DIPLOMA EM XEQUE
Antonio de Oliveira (*)
Cheguei ao Hospital de Pronto Socorro um pouco depois das 9h. Meu amigo repórter de polícia estava jogado num canto, embaixo de uma escada. Era um dia de inverno muito frio no meio do ano de 1978 ou 1979 (se não me falha a memória, que já falhou), e ele se cobria com um velho cobertor que alguém lhe jogara por cima. Tinha o corpo todo marcado por socos, chutes e pontapés. A camisa rasgada. Estava atirado ali por cerca de uma hora. Deu um grito de dor ao levantar. Não podia apoiar a perna esquerda no chão. Havia sido chutado na canela, um pouco abaixo do joelho, onde tinha uma platina, resultado de um acidente de trânsito com fratura da tíbia. Contou que fora trancado na sala do plantão policial do hospital por seis agentes, que lhe bateram muito, até quase desmaiar, e depois o arrastaram para fora.
O massacre tinha sido comandado por um misto de policial e repórti, homem violento, comissário que andava sempre com o revólver à mostra na cintura e na redação fazia questão de colocá-lo em cima da mesa para que todos vissem. Devido às várias confusões que tinha armado, fora demitido do jornal. O repórter massacrado o substituíra e esta teria sido a razão da sua violenta vingança.
Conto este caso para ilustrar com toda clareza como podem ser precárias as relações entre jornalistas com registro precário, sem nenhum compromisso de qualidade com a profissão, e os verdadeiros profissionais, aqueles que têm a preocupação de fazer vestibular, cursar uma faculdade, pesquisar e se qualificar para entrar no mercado de trabalho com competência.
É claro que os ingênuos ou de más intenções vão logo dizer que fulano é um ótimo jornalista e nunca entrou numa escola de Jornalismo, que beltrano não tem diploma mas seu comportamento é ótimo, e que existem tantos outros que desfilam com o diploma na testa e são péssimos profissionais. Nenhum destes argumentos me fará arredar pé da exigência do diploma para o exercício de qualquer profissão que exija conhecimentos de nível superior.
Também não caio naquela de dizer que, assim como jornalista não necessita de diploma eu também posso sair por ai a advogar ou abrir um consultório médico sem diploma. Nenhum destes nivelamentos serve para argumento. E digo isso com a experiência e a tranqüilidade de quem sempre manteve esta posição, como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul e dirigente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Quanto mais se aperfeiçoam e se aprofundam os conhecimentos nas diversas áreas da atuação humana, mais se necessita de qualificação e responsabilidade para o exercício da nossa profissão. E muitas coisas que qualificavam ontem o jornalista hoje o tornam desprezível diante da evolução tecnológica e da formação dos novos profissionais que surgem para o mercado.
É lógico que os adversários da qualificação logo vão dizer que as faculdades são "fábricas" e que os jovens saem de lá sem saber de nada. E eu respondo que saberão muito menos a cada dia que o jornalismo se tornar mais precário, com redações cheias de jornalistas precários.
Caminho aberto
Na verdade, a questão não é o diploma. O que está por trás de tudo é a luta pelo controle da informação e a defesa do dinheiro (é um jogo tão baixo que nem dá para se chamar de capital) das empresas. O relacionamento das empresas de comunicação com o tratamento à informação no Brasil é de tão má qualidade que chega ao caos (na cabeça dos patrões) de prescindir de jornalistas profissionais. Pode ser qualquer um, desde que faça entrar dinheiro no caixa. Para ser investido em fazendas, mansões, haras e empresas construtoras e financeiras (para se falar só de coisas aparentemente lícitas) dos donos. Nunca no aperfeiçoamento técnico das empresas e dos profissionais.
Chega de jogadores e juízes de futebol aposentados. Chega de policiais nas redações fazendo as vezes de jornalista para enriquecer donos de empresas de comunicação. Exigimos excelente formação, sim. Exigimos gente que saiba escrever nas redações. Chega de picaretas precários que entram em jornais, emissoras de rádio e televisão só para defender a ótica do dinheiro e do interesse político do patrão nos textos das matérias e nas páginas de opinião. Sem nunca terem lido nada sobre as qualidades que um ser humano deve reunir para exercer com sobriedade e distanciamento crítico esta profissão que exige retidão de caráter, doação e formação. Para levar, com a notícia e a reportagem, subsídios para que os cidadãos e as cidadãs ampliem seus conhecimentos, se eduquem e se habilitem para o crescimento pessoal e na luta por uma sociedade mais justa e humana.
Os sindicatos de jornalistas e a nossa federação têm que sair para as ruas. Nós, jornalistas profissionais com registro antigo, formados, estudantes e professores só vamos vencer se criarmos constrangimentos para os picaretas e os patrões. Vamos fazer cartazes e levar às ruas denunciando os nomes dos picaretas que atuam na imprensa em todo o país. Vamos constranger as juízas que dão canetada para ficar de bem com os donos de empresas de comunicação e mandam a verdadeira Justiça se danar. Vamos buscar apoio de todas as categorias profissionais com exigência de diploma de nível superior. Vamos pressionar os políticos.
Juntos, vamos exigir melhor qualificação das faculdades de Jornalismo, engrossando o movimento das entidades estudantis. Nenhuma destas idéias de mobilização é absurda. Não será pelos meios de comunicação dos patrões que divulgaremos um movimento em defesa da nossa profissão. Mas se ficarmos um fim de semana inteiro com faixas e distribuindo panfletos nas 10 principais avenidas de cada grande cidade do país, tenho certeza que começaremos a ganhar esta guerra.
Ou então, voltaremos a ser espancados pelos policiais que agora têm caminho aberto ? temporariamente ? para voltar às redações, e os estudantes de Jornalismo podem mudar logo de faculdade. Chega de jornalista precário, patrão precário, formação precária, salário precário, texto precário, redação precária, mentes precárias, páginas na internet precárias, políticos precários, juízas precárias, solidariedade precária, saúde precária, lazer precário, vida precária, amor à profissão precário…
Vamos abrir guerra contra todos os precários e precárias.
(*) Jornalista