Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Gilse Guedes e Rosa Costa

ASPAS

FITAS & ROLOS

"Senador disse ter lista, garante procurador", copyright O Estado de S. Paulo, 15/03/01

"O procurador federal Luiz Francisco de Souza garantiu ontem, em depoimento ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, que o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), alvo de um requerimento de quebra de decoro parlamentar, disse ter uma ?lista? dos votos da sessão secreta que cassou o mandato do senador Luiz Estevão (PMDB-DF). A revelação teria sido feita por ACM durante uma conversa com procuradores no Ministério Público em 19 de fevereiro. Luiz Francisco contou ainda que no encontro usou um gravador da revista IstoÉ, que publicou reportagens sobre a reunião, para registrar as declarações de ACM.

Na semana passada, a transcrição de uma fita – com a gravação da conversa com os procuradores – foi apresentada pelo foneticista Ricardo Molina à Comissão de Fiscalização e Controle do Senado e revelou apenas um trecho em que o senador disse saber quem tinha votado a favor de Estevão. Outros dois participantes da reunião no Ministério Público, os procuradores Guilherme Schelb e Eliana Torelly, que também foram ouvidos pelos senadores, apresentaram versões que contradizem a do colega e limitaram-se a manifestar que grande parte do que foi divulgado pela imprensa a respeito da conversa ?corresponde à verdade?.

Análise – Em meio às revelações, o corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP), anunciou que a Polícia Federal fará uma perícia na fita para que o material seja confrontado com a análise de Molina. Apesar da insistência dos parlamentares para que falassem sobre o assunto, Schelb e Eliana não quiseram dar nenhum detalhe sobre o teor dos diálogos. ?Nossa posição é clara em relação ao caso: a divulgação foi feita de forma indevida?, disse Schelb. ?O procurador deve guardar sigilo de um assunto dessa natureza, porque a Lei Orgânica do Ministério Público o obriga a manter o sigilo profissional?, acrescentou. Ele fez referência ao fato de Luiz Francisco ter divulgado à IstoÉ a gravação.

Os procuradores foram ouvidos por quase nove horas pelo Senado para que o Conselho de Ética reúna subsídios para abertura de um processo, a partir de um pedido protocolado pela oposição há cerca de 15 dias, de quebra de decoro parlamentar contra ACM, pela suposta violação do sistema de votação eletrônica do Senado. A investigação, que poderá levar à cassação de mandato de ACM, foi iniciada com base nas reportagens da IstoÉ.

Depois de acompanhar pela TV Senado a sessão do Conselho de Ética, ACM convocou uma entrevista coletiva para negar a versão apresentada por Luiz Francisco. ?Ele mentiu: nunca falei em lista?, disse o pefelista, anunciando que vai processar o procurador e a revista por crime de injúria, calúnia e difamação. ?Há um conluio entre a IstoÉ e o procurador.?

O ex-presidente do Senado afirmou que só dará depoimento ao Conselho de Ética, a convite de seu presidente, Ramez Tebet (PMDB-MS), após a conclusão de perícia que está sendo feita pela Universidade de Campinas (Unicamp) no painel para verificar se houve violação do sistema eletrônico.

Na sessão, apenas um pefelista, ex-ministro da Previdência Waldeck Ornélas (BA), defendeu o ex-presidente da Casa, embora tenham participado outros integrantes da cúpula do PFL, entre eles o líder do partido no Senado, Hugo Napoleão (PI). Os jornalistas da IstoÉ Andrei Meireles, Mino Pedrosa e Mário Simas Filho também falaram aos senadores.

A comparação dos depoimentos dos procuradores produz uma lista de contradições. Enquanto Luiz Francisco disse que ACM foi quem deu a idéia do encontro, Schelb e Eliana informaram que a idéia partiu do Ministério Público. ?Eu convidei o senador?, afirmou Schelb. Eliana e Schelb garantiram que não foram informados de que a conversa seria gravada, contrariando os depoimentos de Luiz Francisco e dos repórteres. ?Após a reunião, Luiz Francisco retirou o gravador do paletó e avisou que a conversa havia sido gravada?, declarou Schelb. ?Disse a Luiz Francisco, em seguida, que, com fita ou sem fita, nada sairia daquela sala.?

Estacionamento – Sobre o suposto envolvimento do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira em irregularidades, Luiz Francisco afirmou que a IstoÉ não reproduziu integralmente o teor da frase de ACM. ?Mas a idéia é aquela e ACM disse que a quebra do sigilo de Eduardo Jorge levaria ao presidente? Fernando Henrique Cardoso. Ele contou ainda que, no dia da reunião, telefonou para o chefe da sucursal de Brasília da revista, o jornalista Tales Faria, e contou-lhe que o encontro com ACM seria realizado. De acordo com o depoimento de Meireles, a revista entregou a Luiz Francisco um gravador no estacionamento do Ministério Público poucos minutos antes da reunião.

Desta forma, Luiz Francisco utilizou dois aparelhos para gravar a conversa: um da IstoÉ – que foi instalado na sala contígua ao local onde ocorreu a reunião – e um de sua propriedade, que foi escondido em um dos bolsos de seu terno. Ao comentar o depoimento, o senador Waldeck Ornélas, que é membro do conselho, disse que o procurador deve ter um ?contrato? com a IstoÉ. ?É inacreditável que um procurador tenha usado um gravador da revista?, comentou ACM."

"Verdade insopitável", Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 16/03/01

"O procurador federal Luiz Francisco de Souza é uma figura patética.

Chega a ser aflitivo ver a sua imensa dificuldade para articular as idéias e traduzi-las em sentenças fluentes: só a muito custo ele consegue pronunciar uma frase com começo, meio e fim. Os seus notórios problemas de organização e expressão do pensamento fazem dele um inocente – no sentido clínico do termo. Falta-lhe a aptidão comum para construir e proferir uma falsidade, de forma convincente, com as palavras e a entonação necessárias para torná-la plausível.

Incapaz, literalmente, de mentir – assim como de policiar as suas próprias palavras para não dizer algo que possa vir a prejudicá-lo -, por motivos que a neuropsiquiatria saberá explicar, ele é a antítese daqueles que pensam cuidadosamente no que irão dizer, conforme as conveniências do momento.

Desprevenido, tentando transmitir, aos solavancos, tudo o que lhe vem à mente, uma idéia atropelando a outra, o ?grande inquisidor?, que se notabilizou por sua fobia ao governo e pela leviandade com que espalhava acusações sem provas, é a testemunha ideal por excelência – que falará a verdade como a percebe, mesmo em prejuízo próprio.

São precisamente essas características de sua personalidade que não permitem qualquer dúvida sobre a veracidade de suas respostas aos membros do Conselho de Ética do Senado que o interrogaram durante mais de quatro horas para saber se o que a revista IstoÉ publicou sobre o encontro – que deveria ser secreto – entre o senador Antonio Carlos Magalhães, ele, Luiz Francisco, e os seus colegas Guilherme Schelb e Eliana Torelly, na sede do Ministério Público Federal, em Brasília, era a transcrição fiel da degravação de uma das duas fitas claramente audíveis em que ele gravou o que foi dito pelos cinco participantes da reunião sem que os outros quatro soubessem que havia gravadores na sala.

?A transcrição da IstoÉ é quase literal?, disse ele, no que foi confirmado por três jornalistas da revista que também depuseram no Conselho de Ética do Senado.

O procurador contou que avisou a revista IstoÉ do encontro, recebeu dela o terceiro gravador que utilizaria para registrar a conversa – por precaução, segundo explicou – e depois permitiu que o semanário tivesse acesso às fitas audíveis e divulgasse as suas passagens mais comprometedoras. O destino das fitas não ficou claro. Coerentemente com a sua condição de mau mentiroso, Luiz Francisco dissera, de início, que as pisoteou e jogou no lixo, ao recebê-las de volta, diante da indignação dos colegas com o vazamento e a publicação da primeira reportagem sobre o caso; depois, que as deixara com eles, que, por sua vez, as teriam incinerado.

A reconstituição do conteúdo da fita – inaudível – do terceiro gravador, deixado numa sala contígua à da conversa, não contradiz a versão da revista.

Mas as numerosas lacunas nessa gravação permitiram pôr em dúvida o que o senador baiano dissera, como saiu publicado na IstoÉ -, ter ?a lista de todo mundo que votou a favor e contra [a cassação do senador] Luiz Estevão? e que, ?se quebrar os sigilos [bancário e telefônico do ex-secretário da Presidência Eduardo Jorge], vai chegar ao governo, ao presidente?. Depondo no Senado, Luiz Francisco reiterou uma coisa e outra: Antonio Carlos teria empregado, ?textualmente?, a palavra ?lista? e dito que se ?chegaria? ao presidente investigando a vida de Eduardo Jorge no ano de 1994.

Incompreensivelmente, porém, Schelb e Eliana Torelly se recusaram a confirmar ou desmentir o teor da conversa, alegando impedimentos éticos, por sinal não previstos na Lei Orgânica do Ministério Público. Seja como for, estes, quando escolhem falar ou calar, realizam uma operação mental que parece além das possibilidades de Luiz Francisco. O silêncio deles, portanto, não invalida a versão de que, furioso pela derrota recém-sofrida no Senado, com a eleição de Jader Barbalho para a presidência da Casa, Antonio Carlos quis vingar-se, ajudando procuradores ostensivamente inimigos do governo a buscar provas de corrupção no Planalto, que até agora não conseguiram encontrar.

Foi com esse espírito de alcagüete que ele se dirigiu à Procuradoria Federal na manhã de 19 de fevereiro. O resto – a admissão espontânea de que sabia como cada senador votara na cassação de Luiz Estevão – se explica pela bazófia, o prazer de se vangloriar diante de seus perplexos interlocutores, cuja confusão ou temor reverencial os inibiu de perguntar-lhe como tinha conhecimento dos meandros de uma votação eletrônica sigilosa. O político baiano corre agora o sério risco de provar do próprio veneno, uma vez que o depoimento de Luiz Francisco deu corpo às suspeitas de que o segredo do voto no Senado foi violado – e que Antonio Carlos Magalhães pode não ter estado alheio a isso."

"Depoentes reafirmam que ACM citou lista", copyright Folha de S. Paulo, 15/03/01

"O procurador Luiz Francisco de Souza e os jornalistas da ?IstoÉ? Mino Pedrosa e Andrei Meirelles reafirmaram ontem ao Conselho de Ética do Senado que o senador Antonio Carlos Magalhães disse, durante conversa com três representantes do Ministério Público, possuir ?lista? de quem votou contra ou a favor da cassação do ex-senador Luiz Estevão.

Em depoimento aos senadores, eles declararam também que ACM afirmou que a quebra do sigilo telefônico do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge ?chegaria? ao presidente.

Quanto a essa trecho, Luiz Francisco fez uma ressalva: não tinha certeza se o senador havia usado o termo Fernando Henrique, presidente ou governo, para se referir à suposta ligação que ACM tentou estabelecer entre EJ e FHC.

Esses são os dois trechos mais polêmicos da conversa entre ACM e os procuradores Luiz Francisco, Guilherme Schelb e Eliana Torelly, no dia 19 de fevereiro. A revista ?IstoÉ? publicou trechos da conversa com base em gravações feitas por Luiz Francisco. As duas fitas ouvidas pelos repórteres teriam sido queimadas por Schelb e Eliana.

Restou um segundo registro, que teria qualidade inferior. Analisada pelo foneticista Ricardo Molina, a gravação não apresenta a palavra ?lista? numa alusão ao resultado da votação da cassação de Luiz Estevão, em junho de 2000. Molina também não identificou a associação -que existe segundo Luiz Francisco e os jornalistas- entre EJ e FHC.

Segundo Meirelles, a diferença entre a versão publicada pela revista ?IstoÉ? e o resultado do trabalho de Molina se justifica porque na gravação analisada pelo foneticista havia ?muitas lacunas?, trechos inaudíveis, que não existiam na fita original que os jornalistas ouviram, com autorização de Luiz Francisco, dois dias depois do encontro com ACM.

A gravação que chegou a Molina foi produzida, segundo o procurador, em um aparelho fornecido pela própria revista.

A revista ?IstoÉ? fez uma cópia da fita inaudível que se encarregou de entregar ao perito Molina. Ontem, essa cópia foi encaminhada pelo dono da editora Três, Domingo Alzugaray, ao Senado.

O procurador Luiz Francisco disse ter ligado para os jornalistas para obter informações sobre o conflito político entre ACM e Jader Barbalho. Temia que o pefelista tentasse usar o teor da conversa em benefício próprio.

?Eu gravei um senador por resguardo, para minha defesa?, disse Luiz Francisco. A idéia era levar ACM, numa ?atitude de consequência?, encaminhar ao Ministério Público documentos sobre as denúncias que apresentou aos procuradores na conversa.

ACM está sendo acusado de ter faltado com decoro parlamentar se realmente teve acesso a informações sobre votações sigilosas na cassação de Luiz Estevão.

Saiu desse ponto a defesa encampada publicamente pelos pefelistas. Bello Parga (PFL-MA) disse que não havia ?nenhuma linha? -nos depoimentos de ontem ou no trabalho de Molina- em referência à suposta lista.

Luiz Francisco disse que realmente não ocorreu, naquele momento, questionar ACM sobre a origem da lista. O mais enfático na defesa de ACM foi o senador Waldeck Ornélas (PFL-BA), ex-ministro da Previdência que perdeu o posto por conta da crise. ?Vocês não iam esperar que eles (jornalistas) viessem aqui para dizer que o que escreveram não era o que ouviram.? Até o fechamento desta edição ACM não quis falar sobre os depoimentos."

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