantes. O que antes era o atípico, o excesso, o que era doentio e, por isso, era a matéria-prima das atrações mais apelativas e mais baixas da TV ganha as ruas como a nova normalidade. O ato hediondo é agora tão banal quanto um resfriado na família. Não é mais notícia. Um helicóptero invade a cadeia. Um blecaute desnorteia Estados inteiros. Cartas anônimas juram morte a senadores. Há um terrorista em cada esquina.
Vai longe aquele tempo em que os humoristas diziam que era difícil enfrentar a concorrência dos políticos. Agora, os apresentadores das atrações sensacionalistas perdem feio para a realidade. Alguns ainda conseguem perder com estilo. O presidente da República declara que as coisas passaram dos limites e, na segunda à noite, sua imagem entra no programa do Ratinho. O que é uma tragédia social vira farsa no programa do Ratinho, que gargalha. E pergunta ao ruidoso auditório: ?Vocês acreditam nessas promessas??.
Uma sirene no meio da noite. Um estampido. Uma rajada. Fogos de artifício anunciam que chegou o pó. Ou que o homem já era. Segurança particular. Colete à prova de balas. Balas que varam coletes. Sangue na calçada. Blitz. Uma ajudazinha, doutor? Prisão perpétua. Plano de emergência. Pânico. Isso está acima das diferenças partidárias. Meu marido não. Secretaria da Segurança Pública.
Que programa apelativo. Que coisa de mau gosto. Que sensacionalismo barato.
E não adianta desligar a TV. O sensacionalismo não descansa. A propósito: não era isso o que acontecia naquele filme de terror, ?Poltergeist?? Era sim: a criancinha apavorada apagava o monitor, mas os monstros do outro mundo continuavam a sair de lá para lhe puxar o pé, a perna, o corpo, a alma.
Antes, era no cinema. Agora, o Brasil caiu num ?reality show? macabro comandado por um ser desconhecido."
"TV na ordem do dia", copyright Folha de S. Paulo, 27/01/02
"A exibição de cenas de sexo, mesmo que insinuado, em ?O Quinto dos Infernos? (Globo) é considerada crime e punida com multa e prisão. Desenhos com imagens de violência, como ?Pokémon? e ?Dragon Ball Z?, não podem ir ao ar. O horário eleitoral gratuito ganha espaço nos canais pagos.
Essas são algumas das mudanças na TV propostas pelo Legislativo. Muitas delas afetam diretamente o conteúdo recebido pelo telespectador. Segundo a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), há cerca de cem projetos em tramitação na Câmara com propostas relacionadas ao tema.
?Aí no meio tem de tudo, são apenas projetos?, afirma o advogado e articulista da Folha Luís Francisco Carvalho Filho. Segundo ele, aqueles que simplesmente pretendem proibir a veiculação de um tipo de conteúdo, como sexo e violência, já pecam por poderem ser taxados de inconstitucionais.
?É possível regulamentar a exibição de certos conteúdos, mas não proibi-la. Na minha opinião, isso representa um embaraço à liberdade de expressão?, afirma. Antes de virarem leis, essas propostas passam por uma série de comissões, como a de Constituição e Justiça, têm de ser votadas na Câmara e no Senado e sancionadas pelo presidente.
Para a assessora parlamentar da Abert, Stella Cruz, muitos desses projetos são ?de momento?. Ela cita o caso de um que proibia a exibição de cenas de violência em telejornais, motivado pelas imagens do sequestro, no Rio, de um ônibus da linha 174, em junho de 2000.
?Algumas vezes, conseguimos mostrar aos parlamentares as dificuldades de implementar certas iniciativas, e há uma flexibilização na redação dos projetos. Impedimos ainda que muita coisa ruim seja apresentada?, afirma Stella.
Segundo a assessora, a principal questão para as TVs neste ano é o Projeto de Emenda Constitucional 203, de 95. Aprovado em primeiro turno na Câmara, o projeto permite participação de até 30% de capital estrangeiro em empresas de comunicação nacional, entre outras mudanças. ?Todas as emissoras estão precisando desse dinheiro?, diz Stella.
Para a TV paga, um dos assuntos que atraem maior atenção é a Medida Provisória 2.219, de setembro de 2001. Ela criou a Ancine (Agência Nacional de Cinema) e estipulou novas regras para o fomento da produção audiovisual. A íntegra da MP está no site http://208.184.234.136/mp22192001.htm.
Como determinação da medida, passará a ser cobrada uma taxa de 11% sobre o pagamento de obras compradas no exterior pelas TVs. A cobrança deveria ter começado já este mês, mas foi adiada para março.
A medida já está em vigor, e foi escolhido um presidente para a Ancine, o cineasta Gustavo Dahl. Segundo ele, a taxação só não está sendo feita porque a agência ainda não foi aparelhada para a arrecadação e fiscalização.
?Com mais essa taxa, empresas estrangeiras deixarão de investir, e a qualidade da programação diminuirá?, diz o diretor jurídico da ABTA (Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura), José Carlos Benjó.
Além disso, segundo o diretor, o adiamento da cobrança acabou fazendo com que o cinema nacional ficasse sem incentivo desde setembro de 2001.
?Alegra-me esse zelo. Espero encontrar essa atitude na hora do pagamento da contribuição?, diz Gustavo Dahl.
Ele afirma que só pagarão os 11% empresas que abrirem mão de investir o valor devido do Imposto de Renda na produção nacional, seguindo o disposto na Lei do Audiovisual. Segundo Dahl, a nova legislação poderá elevar a arrecadação atual, cerca de R$ 4 milhões anuais, para 80 milhões por ano.
?A TV é sustentada pela publicidade, que é bancada pelo consumidor. Esse binômio, TV e publicidade, tem uma contribuição a dar. Televisão é uma concessão pública e não pode ser usada apenas em benefício próprio?, afirma Dahl.
O presidente da Ancine diz que mudanças na forma de cobrança podem ser feitas e que tem mantido diálogo com os representantes dos canais pagos.
Outras propostas de mudanças estão na sessão de Assessoria Parlamentar do site da Abert (www.abert.org.br)."
"Deputados dizem por que querem mudar a TV", copyright Folha de S. Paulo, 27/01/02
"?Não tenho respeito por esses canais. Eles cobram preços extorsivos, colocam em ?pay-per-view? atrações que deveriam fazer parte da programação normal e, com certeza, se conseguissem vender anúncios nacionais, mudariam a programação importada para colocá-los?, afirma o deputado Milton Temer (PT-RJ).
Ele e é co-autor do Projeto de Lei que estende às TVs por assinatura o horário eleitoral gratuito. Apesar do ataque ao setor pago, afirma que sua proposta visa preservar espaço na televisão aberta.
?O horário eleitoral é um dos poucos espaços democráticos na programação, o único no qual a oposição tem o direito de se expressar livremente. E havia a intenção de suprimi-lo da TV aberta. Então, em resposta, fiz um projeto que radicalizava para o outro lado?, diz Temer.
Motivos mais pessoais levaram o deputado Luis Eduardo (PPB-RJ) a apresentar projeto que proíbe desenhos com cenas de violência. ?A filha dele, de seis anos, acordava no meio da noite gritando. Ela foi levada a um psicólogo e acabaram descobrindo que era por causa de ?Pokémon?, afirma o chefe de gabinete do parlamentar, Luis Marques.
A ?defesa da família? é o argumento usado por Severino Cavalcanti (PPB-PE) para sustentar dois de seus projetos.
Um, apresentado em 1998 e apelidado de ?Lei Carla Perez?, proíbe a exibição de cenas de sexo e violência nas TVs abertas das 6h às 22h. O outro, do ano passado, tipifica como crime a exibição de cenas de sexo, ainda que insinuado, em qualquer horário, e prevê pena de prisão e multa para os responsáveis.
Perguntado se essa iniciativa não tolheria a livre criação, o deputado afirma: ?Liberdade criativa não é liberdade de sem-vergonhice e de safadeza. As emissoras querem destruir a família em favor dos valores comerciais?.
Dos deputados ouvidos pelo TV Folha, o único a admitir algum exagero em sua proposta foi Salatiel Carvalho (PMDB-PE). É dele o projeto que veta qualquer tipo de publicidade em canais pagos.
?Apresentei esse projeto em 97, no começo da TV por assinatura no país, e ele precisa de algumas alterações. Quando forem reabertos os trabalhos na Câmara, no próximo dia 15, vou pedir uma audiência pública para poder discutir esse tema com as operadoras, os Procons e os consumidores. A publicidade tem de ser controlada nos canais pagos, mas não proibida?, diz o deputado."
REALITY SHOWS
"Produtores esperam uma vida longa dos programas de realidade", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 27/01/02
"A despeito das previsões generalizadas do seu fim iminente, a TV Realidade ainda está por aí e está conseguindo sobreviver a uma série de desafios no clima darwiniano do horário nobre da televisão. Os índices de audiência baixaram, mas continuam poderosos. O programa nauseante da NBC, Fear Factor, por exemplo, entrou na segunda edição.
Na realidade, os programadores das redes, ainda fascinados pela oportunidade de encontrar um remédio rápido para os índices de audiência, não mostram sinais de estarem abandonando o gênero realidade. Os programas ainda estão nos planos de todas as redes, esperando-se o surgimento de dez novas séries para os próximos meses.
A capacidade de sobrevivência do formato foi posta à prova, quando os atentados de 11 de setembro pareceram tornar esses programas tolos ou afrontosos. Muitos fracassaram, entre eles, The Mole, levado ao ar pela ABC, Lost, pela NBC, e o mais surpreendente, Temptation Island, um programa da Fox que captou a atenção do país no último verão.
Mas parece que os programas de realidade serão muito mais difíceis de eliminar do que alguns críticos previram. ?Estamos muito otimistas?, disse Jeff Zucker, presidente da NBC Entertainment falando sobre o Fear Factor.
A NBC já indicou a arma que acredita ter em Fear Factor ao montar uma edição especial do programa com ex-garotas da Playboy como concorrentes, que a rede espera desviar a atenção dos telespectadores nos intervalos das finais do campeonato de futebol americano.
A ABC continua comprometida com o formato, apesar de deixar para mais tarde The Runner, o que seria o próximo fenômeno nacional. Depois de 11 de setembro, executivos da ABC disseram que a série — em que uma pessoa se escondia enquanto o país inteiro perseguia seus passos — não era apropriada.
Mas agora a ABC está correndo com a produção de um programa denominado The Chair, no qual os concorrentes respondem perguntas por dinheiro enquanto estão conectados a um monitor que mede seus batimentos cardíacos e pune-os por perderem a calma. Longe de ser uma coincidência, a Fox está preparando um programa chamado The Chamber, que também atormentará as pessoas conectadas a monitores dos sinais vitais. E sim, o criador do programa, um jovem produtor neozelandês, já entrou com uma ação judicial de violação de direitos autorais.
Neste ínterim, a CBS continua envolvida com a realidade, planejando levar ao ar uma nova série sobre o treinamento de pilotos de caça. A rede também está iniciando a produção de uma segunda edição de The Amazing Race, sobre uma dupla de concorrentes que correm ao redor do globo em um concurso eliminatório que se saiu bem. É quase certo que a CBS vai encomendar uma rodada de verão do Big Brother que, no verão passado, melhorou seus índices de audiência em relação ao ano anterior. E, em março, a rede planeja começar a quarta edição de Survivor, já filmada em uma ilha próxima ao Taiti.
Em outras frentes, a USA Network, que é a cabo, está prestes a dar partida em Combat Missions, uma série do produtor de Survivor, Mark Burnett, com as equipes concorrentes formadas por ex-militares das forças especiais. A UPN encerrou a produção de uma série chamada Under One Roof, na qual equipes composta de famílias travam uma competição em uma ilha próxima a Fiji e tentam conquistar a casa na qual estão todos morando.
Essa série, assim como Big Brother e Fear Factor, são produzidas pela Endemol USA, o braço americano da produtora holandesa Endemol, que tem estado no âmago da febre global de programas de realidade. John de Mol, o fundador da produtora, reconhece que algumas séries de programas de realidade fracassaram porque os fatos de 11 de setembro desviaram a atenção dos telespectadores, mas descartou-os como sendo ?na sua maioria maus programas, cópias baratas?. Acrescentou que os formatos melhores, mais originais, continuaram a interessar as redes em todo o mundo.
Depois que Survivor se converteu no grande sucesso do verão de 2000, as redes americanas começaram a comprar programas de realidade já existentes como sérias filmadas na praia. Agora, porém, cada vez mais as redes estão tentando produzir os próprios formatos ou copiá-los.
David Goldberg, presidente da Endemol USA, disse divisar um apetite duradouro por programas de realidade por um motivo: ?O grande atrativo para as redes é a economia. Mesmo uma hora de Fear Factor, que é caro para os padrões de programas de realidade por causa de todas acrobacias que temos de fazer, custa somente a metade do que uma rede paga por meia hora de sitcom.
Cada episódio de uma sitcom (comédia de situação) custa em média US$ 500 mil a US$ 1 milhão, sendo que os grandes sucessos empurram os preços ainda mais para cima. Mesmo assim, David Zucker questiona a longevidade até mesmo dos programas de realidade. ?Creio que Survivor e Fear Factor serão os dois que vão se manter, mas a cada edição a audiência vai diminuir um pouco. Você ainda ouve as idéias que eles estão tentando lhe vender porque está aguardando o próximo Survivor. Mas talvez nunca haja mais um.? (Tradução Maria de Lourdes Botelho)"