QUALIDADE NA TV
HOLLYWOOD BRASILEIRA
"O fim das fronteiras entre TV e cinema", copyright O Estado de S. Paulo, 18/02/01
"Apenas pela cerimônia de entrega, concebida pela cenógrafa Bia Lessa e transmitida no sábado retrasado pela Rede Pública de Televisão, já teria valido a segunda edição do Grande Prêmio Cinema Brasil, a láurea instituída pelo Ministério da Cultura para reconhecer e prestigiar a produção audiovisual brasileira. Contrastando com os espetáculos habituais do gênero, que têm no Oscar a sua melhor expressão e teve no ano passado uma desastrosa cópia nacional, a cerimônia ocorrida no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, revelou-se original e brindou os telespectadores com duas horas de criatividade, bom gosto e inteligência.
Ao intercalar as entregas de troféus e os agradecimentos de praxe com informações sobre os concorrentes e ainda textos literários, vazados num grafismo animado, e ao misturar em cena os homenageados com pessoas da mais diversa procedência (filósofos, cantores de rap, esportistas), Bia Lessa criou um espetáculo de puro deleite, surpreendente para quem esperava bocejar desde os minutos iniciais.
Mas o maior saldo do 2º GPCB é de natureza político-cultural. Celebrou-se neste ano a aproximação do cinema com a TV, aliança já obtida por outros países e há décadas adiada no Brasil, por vaidades, temores, mesquinharias ou mera burrice. Ela se expressa não só no triunfo de O Auto da Compadecida, projeto da Globo Filmes lançado inicialmente como minissérie (e vencedor nessa categoria, no ano passado), que disputou 5 das 10 categorias destinadas a longas e abocanhou 4 prêmios. É talvez mais visível na constatação de que, entre todos os premiados, a maioria transita à vontade da tela grande para a pequena, ou da fita magnética para a película cinematográfica, desdenhando supostas fronteiras entre artes cuja base tecnológica tende, mais e mais, à homogeneidade. Louve-se, pois, a contemporaneidade de Andrucha Waddington, Guel Arraes, Cao Hamburger e outros tantos, cuja arte tem fertilizado o cinema e a TV, indistintamente, enquanto os dinossauros discutem de que lado da ponte querem estar.
Prova cabal do bizantinismo da polêmica cinema versus TV foi dada na própria organização do prêmio. Participei da comissão de seleção, com a tarefa específica de coordenar a subcomissão que selecionou os concorrentes a Melhor Produção Cultural de TV e Melhor Série para TV. No segundo caso, foi fácil, posto que só a Globo e raríssimos produtores independentes estão nesse campo. Mas, no primeiro, os mais de cem produtos que examinamos foram realizados, indistintamente, em filme ou vídeo, e muitos exibidos no cinema (festivais e circuitos paralelos), antes ou depois da veiculação na TV (leia-se canais públicos, GNT, STV e Discovery, basicamente). Muitos dos habilitados para essa categoria surgiram também nas listagens de melhor curta ou média-metragem, melhor vídeo ou obra de animação. É sinal de que os realizadores já não pensam em produzir para esta ou aquela mídia, mas para todas quantas puderem veicular seu trabalho. É pela base, portanto, que se constrói a ponte entre cinema e televisão.
Resta concluir a obra pelo topo, pela superestrutura. Mas também aqui as notícias são boas. O Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (Gedic), composto por gente de cinema, TV e ministros de Estado, está propondo um pacote de medidas para o desenvolvimento do cinema, baseado na transferência de recursos da TV, via cotas de exibição obrigatória de filmes e taxação das emissoras para a criação de um fundo de fomento. Propõe medidas de incentivo à TV, para a produção de filmes. Poderá existir até uma Agência Nacional do Cinema, para que o audiovisual seja, enfim, tratado como indústria no País.
Estamos nos aproximando, portanto, de uma Hollywood brasileira. Que não será mais, apenas, a Globo. (Gabriel Priolli é jornalista, professor universitário e diretor da TV PUC)"
HOMOSSEXUALISMO NA TV
"Pitibicha encontra Borges", copyright no. (www.no.com.br), 16/02/01
"Gay com gay, perguntem ao macaco Simão, dá amarelo cheguei. Bofe com bofe, perguntem ao Pitibicha, dá pontos no ibope. Ado com ado, gritem com o Fivelinha, tá tudo dominado.
Há uma nova safra de tipos homossexuais na televisão e, livres do politicamente correto, eles soltam a franga. Não fazem discursos, curtem com a cara de seus prazeres e fracassos. São engraçados, mas não pega bem confessar isso numa reunião de intelectuais do Triângulo Rosa. Max Fivelinha, da MTV, parece uma moça. Pitibicha, da Globo, sucede Freddie Mercury na tipologia do homossexual bigodudo. Duas caricaturas, não avançam uma purpurina à causa gay. Mas, como até o pessoal da praia da Teixeira de Melo já percebeu, se até a prefeitura de Paris foi dominada por um ativista, a hora é de relaxar, bombar gostoso com o Village People indo fundo no Macho Man. A hora é de cuidar da pele e malhar mais uns 20 supinos. A hora é de curtir com a cara dos heterossexuais que restam, essa gente eternamente enrolada em resolver sua homossexualidade latente.
Muito Clodovil, muito Capitão Gay e Painho já passaram pela telinha desde que, em 1975, Ziembinsky viveu Conrado, milionário que tinha caso com o sobrinho em O Rebu, da Globo. Tudo sutil (depois das 22 horas) e atormentado (o milionário mata a noiva do rapaz). Sair do armário, na época, só mesmo calças bocas-de-sino e camisas de seda, e apenas para dar um pulo de madrugada na boate Sótão, na Alaska. Até ali, o máximo de homossexualismo que se tinha visto na televisão eram certos gestos dos comediantes Vagareza e Costinha nos anos 60. Vinte anos depois do Rebu, em A Próxima Vítima, Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes) foram à luta explícita por sua vocação. Tudo às claras, no horário nobre. Ninguém se chocava mais. Renato Russo já tinha falado de seus amores com meninos embaixo da ponte, em seguida a família real deixou o Elton John cantar as velas ao vento no funeral da princesa.
Depois dos punhos cerrados, é hora de dobrar o punho. Se a Cássia Eller não estivesse mostrando os peitos justo agora, você leria na camiseta Casseta e Planeta dela: ‘Macho que é macho não senta na banana. Senta no cacho’.
Não há porque reclamar se o Pitibicha, o personagem de Tom Cavalcante em Zorra Total (sábado, 21h50, Globo) dá uma avaliada no bofe e, entre sôfrego e autoritário, diz que vai levá-lo ao apartamento e mostrar o ‘cuecão de couro, mano’. Do outro lado, sem maldade, do outro lado o Eurochanel continua exibindo o Queer as Folk, toda meia noite de quarta-feira, com seus rapazes bem resolvidos indo despudorados à caça e rindo, por exemplo, da monotonia dos bares de heterossexuais: ‘Eles não fazem sexo nos banheiros?’ Não há discursos, mas Queer não debocha da causa, acusação que os radicais brasileiros fazem aos esquetes do Pitibicha. Mas, definitivamente, a reserva de mercado está bem equilibrada e atende tanto aos que curtem Abba bem alto como aos que passam a noite lendo Oscar Wilde. Em Malhação, por exemplo, teve final feliz nesta segunda-feira o personagem Sócrates. Mal resolvido, ele andou distribuindo sopapos entre os que insinuavam sua homossexualidade. Tinha virado um pit-gay raivoso. Na segunda-feira, Sócrates filosofou com a galera, finalmente assumiu e, sob o respeito de todos, pediu transferência para a escola em que estuda o namorado.
É verdade que esta semana em São Paulo um skinhead foi condenado a mais de 20 anos de prisão por matar um homossexual. O preconceito existe. Em Brasília, a loura larga o senador poderoso, vai viver nos braços de outra e a fofoca ainda sai nos jornais, como aconteceu esta semana. O espanto persiste. Mas, sem querer emular um Max Fivelinha digital, também não se atrasa uma purpurina à causa gay fazer piada com os próprios. Max é uma espécie de Clodovil do bem, não faria mal a uma mosca – porque inclusive lhe falta força física para tal. É uma espécie de última bicha romântica. Maquiador da MTV, acabou entrando em cena e hoje tem um programa próprio, entrevistando pessoas na praia. Não é um tipo, como o Uálber de Diogo Vilela em Suave Veneno. Max fala daquele jeito, rebola daquele jeito e sempre usou aquelas fivelinhas no cabelo – o que se pode fazer? Conhece aquela piada da bichinha que, diante do militar, perguntou ansiosa: da ativa ou da passiva? Max Fivelinha substitui qualquer dessas piadas esquisitas do Casseta e Planeta. É a própria. Às segundas-feiras, às 23horas, ele se junta com o seu avesso, o machíssimo João Gordo e nesses momentos – quem viu a entrevista com Serguei sobre o dia em que se abateu Janis Joplin sabe do que se está falando – nesses momentos o mundo fica de pernas para o ar.
Com exceção de Queer as Folk, o clima é de escracho. Sem crítica. No seriado inglês, dois homossexuais repetem a cena clássica do casal de braços abertos na proa do Titanic. ‘Eu sou o rei do mundo’, diz o que está na posição de Di Caprio. O que está na frente do abraço ri, conformado: ‘Eu sou sempre Kate Winslet’. É um estilo mais sofisticado. Nas produções nacionais, aposta-se na chanchada carnavalesca. Luis Salén, outro exemplo, está fazendo um estilista gay muito engraçado em Um Anjo Caiu do Céu, e só não voam plumas e paetês pelo estúdio porque já não se usam tais breguetes há muito tempo.
Todos esses personagens têm em comum, além do humor, um bom ibope. O Triângulo Rosa acha que eles confirmam os estereótipos de uma gente fútil e doidivanas. Queriam mais Pasolini. Mais drama. Pitibicha e Fivelinha, espertos e alegres, ficam na aba de um Borges irônico e quase tropicalista: ‘em terra de cego, quem tem três olhos é gay’."
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