TARDES DE DOMINGO
Paulo José Cunha (*)
Tudo bem, tenho de revelar que já teve domingo à tarde em que pensei seriamente em partir para uma ação terrorista no estilo bin Laden, ao zapear desesperado diante da tela da tevê sem conseguir parar em parte alguma. Isso acontece quando a gente já leu todos os jornais ? e nada é mais entediante do que jornal de domingo, a maioria das edições com cara de jornal e jeito de revista, aquela coisa meio pedra, meio tijolo, nem isso nem aquilo, tudo com aquela cara de análise inteligente. Aí acontece o desastre: o tédio vence, a gente liga a televisão! e os mais tenebrosos pensamentos nos ocorrem. Quem sabe uma implosão do Jardim Botânico com algumas bananas de dinamite bem posicionadas? Ou talvez uma carga radioativa escondida naquele microfone do Sílvio Santos? Um livre atirador solto num desses programas de auditório também é uma, recorrente em minhas elucubrações.
(Vamos lá, leitor, confesse: você também já teve maus pensamentos domingo à tarde, diante da tela da tevê. Todo mundo já teve, por que só você escaparia? Não se preocupe, apesar de grave esse tipo de pensamento não o levará ao fogo do inferno).
Nessas ocasiões, talvez valha a pena fazer uma reflexão sobre as razões que fizeram a tevê no Brasil chegar a esse ponto. Uma breve volta no tempo pode explicar muitas coisas. Em primeiro lugar, na qualidade de filha do rádio, a televisão surgiu em São Paulo, naquele 18 de setembro de 1950, pelas mãos de Assis Chateaubriand, cujo discurso, como assinala o professor Laurindo Leal Filho, “passa longe de qualquer idéia de serviço público. Sua preocupação é com os anunciantes (…)”. Curiosamente, o Brasil vinha de uma bela experiência do rádio com função social, expressa na forma como se constituiu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro por Roquette Pinto. É verdade que o modelo de Roquette, semelhante ao dos fundadores da BBC, não se manteve muito tempo, sucumbindo logo à força da propaganda. A televisão queimou etapas e adotou direto o modelo americano da tevê comercial aberta à publicidade.
Daquele tempo a esta parte não mudou muita coisa. A hegemonia da audiência pertence integralmente ao modelo de tevê comercial. A tevê estatal ? emissoras Radiobrás, educativas e universitárias ? marcam traço no ibope, um pouco porque são ruins, um pouco porque são simples porta-vozes da autoridade local, um pouco por falta de incentivo. Fazer o quê? Atear fogo às vestes? Seria uma idéia boa de ser discutida, até porque a rede estatal de televisão não corre qualquer risco de se transformar em outra coisa enquanto permanecer o modelo coronelista segundo qual emissoras estatais estão a serviço do poder da hora. Nem em estados governados pelo PT o modelo se alterou, haja vista a censura imposta pelo governador Zeca do PT à TV Educativa do Mato Grosso do Sul.
Mas existe uma luz permanentemente acesa no fim do túnel, representado pela TV Cultura de São Paulo, último bastião de isenção e independência, apesar das conhecidas dificuldades financeiras que felizmente não a impedem de seguidamente faturar prêmios nacionais e internacionais. Tudo isto leva a crer que a solução para se evitar de atear fogo às vestes nas tardes de domingo pode ser o surgimento de um amplo movimento popular em favor da transformação das emissoras estatais em públicas.
Belo ponto de plataforma eleitoral, se algum candidato de esquerda quiser entrar com o pé direito no assunto. Bom explicar para quem não é do ramo que o modelo de tevê pública tanto pode estar próximo do adotado pela BBC de Londres, cujo financiamento é feito diretamente pelos cidadãos ingleses, como por algum modelo tupiniquim mesmo. Um deles, em exame, seria o depósito compulsório de um percentual mínimo do faturamento da tevê comercial ? algo em torno de 1% a 2% – para patrocinar a tevê pública. Isso, claro, seguido da formação de conselhos de programação para garantir independência e isenção.
Claro que propostas como essa sempre provocam choro e ranger de dentes nos big-boss (é assim mesmo que se escreve esse troço?) acostumados a se comportar como donos embora sejam apenas detentores de uma concessão estatal renovável no conforto do prazo de 15 anos sem ter de prestar contas a seu ninguém pelo que exibiram no período. Qualquer mordida por menor que seja no suculento bolo publicitário que garante a eles alguns milhões ou bilhões na conta bancária produz reações de urticária e vômito, ou apenas a ordem aos políticos que lhes prestam vassalagem para que tomem as devidas providências. E eles tomam, tanto as devidas como sobretudo as indevidas providências. E tão bem tomadas que tudo vem permanecendo exatamente da mesma forma há décadas. Vale um ingresso para assistir ao Caldeirão do Hulk como nenhum candidato vai incluir o assunto na pauta prioritária de seu programa de governo. Quem tem pescoço em francês tem medo. Y así pasan los dias.
Fogo às vestes ou gases tóxicos na tubulação de ar condicionado do Domingão? Não sei ainda. Estou em dúvida.
(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico “Telejornalismo em Close”, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>