REALITY SHOWS
"Festa do hipercapitalismo", copyright Época, 25/03/02
"Entre telespectadores que simplesmente os amam e críticos que adoram odiá-los, os reality shows seguem seu glorioso desfile pela televisão brasileira, no esplendor dos altos índices de audiência, dos recordes de faturamento publicitário e do monopólio dos debates sobre programação. Nuvens passageiras que teimam em não passar, para a perplexidade das pitonisas equivocadas, eles conclamam a inteligência a deixar a histeria de lado e analisá-los com a objetividade. Para constatar, entre outros aspectos, que:
É equivocado supor, na variante sexual do voyeurismo, a motivação principal do público que assiste a esses programas. A despeito do desejo latente nos participantes, os reality shows são pudicos e castos, e há menos sexo neles que nas novelas das 7. O que leva o telespectador a vê-los, portanto, é a mera curiosidade, a pura bisbilhotagem, ancestral impulso que pode ser inconveniente e até condenável, mas não é doentio, salvo as devidas exceções.
Reality shows são programas familiares. Atingem com igual impacto todas as faixas etárias e podem ser vistos coletivamente na sala de estar. Se têm algo que, eventualmente, provoca constrangimentos à moral e aos bons costumes do brasileiro médio são os palavrões que escapam nas edições ao vivo, e apenas nelas. Mas a linguagem despoliciada dos jovens, reconheçamos, não é propriamente estranha ao cotidiano de milhões de famílias. Nem faz os lares ruírem.
Mais que um formato de ocasião, reality shows são um novo gênero – universal – de programação de TV, que deverá desdobrar-se numa infinidade de novos produtos. Depois de explodir, Casa dos Artistas e Big Brother podem declinar até morrer, como ocorreu com No Limite, mas haverá mais e mais sucedâneos. É o que ocorre no mundo todo.
Reality shows põem em crise a teledramaturgia. Demonstram que o telespectador quer narrativas, sim, mas que a ficção disponível na telinha já não o satisfaz. Isso vale para a novela brasileira, a sitcom e o filme americano, ou a minissérie européia – sem prejuízo de eventuais sucessos, como de O Clone. A incessante repetição de temas e fórmulas, conseqüência da produção em escala industrial, vai matando aos poucos a ficção televisiva. Autores e roteiristas estão convidados a repensar tudo em seu trabalho.
Reality shows são o produto de ponta da cultura globalizada. Caríssimos, mobilizam um volume enorme de capitais. Universais, vendem-se em qualquer parte com a mesma aceitação. Multimídia, forjam celebridades instantâneas e descartáveis para alimento da imprensa, da publicidade, da indústria do disco e do espetáculo. São a festa do hipercapitalismo.
Buscar fórmulas de qualificá-los, dotando-os de mais imaginação e densidade cultural, é melhor política que tachá-los de ?baixaria? e ir chorar no cantinho contra a degradação moral do mundo. Formas evoluídas de reality shows são possíveis e necessárias, posto que as degradadas já estão surgindo. Basta ver a Casa dos Desesperados, de Sérgio Mallandro, novo lar da vulgaridade nas noites de sábado."
"Globo prepara ?reality show? com novos talentos musicais", copyright Folha de S. Paulo, 23/03/02
"A guerra de ?reality shows? que se espalha pelas televisões vai respingar na música popular brasileira. Enquanto o SBT sonha inventar as Spice Girls nacionais com o anunciado ?Popstars?, a Globo saca discurso bem diferente, de revelar novos talentos musicais sob as palavras-chave ?seriedade? e ?qualidade?.
A rede adquiriu direitos sobre o programa ?Operación Triunfo?, criado pela Endemol -a mesma dos quiproquós de ?Big Brother? e ?Casa dos Artistas?-, e que foi sucesso na Espanha.
Seguindo, com pequenas alterações, as regras de lá, a Globo reunirá numa ?academia? 11 artistas amadores, semiprofissionais, independentes ou sem gravadora.
A sele&ccedccedil;ão, segundo a Globo, está sendo feita em escolas de música e nos ambientes musicais e teatrais de várias cidades. A Som Livre, gravadora da casa, aceita inscrições até a próxima quinta-feira.
Os participantes receberão, durante nove horas por dia, aulas de canto, teoria musical, coreografia e marketing. Também farão shows que serão gravados em CD.
Na parte mundo-cão do projeto, serão avaliados e submetidos à doutrina de eliminação dos ?reality shows?, um a um, por ação de um corpo de jurados, dos colegas postulantes e do público.
Na produção do programa estão o diretor de núcleo Luiz Gleiser, envolvido no ?Big Brother Brasil?, e o produtor e compositor (de ?Menina Veneno?) Bernardo Vilhena.
Ao explicar a intenção do projeto, Gleiser diz: ?Queremos mostrar que ser artista não é só tocar violão de madrugada, mas sim estudar para caramba, muitas horas por dia?.
O patrocínio bancado pela rede por anos a fio da invasão de Carlas e Scheilas da axé music suscita indagações sobre que tipo de música o ?Triunfo? pretende revelar.
Decreta Gleiser: ?Os candidatos devem tender a uma das quatro vertentes principais da música brasileira, que são MPB, sertanejo/romântico/brega, pop/rock e samba/pagode/axé/funk?.
Por fim, repele o temor de que tudo seja armado demais, suspeita que rondou ?Big Brother?. ?Embora se fale muito da manipulação global no mundo aí fora, não tenho essa visão. O que vendo à direção da Globo é a necessidade de inovação. Vamos procurar critérios de qualidade que dêem audiência e me permitam fazer uma segunda edição, mas com o faro no talento e evitando a pasteurização que achatou a MPB e tornou complicado o surgimento do novo nos últimos anos?, fecha."