A VOZ DOS OUVIDORES
PÚBLICO
"Ao provedor compete estar atento, ouvir as críticas dos leitores, reflectir e convidar à reflexão – e depois propor, sugerir, recomendar. A quem manda no jornal, e a quem o faz todos os dias, cabe o resto. Há pequenas coisas que, com um pouco mais de atenção, podem ir melhorando. Sobretudo quando toda a gente está de acordo.
A avaliar pelas reacções recebidas de diversos leitores, parece ter merecido concordância o que aqui se escreveu, no passado domingo, a propósito da legitimidade, pelo jornal, do uso do qualificativo ?terrorista? em referência à organização basca ETA. Não obstante, um ou outro passo do escrito talvez não estivesse suficientemente claro, dando azo a confusões que importa dissipar.
Como muito bem notaram alguns leitores, a definição de ?terrorismo? que foi citada pelo director José Manuel Fernandes, a partir de um dicionário comum, revela-se insuficiente, e até susceptível de leituras perversas. ?Emprego sistemático da violência para atingir um fim político? é também, como sabemos, o que faz bastante gente, em muita parte do mundo, mas num contexto de ausência de liberdade – e, precisamente, para tentar, com toda a legitimidade, conquistar essa liberdade. Aquela literal definição de terrorismo ?muito agradaria a qualquer ditador ou a qualquer ocupante de um território alheio?, comenta certeiramente o leitor João Brandão. E o leitor Carlos Gomes não lhe fica atrás: ?Seguindo o mesmo raciocínio, também era legítimo apelidar de ‘terroristas’, vulgo ‘turras’, os guerrilheiros dos chamados movimentos de libertação? das ex-colónias portuguesas; de resto, assim ?eram apelidados pelos próprios jornalistas durante o Estado Novo?.
Sabemos bem por que motivo o regime de ditadura vigente em Portugal chamava ?terroristas? aos que, de armas na mão, defendiam o legítimo direito à independência que lhes era negada e a que só o regime democrático deu corpo. Sabemos bem que alguns também lutaram em Portugal, e com recurso a acções violentas, para recuperar todas as liberdades negadas aos cidadãos. E esses não chamavam ?terroristas? aos guerrilheiros dos movimentos de libertação. De resto, sabemos igualmente por que motivo os próprios jornalistas, na imprensa da época – uma imprensa submetida à censura prévia, num país onde o que menos havia era liberdade de expressão -, se referiam àqueles lutadores das ex-colónias como ?terroristas?… Essa era a ?verdade? oficial, a única consentida.
Como aqui se procurou sublinhar, tudo é diferente quando o que está em causa é, como sucede na Espanha de hoje, o recurso a acções violentas, mesmo que com uma intenção política, num contexto de democracia. Aí, ao contrário das situações atrás referidas, não se vê como pode legitimar-se a violência: por muito imperfeitas que sejam as nossas democracias, elas dão-nos a possibilidade de exprimirmos opiniões diferentes, de nos batermos por diferentes projectos, de procurarmos convencer os outros da nossa razão, de falarmos, de escrevermos, de nos reunirmos, com uma liberdade que só encontra limite no espaço de liberdade dos outros com quem vivemos.
?Terrorismo? é mais do que acção violenta para atingir um fim político. ?Terrorismo?, na acepção lata em que costumamos usar o termo, é violência ilegítima (e vimos como pode também haver um, igualmente condenável, ?terrorismo de Estado?) numa sociedade em que a luta política pode, e deve, desenvolver-se de acordo com as regras democráticas. Em liberdade.
Retome-se rapidamente a polémica sobre a ortografia ?Beijing?/ ?Pequim? apenas para referir a chegada de mais um contributo, particularmente aprofundado, de um leitor que se empenhou em estudar a matéria.
Manuel Leal, tradutor/revisor linguístico no Conselho da União Europeia, também não tem dúvidas de que em português devia continuar a adoptar-se a grafia ?Pequim? para nomear a capital chinesa. E sugere que o próprio Livro de Estilo do PÚBLICO não terá razão quando diz que o ?pinyin? (o tal sistema que levou à adopção de ?Beijing?) foi proposto pelas autoridades chinesas como método de transcrição para todas as línguas que usam o alfabeto latino: o que foi decidido a partir de 1979, diz, foi que todos os documentos adoptassem o ?pinyin?, mas ?nos países de língua inglesa?. Ora, letras iguais correspondem a sons diferentes conforme as línguas (veja-se o português ?j?, que é lido como ?dj? em inglês, como ?i? em alemão e daquele modo gutural em espanhol). Dado que o sistema usou como base de referência os sons da língua inglesa, daí resulta que ?em línguas que não o inglês, a utilização cega do ‘pinyin’ não aproxima a pronúncia da palavra original? e ?pode mesmo afastá-la?, sustenta Carlos Leal.
Resumindo, entende o provedor que, juntos estes aos outros argumentos já expendidos, há matéria bastante para que a Direcção do PÚBLICO reflicta sobre o assunto e reconsidere se não seria mais adequado voltar à grafia portuguesa de ?Pequim?, que continua a ser adoptada pela generalidade dos países não anglófonos.
O poder do provedor termina aqui: na proposta, na recomendação. Quem decide são os responsáveis editoriais do jornal. Daí que não pouca gente duvide da real eficácia de uma função que, por muito certeira que possa ser nas suas observações, não tem competência (nem a deseja, esclareça-se…) para impor regras ou modos de fazer.
Vem isto a propósito da chamada de atenção, feita há semanas, para que fossem sempre assinados todos os textos de opinião ou de análise, ou mesmo de interpretação (do modo que é tão frequentemente praticado no trabalho informativo do PÚBLICO). Porquê? Porque o Livro de Estilo assim manda, porque essa é uma regra básica do jornalismo e, sobretudo, porque aí se fundamenta um indeclinável sentido de responsabilidade própria e de respeito pela autonomia dos leitores.
Em nome do rigor e da exigência que caracteriza este projecto editorial, todos concordaram, aparentemente, com a chamada de atenção – a começar pela Direcção. Assim sendo, só pode lamentar-se que continuem a ser publicados com alguma frequência, nos espaços de abertura das secções, textos claramente opinativos (ou muito latamente interpretativos…) sem qualquer assinatura. Falta de atenção?
As edições de sábado do PÚBLICO ficaram enriquecidas com a distribuição conjunta da revista ?Xis?, dirigida por Laurinda Alves. É uma melhoria que se saúda.
Nos dias anteriores à estreia, o jornal cuidou de dar grande publicidade a esse benefício. Estimulou a curiosidade, alimentou as expectativas dos leitores. Só se ?esqueceu? de lembrar também que aquela melhoria tinha um pequeno preço: o jornal, ao sábado, passava a custar 200$00, contra os 140$00 anteriores. Fez apenas uma brevíssima referência a isso, no meio de um texto, no sábado anterior. Mais nada – e nada, sobretudo, nos muitos anúncios à novidade. Devia ter sido mais claro, por uma questão de princípio – e, mais uma vez, de respeito pelos seus leitores.
EM SÍNTESE
: No PÚBLICO, todos os textos opinativos ou interpretativos devem ser assinados
: Quando se anuncia uma melhoria, fica bem anunciar o seu custo."
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