Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Gabriela Goulart

REALITY SHOWS

"Show de calouros maquiado", copyright Jornal do Brasil, 27/04/02

"Quem não gosta de reality show, nem de disputas entre calouros, muito menos de tudo isso junto, melhor nem ligar a TV na tarde de hoje. É que, a partir das 14h30, sai do forno a nova (?) leva de programas que pretende fazer show e audiência à custa da realidade de gente anônima. O primeiro, Amor a bordo, vai ao ar dentro do Caldeirão do Huck, da Globo, cheio de gente jovem e bonita, a fim de faturar um(a) namorado(a) e um cruzeiro. No fim da tarde, Globo e SBT investem no mesmo filão: candidatos a músicos que perseguem o sonho de gravar um CD e virar astros pop. Às 18h, a Globo estréia Fama, que mostrará o dia-a-dia de 12 candidatos ao estrelato musical. Às 19h45, o SBT leva ao ar Popstars, que exibirá, em tom de documentário, a formação de uma girl band.

Nada é novo. Amor a bordo mistura um pouco de Love boat – criado pela produtora holandesa Endemol – e do americano Temptation island. Fama, também da Endemol, foi um estrondoso fenômeno na versão espanhola Operación triunfo. Popstar, da australiana Free Mental, arrasa igualmente quarteirão por onde passa. À primeira vista, a idéia das emissoras, pós-Casa dos artistas, Big brother Brasil e Hipertensão, é mostrar que é possível fazer um reality show dar audiência sem apelação e pis! para todos os lados. ?As pessoas vão querer ver porque é um programa jovem, não tem baixaria, é chique?, garante Ignácio Coqueiro, diretor de Amor a bordo. ?O que emociona é acompanhar a luta das meninas para realizar seu sonho. Não tem exploração?, diz Fernanda Telles, diretora artística do Popstars.

Games – Amor a bordo deve agradar bem ao público do Caldeirão. Durante oito semanas, um grupo de 14 universitários – sete homens e sete mulheres -, entre 18 e 22 anos, vão participar de games em um barco e em uma ilha paradisíaca de Angra dos Reis. Ganha o casal que, na opinião da produção e dos colegas de programa, tiver o amor mais sincero. A maior briga entre as estréias, até pela semelhança das propostas, deve acontecer entre Fama e Popstars. Para começar, os dois programas foram estrategicamente escalados para a tarde de sábado, dia em que o formato de show de calouros foi consagrado por Chacrinha na década de 70 e ressuscitado ultimamente pelo Programa Raul Gil, da Record, que, com médias de audiência de 14 pontos das 13h às 18h, volta e meia perturba a liderança da Globo aos sábados.

Este tipo de programa também abre as portas para um novo business em TV: a associação com grandes gravadoras e a participação na astronômica venda de CDs. Em parceria com a Warner, o selo Luar, de Raul Gil, já colheu os louros do lançamento do calouro Robson, que bateu a casa de 1 milhão de cópias em seis meses. ?A Globo e o SBT abriram o olho para um mercado que o Raul Gil descobriu?, diz Raul Gil Júnior, diretor-geral do programa do pai, que tem hoje 26 calouros e quatro novos CDs em produção. Na Globo, a parceria será com a gravadora BMG, que botará no mercado um disco com a trilha de Fama a cada semana. No SBT, a Sony será responsável pela carreira das meninas escolhidas pelos jurados na grande final.

Raul Gil, que resolveu resgatar os calouros no ano passado – o quadro começou com uma hora e hoje ocupa todo o programa -, não teme a concorrência. ?Todo mundo fala que eles estão me copiando. Então penso: por que as pessoas vão assistir à cópia se podem ter o original??, diz. Fernanda Telles admite que o Popstars, co-produção do SBT com a RGB (detentora dos direitos na América Latina), pode lembrar, em um primeiro momento, o velho show de calouros. ?No fundo são pessoas querendo mostrar seu talento?, ressalta.

Gênero – Mas a comparação, segundo ela, pára por aí. O programa do SBT, na verdade, não é nem um reality show propriamente dito. Segue mais para o docu-soap, gênero que surgiu nos Estados Unidos com o programa The Osbournes, que mostra o dia-a-dia do metaleiro Ozzy Osbourne e sua família. Popstars mostrará, em 20 episódios com uma hora de duração, o processo de seleção, um evento promovido no Sambódromo de São Paulo – a emissora recebeu 30 mil inscrições -, as audições, o processo seletivo, a preparação, a história de vida delas (um dos pontos fortes do programa, que pretende explorar o filão emoção) e, no fim, a gravação do CD e as turnês.

A idéia é que a banda seja formada por cinco meninas, com idades entre 18 e 30 anos, escolhidas por três jurados do meio musical. O público só vai assistir ao processo e não terá participação nos nomes pinçados da multidão de garotas sedentas para ser uma das Spice Girls do SBT. ?Na vida real não é o público que escolhe os talentos contratados pelas gravadoras?, diz Fernanda.

No Fama, da Globo, o mote é justamente o contrário: a cada semana, o público escolhe quem deve ficar na academia montada para que os 12 participantes – com idades entre 18 e 30 anos, selecionados entre 720 fitas – tenham aulas de canto, dança, interpretação, desenvolvimento corporal, ginástica e atualidades (categoria ministrada pelo ex-secretário estadual de Cultura Leonel Kaz). É aí que entra a realidade, já que os candidatos, apesar de poderem ler jornais, ver TV e falar com a família, ficarão confinados na academia por dois meses, sendo observados por 16 câmeras durante o dia.

A cada semana, cinco jurados escolherão quatro músicos para sair da academia. Um será salvo pelos professores, outro pelos colegas. Os dois que sobram seguem para o paredão do público, que vota pelo telefone aos sábados, quando o programa consistirá em um show ao vivo. Durante a semana, Fama irá ao ar, com dez minutos de duração, antes de Malhação-Múltipla Escolha. O grande vencedor, depois de oito semanas, gravará um CD. Que, se seguir a tendência deste tipo de programa em os outros países, deve vender horrores."

 

"?Fama? estréia com cantoria e edição morna", copyright O Globo, 28/04/02

"Para o primeiro episódio de um programa que pretende empolgar – leia-se empolgação aqui como algo próximo àquela conquistada pelo Big Brother Brasil – o ?Fama? que estreou hoje foi morno. No Ibope, também ficou assim: teve 28 pontos de audiência, com picos de 32. E já deu a dica do que virá por aí ao longo das oito semanas em que ficará no ar: muita cantoria e ralação, dentro da linha ?talento só não basta?. Por isso, tome ver participante malhando na esteira – para cantar tem que ter peito – e fazendo alongamento – tem que saber dançar também, viu?

Os aspirantes a famosos, selecionados entre 720 inscritos, foram apresentados em voz, música e depoimentos à câmera. Cada um no seu estilo, tem para todo mundo. Da voz soul de Vanessa Jackson e Adelmo, ao visual rock de Nalanda e Kíldare (que confessou gostar mesmo é de Jessé), passando pelo sertanejo de Rodriggo. Em comum, os nomes diferentes, com toques de numerologia, e o início da carreira: todo mundo começou a cantar quando era criancinha.

Apresentado pelo ator/cantor Toni Garrido, do Cidade Negra, e Angélica, o programa dedicou um bloco inteiro a explicar o processo de seleção. Os participantes, sofrendo nos testes eliminatórios começaram aí a conquistar a simpatia do público. Uma ligou para casa e chorou porque ia continuar; outro – o simpático João Batista – pregou uma peça na mãe.

Da maneira como apareceram, todos têm chances. E devem mesmo sair cantores da academia montada no Rio Water Planet, na zona oeste da cidade. Afinal, o foco lá é mesmo voltado para o mercado fonográfico. E ninguém esconde isso: no primeiro episódio já teve gente ensaiando os primeiros solfejos em espanhol. O goiano Tonny Francis e o carioca Fael Mondego cantaram ?Corazón partío?, de Alejandro Sanz. Quem sabe assim não dá para abocanhar um mercado ainda maior?

É acompanhar para saber. E que ninguém se espante se outros, além do vencedor, também ficarem ?famosos?. É para isso que todos estão ali, não é? Dentro dessa lógica, quanto mais, melhor.

A cada sábado, de 4 de maio a 15 de junho, uma banca formada por jurados ligados ao meio musical vai escolher quatro candidatos a sair da academia. O júri dá seus votos após avaliar as apresentações dos participantes no palco do programa. Destes quatro, dois serão escolhidos para continuar no programa: um pelos professores e outro pelos colegas da academia. Os dois restantes vão para a berlinda e receberão treinamento intensivo para aperfeiçoar suas performances.

A partir daí, o público elege um deles para permanecer na academia, através da internet e mensagens enviadas por celular ou telefone fixo. A votação só se encerra depois que os dois indicados se apresentarem no show do sábado seguinte. O resultado indica quem fica e quem deixa o programa."

 

"Reality showbusiness", copyright Folha de S. Paulo, 26/04/02

"Com uma capacidade de mutação à la monstrinhos gremlins, novos formatos de ?reality shows? estréiam amanhã no Brasil. Depois da disputa ?Casa dos Artistas?/ ?Big Brother?, SBT e Globo colocam no ar, no mesmo dia, dois programas com a mesma idéia: acompanhar dia-a-dia a fabricação de celebridades.

Mas o global ?Fama? e seu concorrente ?Popstars? não colocarão apenas mais lenha na fogueira da guerra de audiência na TV. As atrações chegam com a promessa de levantar a poeira do mercado fonográfico brasileiro.

Na Globo, 12 cantores e cantoras não profissionais passarão oito semanas morando em uma academia onde supostamente irão aprimorar seus talentos com professores de música, dança etc. Aprende-se de tudo para ser um ?astro?: até a dar entrevistas.

O SBT mostrará por 20 semanas uma ?peneira? que começou com 30 mil meninas inscritas e terminará com a formação de uma banda com cinco integrantes, no estilo Spice Girls.

Dos dois programas, os novos artistas saem com discos gravados e agenda para shows.

É um sonho para as gravadoras, que, depois de KLB e de Wanessa Camargo, não têm conseguido lançar outros nomes tão bons de venda. ?Fama? e ?Popstars? selam, então, um casamento de conveniência perfeito. A televisão, sofrendo queda de audiência com a falta de oferta de novas ?celebrities?, principalmente nos programas de auditório, se une às gravadoras, que transformam o processo de seleção num incrível pré-marketing do artista.

Só para ter uma noção do quanto o negócio interessa à indústria fonográfica do país -atolada também pela pirataria- foi feita uma espécie de licitação para escolher a gravadora parceira dos ?reality shows?. Quem tivesse a melhor proposta financeira e de trabalho assinaria o contrato.

?Fama?, como se esperava, ficou a cargo da Som Livre -o braço fonográfico das Organizações Globo. Mas também fechou acordo com a BMG/Ariola.

Com o SBT, ficou a Sony Music, tradicional fábrica de artistas vendáveis (KLB e Wanessa Camargo, por exemplo). O investimento inicial da gravadora em ?Popstars? gira em torno de R$ 2,5 milhões, meio milhão a mais do que foi injetado no KLB.

O contrato com a Sony prevê a gravação de pelo menos quatro CDs com a banda. Para o de estréia, a previsão é vender mais de 1 milhão de cópias. ?Se vendermos 300 mil, já pagaremos o investimento. Mas não tenho a menor dúvida de que passaremos de 1 milhão?, diz José Antônio Éboli, presidente da gravadora.

Ele acredita que os ?reality shows? tenham chegado em boa hora para a indústria da música brasileira. Compara o processo de ?Popstars? com a criação de bandas nos anos 80, como Balão Mágico e Dominó. ?Naquela época, o mercado fonográfico estava em crise. Não era tão grave como a atual, mas precisávamos de produtos que vendessem bem.? Com olheiros e testes, Simony, Tobby e Mike (Jairzinho veio depois) foram caçados e formaram o grupo.

Foi um fenômeno de vendas tão grande (mais de 6 milhões de cópias com três discos) que as crianças acabaram ganhando um programa na Globo. ?Hoje, esses ?reality shows? unificam esses dois passos, o que possibilita lucro desde o primeiro instante.?

Tudo bem assumir uma visão tão ?caça-níquel? da música? ?Esse tipo de produto é vital para sustentar as gravadoras. Lançar um artista novo é muito caro e essas bandas acabam subsidiando artistas que só conseguem vender a partir do segundo ou terceiro álbum?, afirma Éboli.

Por falar em ?caça-níquel?, ?Popstars?, formato da Columbia comprado pelo SBT, começou a faturar desde a inscrição, cobrando R$ 6 de cada uma das 30 mil garotas -R$ 180 mil.

Ainda há um acordo com a editora Abril para o lançamento de uma revista com ?bastidores? do programa. A publicação terá reportagens ?ensinando? as leitoras a se transformarem em estrelas: que batom usar, que músicas ouvir. ?Popstars? ainda será grife de roupas, produtos de beleza etc.

Com tanto dinheiro envolvido, qual será o critério de escolha das meninas? Para se ter uma idéia, o corpo de jurados, que inclui o criador dos Mamonas Assassinas e uma cantora de hotéis de Cancun (veja quadro nesta página).

A Globo, como sempre, prefere dar um tom mais sério ao projeto irmão do SBT. Os 12 finalistas foram escolhidos a partir de 720 fitas reunidas com o apoio de escolas de música em todo o país.

Entre os professores na academia estão, por exemplo, Leonel Kaz, professor de cultura brasileira na PUC, e a bailarina clássica Rossella Terranova.

?Fama? é um produto da Endemol, que resolveu aproveitar a casa de ?Big Brother?, transformando-a em escola de artistas.

A versão espanhola, ?Operação Triunfo?, bateu recorde de audiência e de venda de discos.

Esse é o sonho da Globo, cujo último pesadelo na área musical foi a constrangedora tentativa de reavivar os festivais. Se ?Fama? lançar alguém tão famoso quanto Ricardo Soares -vencedor do festival global de 2000- e seu ?hit? ?Tudo Bem, Meu Bem?, a relação TV/indústria fonográfica ficará mais para divórcio…"

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"Quadro de Raul Gil inspira três emissoras", copyright Folha de S. Paulo, 22/04/02

"Além da boa audiência, há outro motivo levando Globo e SBT a investirem nesses ?reality shows?: o sucesso do quadro de calouros do ?Programa Raul Gil?, da Record.

Reativado em março de 2001, o concurso lançou, em outubro, o cantor pop/gospel/romântico Robinson. Com o selo Luar, criado por Raulzito, filho do apresentador, o CD de estréia vendeu 1 milhão de cópias. O calouro esgotou os ingressos de sua primeira apresentação no Credicard Hall (SP) e já tem mais três datas marcadas no DirecTV Music Hall.

Depois dele, veio a dupla Rinaldo e Liriel. Com um disco de música lírica, que dificilmente ultrapassa 10 mil cópias no Brasil, os artistas já venderam 300 mil.

O selo virou um negócio quase maior que o programa. Fora isso, o quadro aumentou a audiência do ?Raul Gil?, que vai ao ar das 13h às 18h. De 16 pontos de média no Ibope, passou a dar 22, com picos de até 31, deixando a Globo para trás.

Os calouros ainda serviram para preencher a falta de opções que o mercado oferecia aos programas de auditório. ?Nem axé nem pagode estavam dando audiência. E os nomes eram tão poucos, que acontecia de um grupo ir segunda na Hebe, terça na Galisteu, quarta não sei onde e, quando chegava o sábado, ninguém aguentava mais ouvir os caras?, afirma Nelson Tamberi, diretor do programa.

O esquema chegou também à Rede Gospel de Televisão (TV paga). ?Minuto da Fama? vai caçar talentos de música gospel. Vale mandar para lá até fita de casamento. É ou não é uma releitura dos monstrinhos gremlins?"