GREVE NAS FEDERAIS
Giselle Radics Koszo (*)
Sai acordo de R$ 328 milhões e reajuste entre 12% e 13% depois de 99 dias de greve nas 52 instituições federais de ensino superior. Começou com a rejeição de reajuste de 3,5%, pedido de 4 mil novas contratações e reposição de 75,48% das perdas salariais para os 69 mil professores universitários que atendem quase meio milhão de estudantes de graduação, 60 mil de mestrado e 30 mil de doutorado.
Números, números e mais números.
Isso se tornou símbolo de um bom jornalismo. O jornalismo "informativo e imparcial", superficial, governista e manipulador.
Vestibular e ano letivo, o limite
A greve das instituições federais deveria ter levantado a discussão sobre a educação brasileira, a situação e o papel das universidades na sociedade. Mas não o fez. Continua coerente com a política educacional que com belas estatísticas mascara a destruição da educação.
O candidatíssimo à Presidência Paulo Renato Souza, ministro da Educação, se gaba do crescimento das matrículas no ensino básico em 186%, da queda de 28,5% da taxa de repetência nestas séries e do aumento de 14% nas matrículas universitárias.
A mídia engole tudo, sem digerir, e expele à opinião pública. Esta mídia parece esquecer que o sistema de ciclos impede a repetência no ensino básico, de onde as crianças saem quase analfabetas, e que o aumento da demanda universitária é conseqüência da privatização indiscriminada e desqualificada do ensino superior.
Como se não bastasse, a imprensa se rasga em elogios a essa política educacional tão destrutiva que levou a uma greve de tal amplitude. No dia 16 de setembro, o editorial de O Estado de S.Paulo, "A greve nas federais", comenta as atividades do ministro da Educação e os avanços obtidos pelo MEC, além dos novos investimentos para melhorar a educação. E encerra: "Não é com isso que se preocupam os docentes das universidades federais em greve. Nem com os mais de 300 mil estudantes que estão sem aulas e com milhares de jovens que podem ficar sem o vestibular."
Com o que será então que os professores se preocupam? Será que existe um professor consciente de sua função que não esteja muito preocupado com os avanços do Ministério da Educação? Avançando em cima da autonomia universitária, dos direitos dos docentes, dos patrimônios da nação, dos direitos de cada cidadão à educação…
Alguém ficou sabendo pela mídia das verdadeiras causas da greve? Qual é a verdadeira situação do ensino superior? Por que será que não merecem pauta na grande mídia as condições estruturais e humanas nas quais uma universidade tem de cumprir suas funções de ensino, pesquisa e extensão? Onde estão as matérias enfocando a dimensão histórica do ensino no Brasil?
A greve já completava um mês e era praticamente desconhecida. Começou a ganhar destaque quando o ano letivo e os vestibulares ficaram comprometidos. Como se só então passasse a representar o interesse público. Como se a população só fosse prejudicada se não houvesse vestibular, e os futuros clientes não tivessem o serviço educacional disponível.
Futuro sem perspectiva
A explicação só pode estar na total ignorância daqueles que fazem e detêm os meios de comunicação ou na manipulação indiscriminada das informações segundo os interesses dominantes e governistas, que lhes retribuem honestamente com a manutenção do monopólio da comunicação. Com isso, a mídia contribui para as finanças do governo, pois este não precisa gastar tanto dinheiro com publicidade. Sai mais barato e com mais credibilidade nas matérias dos jornais.
Falando em publicidade, qual é a diferença entre a propaganda de uma universidade particular de Minas Gerais, que garantia sucesso e aulas, ao contrário das instituições federais, e a imprensa que divulga todos os números do aumento de matrículas nas escolas particulares? Ou a matéria (das poucas que foram veiculadas sobre a greve) descrevendo a vida pacata das cidades em que as federais estão em greve (OESP, 22 de setembro, "Greve nas federais muda vida das cidades)?
Para Roberto Leher, presidente do sindicato dos docentes (Andes), "a greve expressa a insatisfação dos professores com o conjunto de política do MEC/Banco Mundial em curso no país".
O sindicato dos trabalhadores nas instituições federais de ensino superior em Belo Horizonte afirma que a greve dos professores universitários protesta em favor da qualidade da educação pública, necessitando de infra-estrutura de ensino, pesquisa e extensão que garanta reais condições para a produção acadêmica e, ao mesmo tempo, para a remuneração digna do trabalho humano, que se constitui no maior componente do custo das instituições educacionais.
A Folha de S.Paulo, no período de 22 de agosto a 23 de setembro de 2001, veiculou 16 matérias (entre informativas e opiniões) sobre a greve dos professores nas universidades federais do Brasil. Ocupando apenas 0,09% do total de páginas do período, com as informações mínimas de uma cobertura. Na grande maioria dos textos, comentou o número de docentes em greve, algumas reivindicações e o andamento do caso.
O Estado de S.Paulo deu ao leitor um mínimo contato com o assunto. Quase diariamente, o jornal dedicou cerca de meia página do primeiro caderno à educação. Porém, a pauta da greve das universidades federais não teve grande relevância. Entre as 2.896 páginas do jornal impressas no período (22/8 a 23/9), apenas 0,06% trataram da greve. Exatamente oito textos.
Estes fatos levantam questionamentos sobre o futuro que se pode pensar para uma nação cujo governo destrói nitidamente a educação, e a mídia esquece sua função social e educativa.
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Metodista de São Bernardo, SP