OFJOR CI?NCIA
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AQUECIMENTO GLOBAL
Marinilda Carvalho
Em sua primeira aula no curso de Jornalismo da Columbia University, onde leciona a disciplina "Cobrindo Assuntos Nacionais na Era da Informação", o ex-vice-presidente Al Gore ensinou aos alunos o sentido da expressão "off the record" [ver remissão abaixo]. Na segunda, dia 21, pode-se dizer que ele tratou da importância "de se identificar a agenda de um político". Agenda, no caso deste texto, é bandeira, causa.
O texto e o palpite são de David Abel, repórter do Boston Globe [22/2/01]. Como as aulas de Gore são dadas a portas fechadas e os alunos vêm sendo aconselhados a não divulgar o que se diz em sala, a imprensa americana exerce seu direito à adivinhação. A escola primeiro mandou e-mail aos alunos dizendo que nada do que ouviam deveria ser comentado fora de classe. Uma decisão arbitrária, além de boba. Depois voltou atrás, certamente por ter concluído que estava mandando futuros jornalistas esconderem notícias.
Sem informação, portanto, Abel baseou seu palpite num "longo e denso" e-mail do ajudante de Gore, Philippe Reines, que faz a ligação do ex-presidente com os estudantes. Segundo o texto, o novo professor pediu aos alunos uma crítica da cobertura dada pela mídia ao "complexo tema" das mudanças climáticas no planeta. O repórter do Globe deve achar o tema simples, já que aspeou a expressão.
Em tom irônico, Abel escreve que Reines preparou os estudantes para a palestra de Gore dizendo à classe que "a grande maioria dos cientistas concluiu que o ser humano está influenciando os padrões climáticos globais de forma tão destrutiva que se prevêem as mais drásticas mudanças do sistema do clima dos últimos 10 mil anos".
Pergunta-se: haverá algum motivo para ironizar isso? Se não são os humanos, especialmente os humanos ricos que habitam o Hemisfério Norte do planeta, com seu gasto estratosférico de energia, quem estaria afetando o ambiente a ponto de mudar o clima? Os peixes?
"O patrão dele", diz Abel, referindo-se a Gore (chefe de Reines), "escreveu ?Terra em equilíbrio: a ecologia e o espírito humano?, e pediu aos alunos que lessem um estudo estatístico e dois novos relatórios, ?Cientistas fazem terríveis predições sobre o aquecimento? e ?Conferencia do Clima reafirma a grande ameaça do aquecimento?. Gore também recomendou a leitura de uma matéria que condena os alertas insistentes sobre o aquecimento global, que Reines ridiculariza como exemplo de jornalismo preconceituoso."
Segundo Abel, Reines ainda preparou algumas perguntas para os estudantes ponderarem, tipo: "Você acha que os cientistas que ainda duvidam da seriedade do problema da mudança climática, que são minoria, deveriam ter tanto espaço nesta cobertura?"
E você, leitor do Observatório, o que acha?
Neste ponto Abel vai à luta, ou melhor, ao campus, para pinçar depoimentos: "Quando a aluna Kimberly Atkins, 27 anos, deu uma olhada nas leituras recomendadas, disse: ?Parecia doloroso.? Depois de ler tudo, ficou pensando: ?Não sei se o que ele quer nos ensinar é exatamente o que queremos aprender com ele?." Talvez ela preferisse ouvir alguns comentários picantes sobre a Casa Branca…
Outros estudantes estavam menos surpresos: "A questão é que você tem que considerar quem está dando as aulas", disse Michael Arnone, 29. "Gore obviamente tem uma agenda política, e nunca escondeu seus sentimentos sobre meio ambiente. Somos adultos, é nossa responsabilidade vê-lo como é e descobrir onde está a verdade."
Isso quer dizer que políticos não podem ter bandeiras políticas que se tornam suspeitos? Pensei que esse grilhão coubesse apenas em jornalistas… Pobre do Partido Verde, daqui e do resto do mundo…
Os estudantes contaram depois da aula "que Gore chegou ao ponto de dizer que os jornalistas consideram decisivo incluir visões céticas em suas matérias sobre aquecimento global", conta Abel. "Em nome do equilíbrio, o novo professor disse aos alunos que jornalistas dão crédito a idéias desacreditadas. Escrevendo matérias sobre aidéticos, por exemplo, perguntou Gore, é necessário dar voz a alguém que duvide de que o HIV cause a Aids?"
Pelo jeito, Abel acredita piamente que devemos ouvir os defensores de que a Terra é plana ao escrevermos sobre a próxima viagem de Amir Klink.
David Abel encerra a matéria em gran finale. "Bem-informados sobre a opinião do ex-presidente sobre o aquecimento global e outros temas do meio ambiente", continua o repórter, "os estudantes admitem que a imparcialidade de Gore nunca esteve em questão."
"Foi exatamente o que se poderia esperar de Gore", disse o aluno John Giuffo, 29 anos. "As posições dele são claras, a questão é a fonte destas informações." Claro, as fontes. Quem estaria inventando essa bobagem sobre o aquecimento da Terra? Em que planeta David Abel tem vivido? Como ser imparcial em matéria de aquecimento global? Será a "imparcialidade" do repórter resultado de um corporativismo avesso a críticas, ou estará ele comprometido com os grandes predadores do meio ambiente, que por acaso moram no mesmo país dele?
Essa mídia americana ferve nossos nervos.
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