GOVERNO LULA
“O vôo do Pássaro Azul”, copyright O Estado de S. Paulo, 12/10/03
“Quando os dizeres de um cartão passam a integrar a pauta de discussão sobre a unificação de programas sociais e quando o presidente da República manda seu publicitário-mor, Duda Mendonça, refazer o modelo, que será verde e amarelo, para pôr o logotipo dos Estados envolvidos nas ações, dá para concluir que a democracia brasileira anda mal das pernas. É detalhe pequeno para merecer a atenção de um presidente.
Para ser mais preciso, a nossa democracia floresce em cantos de jardim ainda cultivados por aquela semente que, sob a forma da cruz gamada dos nazistas, propagou a maior catástrofe psíquica do século 20. O simbolismo gráfico denota um viés de nossa cultura política: a prioridade que os governantes do País conferem a um Estado embalado na propaganda. Nos últimos tempos, tem sido arma do marketing político. E perigosa. Mais que o dever de governos de sinalizarem para a sociedade suas ações e feitos, esse tipo de comunicação estética, com sua profusão de cores e slogans, expressa a herança maldita da engenharia de mistificação que foi responsável pela excitação e dominação das massas durante a mais ignominiosa das ditaduras dos tempos modernos, comandada por Hitler na Alemanha.
A propaganda institucional, como é conhecida entre nós, é seqüela de uma prática política que enxerga o poder como um fim em si mesmo, sendo uma luta para ocupar espaços a qualquer preço, transformando-os em territórios de castas, promovendo a locupletação pessoal pela acumulação de bens públicos e a divisão do butim entre os participantes da arena política. Uma das promessas da democracia era a transparência dos governos, como lembra Norberto Bobbio. Deveria concretizar-se pelo acesso dos cidadãos às informações de caráter público e ao compromisso de combater o poder invisível, que se incrusta nas malhas do Estado, forjando conluios e redes intestinas de corrupção. A idéia de transparência sugeria a implantação de mecanismos de acesso às ações dos governos. E o que foi feito nesse sentido?
A apropriação de métodos nazistas de comunicação, cujo paradigma é a propaganda institucional, para a qual estão previstos, no próximo ano, cerca de R$ 150 milhões para cantar loas à administração.
Não se pode atribuir ao PT ou ao governo Lula a existência dessa praga. Já faz tempo que ela se propaga no terreno político, seja na esfera de campanhas eleitorais, seja no plano do marketing dos governantes. A verdade é que a atual administração expande o cultivo dessa semente, a ponto de o ministro Luiz Gushiken, do círculo íntimo do Palácio do Planalto, proclamar, sem escrúpulo, a criação informal de um Ministério da Propaganda. Ante o oceano de possibilidades que se apresentam no País para se fabricar tóxicos sonoros, magias verbais, encantamentos emotivos, arrebatamentos gregários, o Ministério da Propaganda deverá fazer experiências que encantariam Pavlov, o estudioso dos reflexos condicionados, ou o dr. Freud, que estudou o fenômeno da sublimação, no caso, o fluxo das excitações humanas. Contingentes famintos, medrosos, desempregados, doentes, fatigados, massas angustiadas, porém esperançosas, constituem, por excelência, os públicos-alvo de qualquer propaganda que mostre o fim do túnel, uma luz na escuridão, heróis da salvação nacional. Não há quem resista à fascinação gerada pela propaganda subliminar, que age como fator condicionante, desencadeando reações propícias aos ícones glorificados.
O simbolismo que o governo Lula deverá imprimir ao País atingirá em cheio o vocabulário do inconsciente nacional. Poderá agregar multidões em torno de novo alfabeto governamental, cujo código é o reflexo de fim, que Pavlov assim explica: se uma pessoa quer atingir um objetivo, por não se contentar com a situação em que vive, procura algo melhor, mais atraente e, vendo que isso é impossível, cria um ideal, o seu Pássaro Azul. Eis aí a origem dos mitos. A propaganda governamental é um meio para conduzir as massas ao encontro dessa ave pequena. Ela vende mitos. E o mito representa, na consciência, a imagem de uma conduta que a coletividade estabelece previamente. Cada pessoa tem escondidinho o seu passarinho azulado. Por isso, a propaganda institucional é prenhe de demagogia. As democracias contemporâneas, como se vê, abrigam elementos ditatoriais quando abusam da propaganda institucional. A violação psíquica das massas constitui um dos traços dessa forma de autoritarismo.
O noticiário dá conta de que quadros do governo, como o professor Bernardo Kucinski, não concordam com a propagação institucional como forma de prestação de contas. Postulam a via jornalística, o contato com a reportagem política, sem dúvida a forma mais democrática e saudável de dar visibilidade aos atos administrativos, como fazem os governos dos Estados Unidos e da Europa. É o início de uma reação positiva. Mas será difícil mudar a cultura da propaganda política em nosso meio.
O marketing enviesado se infiltrou nas veias do poder, sendo coadjuvante importante para a eleição de candidatos, entre eles o próprio Lula e boa leva de governantes do PT. É a cera que lustra a imagem de atores e seus palcos. Se não há condições objetivas de controlar seu raio de ação, até porque adoça as vontades de todo o universo político, deveria passar pelo exame da lupa ética, a fim de se poderem divisar os limites entre os espaços público e privado. Eis a questão de fundo: quando um cidadão paga um imposto, na esfera pública de qualquer administração, está financiando a propaganda institucional que o embala e o sufoca. E um partido político, por exemplo, que é pessoa jurídica de direito privado, ao misturar sua propaganda com a do governo, fortalecendo-se com essa imbricação, não estaria sendo também financiado pelo contribuinte? Quando a comunicação das duas entidades tem a mesma raiz, não há risco de a esfera pública ser invadida pelo campo privado, e vice-versa?
Enquanto essas dúvidas não forem dirimidas, o Pássaro Azul continuará voando nos céus, melhor dizendo, povoando as mentes. (Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político E-mail: gautorq@gtmarketing.com.br Site: www.gtmarketing.com.br)”
DIREITOS HUMANOS
“Asma Jahangir e Shirin Ebadi”, copyright Jornal do Brasil, 11/10/03
“Duas mulheres, duas asiáticas, duas bravas militantes na defesa dos direitos humanos. Asma, paquistanesa, talvez seja apenas conhecida em seu país, na ONU (onde é relatora do capítulo das execuções sumárias) e agora no Brasil, onde se tornou pivô de uma crise política, ao propor uma inédita inspeção no Judiciário brasileiro.
A advogada iraniana Shirin Ebadi é desde ontem celebridade internacional ao ser premiada pelo Nobel da Paz. Ao preferi-la ao papa, ao tcheco Vaclav Havel, ao presidente Lula da Silva e às quase duas centenas de indicados, o comitê do Nobel usou o prêmio não apenas para consagrar uma figura ou uma cruzada, mas para reforçá-las. O prêmio deixa de ser um preito ao passado para transformar-se em instrumento de ação futura. A luta continua, é o recado do comitê Nobel.
?Os radicais que dominam o Judiciário verão o prêmio como interferência estrangeira… Sou muçulmana, portanto pode-se ser muçulmano e democrata?, foram suas primeiras palavras ao ser informada do prêmio. O presidente iraniano, o reformista Mohamed Khatami, segundo as agências, também manifestou sua alegria com a decisão.
O presidente Lula da Silva não deve sentir-se preterido. Ao contrário: a escolha de Shirin Ebadi para o Nobel da Paz e a carga de simbolismos nela contida fortalecem sua corajosa decisão de acatar a proposta de Asma Jahangir tão combatida pelos príncipes do nosso Judiciário. Nessa questão, o Executivo está firme, coeso e sereno: exalta a transparência, rejeita ?caixas-pretas? e promove o princípio de que inspeções não ferem soberanias. Levada às últimas conseqüências, a posição do governo Lula revigora o conceito de multilateralismo e reafirma nosso compromisso internacionalista. Em algum momento deverá destravar as reservas oficiais em tratar publicamente da questão de Cuba.
A questão dos direitos humanos é uma questão universal, concerne à humanidade, transcende territórios, autoridades, rapapés diplomáticos, patriotadas e xenofobias. A causa dos direitos humanos é o outro nome da causa da paz. Razão pela qual, o comitê Nobel escolheu no ano passado o ex-presidente Jimmy Carter, dedicado supervisor de contenciosos e conflitos e, agora, a ex-juíza iraniana, engajada na defesa dos direitos humanos no seu país e, por extensão, no mundo islâmico.
Não deve ter escapado aos formuladores políticos do governo que, ao aceitar a idéia de inspeção no Judiciário, deverão estendê-la aos órgãos de segurança estaduais, violadores contumazes dos direitos humanos. Como aliás denunciou a Anistia Internacional.
Se, no caso do Judiciário, o governo não se impressiona com os protestos contra a pretensa violação de um dos poderes da República, no caso dos Estados precisará da mesma firmeza para confrontar os inevitáveis esperneios de governadores relapsos contra a intervenção de poderes federais ou agências internacionais em suas satrapias.
Por coerência, o mesmo princípio deve ser aplicado à questão da corrupção. Atrás dos atentados aos direitos humanos existe sempre uma rede de suborno e prevaricação que, para prosperar, vincula-se a outras, além dos limites geopolíticos. A corrupção no Paraguai alimenta a corrupção no Brasil e vice-versa. ?Propinodutos? começam aqui, esparramam-se através dos paraísos fiscais, conectam-se ao terror colombiano, à máfia russa ou nigeriana e acabam engrossando as violências e a impunidade doméstica.
A Internacional de Crimes e Delitos só pode ser enfrentada por sociedades dispostas a desvencilhar-se de algumas armadilhas em matéria de jurisdição e competência. Se a palavra ?inspeção? é imprópria, como diz o ministro Sepúlveda Pertence, convém universalizar o conceito da ?observação? – forma indireta porém eficaz de intervenção.
A benfazeja presença entre nós de Asma Jahangir e a celebração internacional dos feitos de Shirin Ebadi funcionam como alento e oxigenam nossas esperanças de um mundo melhor. E maior.”
LIBERDADE DE IMPRENSA
“Assembléia discute crimes contra jornalistas e liberdade de imprensa”, copyright O Estado de S. Paulo, 13/10/03
“A liberdade de imprensa (ou a falta dela) e os crimes contra jornalistas nas Américas dominaram ontem a pauta da 59.? Assembléia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, em espanhol). A situação na Venezuela foi a que mereceu mais atenção, seguida pela da Colômbia, Brasil, República Guatemala e Equador.
?No continente vêm ocorrendo situações que, de diversas formas, afetam negativamente a imprensa?, disse Rafael Molina, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e diretor da revista dominicana Ahora. Segundo ele, no Brasil e na Colômbia ?as autoridades parecem incapazes de punir os culpados? por crimes contra jornalistas.
Na Colômbia, cinco profissionais foram assassinados nos últimos seis meses.
O diretor do diário colombiano El Tiempo, Enrique Santos, criticou o ambiente de impunidade em seu país e disse que dos 122 jornalistas assassinados nos últimos 15 anos, a promotoria pública abriu processos para investigar apenas 35.
No Brasil, segundo dados apresentados por Santos – que também é presidente da Comissão de Jornalistas Em Risco – quatro profissionais morreram no último semestre. Na Guatemala, houve uma morte.
Mais do que em qualquer outro país, a atividade jornalística na Venezuela foi a mais discutida. Falando do governo de Hugo Chávez, Molina disse que a ?imprensa independente no país continua recebendo duros golpes, por meio de agressões e violência dirigidas por setores claramente identificados com o governo?. Molina criticou os esforços do presidente de aprovar uma legislação que incide sobre o conteúdo dos jornais e canais TVs e, segundo o jornalista, é uma forma de Chávez exercer censura prévia na imprensa.
Este ano, a SIP que só congrega órgãos de imprensa escrita, abrirá uma exceção e concederá o Grande Prêmio SIP à Liberdade de Imprensa à mídia escrita, radiofônica e televisiva da Venezuela. A cerimônia será amanhã, último dia do encontro da entidade. (Associated Press)”
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“SIP discute futuro de jornais na era da web”, copyright O Estado de S. Paulo, 12/10/03
“A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) abriu oficialmente ontem sua 59.? Assembléia Geral concentrando os debates no futuro do jornal impresso e na liberdade de imprensa nas Américas – em particular em três países que tradicionalmente são criticados pelas limitações impostas à difusão da informações: Cuba, Venezuela e Haiti. O encontro vai até terça-feira.
?Há quem diga que em dez anos os jornais tradicionais, como nós conhecemos, não vão mais existir?, disse o diretor do Estado e presidente do Instituto de Imprensa, Júlio César Mesquita, no primeiro dos cinco debates ocorridos ontem.
As maiores ameaças à sobrevivência dos diários surgiram ou se acentuaram nas últimas décadas: o computador pessoal e a falta de interesse pela leitura entre o público jovem. ?É uma verdade da qual ninguém duvida: a circulação dos jornais tradicionais está numa queda muito forte?, disse Mesquita.
O contato com a internet que as crianças passaram a ter desde cedo e a fuga de leitores jovens, que preferem buscar informações na web, são vistas como grandes desafios para a sobrevivência dos jornais em papel. O diretor do centro de mídia da Northwestern University, Mike Smith, crê que os periódicos não chegarão até o fim do século se continuarem a perder a batalha pelos jovens leitores. Mesquita lembrou que a maioria dos jornais tem aumentado sua cobertura de temas que atraem essa faixa etária. A SIP vai elaborar uma radiografia do setor.
A liberdade de imprensa será debatida a partir de hoje com a participação do secretário-geral das Organizações dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria, e da conselheira de Segurança dos EUA, Condoleezza Rice. (AP e EFE)”
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“Gaviria pede para os jornais repelirem ameaças à liberdade”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/10/03
“Ao inaugurar, ontem, a 59.? assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, César Gaviria, pediu que os diretores de jornal fiquem atentos para repelir ?qualquer tentativa? de limite à liberdade de imprensa. Fez declarações, porém, que desagradaram à numerosa delegação de venezuelanos. Ele disse que estava ?satisfeito? e ?otimista? com a marcha do processo político na Venezuela.
Guillermo Zuloaga Núñez, diretor da Globovision, rede de TV cujos equipamentos foram confiscados pelo governo venezuelano há 12 dias, disse que se sentiu ?frustrado? com os comentários de Gaviria. ?Acho estranho que o chefe da OEA, tendo ciência de tudo o que ocorreu, diga que as coisas estão bem no meu país?, afirmou.
Um grupo de jornalistas cubanos exilados pediu à SIP, por meio de um projeto de resolução, que interceda em Cuba pela libertação de 28 colegas, entre eles o vice-presidente da SIP para Cuba, Raúl Rivero, e exija que cesse ?a campanha de repressão contra o jornalismo independente?. Segundo o grupo, a imprensa de seu país vive os piores momentos de sua história e Cuba é ?o maior Gulag do jornalismo no mundo?.
O presidente do Comitê de Impunidade nos Crimes contra Jornalistas, Alberto Ibargüen, informou que nos últimos seis meses foram mortos cinco jornalistas na Colômbia, quatro no Brasil e um na Guatemala.
Num painel sobre os direitos humanos nas Américas, foram apresentados informes gravados por quatro jornalistas sobre a situação no Brasil, Colômbia, México e Cuba, seguidos de perguntas e respostas por teleconferência. O informe sobre o Brasil foi apresentado por Lourival Sant’Anna, do Estado.
A assembléia, formalmente inaugurada ontem, se encerrará hoje com a aprovação de resoluções e conclusões. Participam cerca de 500 editores e donos de jornais. (AP e EFE)”